Ficou chocado ao perceber que estivera correndo por quase uma hora - as sombras dos
muros alongavam-se para o leste, logo o sol ia se pôr para deixar vir a noite e as Portas se
fechariam. Precisava voltar. Só de leve lhe ocorreu então que, sem ter de pensar, reconhecera
a direção e o tempo. Viu que os seus instintos eram fortes.
Precisava voltar.
No entanto, não sabia se seria capaz de enfrentá-la de novo. Aquela voz em sua cabeça. As
coisas estranhas que ela havia dito.
Não tinha escolha. Negar a verdade não resolveria nada. E por mais ruim - e por mais
estranha - que tivesse sido aquela invasão da sua mente, era melhor do que um encontro com
os Verdugos em qualquer dia.
Enquanto corria na direção da Clareira, descobriu uma porção de coisas a respeito de si
mesmo. Sem ter se esforçado nesse sentido - e também sem perceber como o fizera -,
registrara mentalmente o percurso exato pelo Labirinto enquanto fugia da voz. Na volta,
nenhuma vez errou o caminho, virando à esquerda e à direita, percorrendo os corredores
compridos no sentido inverso ao que tomara na ida. Sabia o que isso significava.
Minho estava certo. Logo ele seria o melhor Corredor.
A segunda coisa que descobriu sobre si mesmo, como se a noite no Labirinto já não o
tivesse provado, era que o seu corpo achava-se em perfeita forma. No dia anterior mesmo
chegara ao limite das suas forças e ficara dolorido da cabeça aos pés. Recuperara-se
rapidamente, e agora corria quase sem nenhum esforço, apesar de estar se aproximando da
segunda hora de corrida. Não era preciso ser um gênio da matemática para calcular que a sua
velocidade e o tempo conjugados significavam que teria corrido praticamente meia maratona
no momento em que chegasse de volta à Clareira.
Nunca antes ele se preocupara com o tamanho do Labirinto. Quilômetros e quilômetros e
quilômetros. Com os muros movendo-se todas as noites, finalmente entendia por que o
Labirinto era tão difícil de ser desvendado. Até então, tinha duvidado disso, pensando como
os Corredores podiam ser tão incapazes.
Correu sem parar, à esquerda e à direita, em frente, sem parar nunca. No momento em que
cruzou o limite da Clareira, as Portas estavam a apenas alguns minutos de se fechar para a
noite. Exausto, ele se encaminhou direto ao Campo-santo, entrando na floresta até chegar ao
ponto em que as árvores eram mais densas contra o canto sudoeste. Mais que tudo, queria ficar
em paz.
Quando chegou a um ponto em que só podia ouvir os sons de conversas de Clareanos à
distância, além dos ecos de ovelhas balindo e dos porcos roncando, concluiu que estava bom;
encontrando a junção dos dois muros gigantescos, deixou-se cair no canto para descansar.
Ninguém apareceu, ninguém o incomodou. O muro sul finalmente se moveu, fechando-se para
a noite; ele se inclinou para a frente até quando parou. Minutos depois, de novo com as costas
confortavelmente de encontro às espessas camadas de hera, acabou adormecendo.
Na manhã seguinte, alguém o sacudiu de leve para despertá-lo.
- Thomas, acorde. - Era Chuck... O garoto parecia ter a capacidade de encontrá-lo onde
quer que estivesse.
Resmungando, Thomas inclinou-se para a frente, esticou as costas e os braços. Então
percebeu que haviam colocado duas mantas sobre o seu corpo durante a noite - alguém
fazendo o papel de Mãe da Clareira.
- Que horas são? - ele perguntou.
- Você está quase atrasado demais para o café da manhã. - Chuck cutucou-lhe o braço. -
Vamos, levante-se. Precisa começar a agir de maneira normal ou as coisas vão piorar ainda
mais.
Os acontecimentos do dia anterior foram despencando um atrás do outro na mente de
Thomas, e o seu estômago pareceu se contorcer lá no fundo. "O que será que vão fazer
comigo?", pensou. "As coisas que ela disse. Algo sobre ela e eu termos feito isso com eles.
Com a gente. O que será que isso significava?"
Então ocorreu-lhe que talvez estivesse louco. Talvez a tensão incessante do Labirinto o
tivesse deixado maluco. De qualquer maneira, só ele escutara a voz dentro da sua cabeça.
Ninguém mais sabia das coisas estranhas que Teresa dissera, ou do que o acusara. Eles nem
sequer sabiam que lhe dissera o seu nome. Bem, ninguém a não ser Newt.
Deixaria as coisas como estavam. A situação já era ruim o bastante - não fazia sentido
piorá-la contando às pessoas sobre vozes na sua cabeça. O único problema era Newt. De
algum modo, precisaria convencê-lo de que aquela tensão toda acabara sendo demais para ele
e que uma boa noite de descanso resolveria tudo. "Eu não estou louco", disse a si mesmo. Com
certeza não estava.
Chuck o observava com as sobrancelhas levantadas.
- Desculpe - falou Thomas enquanto se levantava, procurando agir da maneira mais normal
possível. - Só estava pensando. Vamos comer alguma coisa, estou morrendo de fome.
- Bom isso - disse Chuck, dando um tapinha nas costas de Thomas.
Eles se encaminharam à Sede, Chuck tagarelando o tempo todo.
Thomas não se queixava - era a coisa mais próxima do normal na sua vida.
- Newt o encontrou ontem à noite e disse a todos para deixarem você dormir. E também
nos contou sobre o que o Conselho decidiu a seu respeito: um dia na cela, depois você entra
para o curso de treinamento de Corredor. Alguns trolhos resmungaram, alguns aplaudiram, a
maioria agiu como se não estivesse nem aí. Por mim, acho bastante incrível. - Chuck fez uma
pausa para recuperar o fôlego, depois continuou no mesmo ritmo. - Naquela primeira noite,
quando você falava em ser um Corredor e todo aquele plong... que mértila, eu estava
morrendo de rir por dentro. Não parava de dizer para mim mesmo: o começo desse babaca
está sendo bastante duro. Bem, você mostrou que eu estava errado, né?
Mas Thomas não tinha vontade de alongar a conversa.
- Só fiz o que qualquer um teria feito. Não é culpa minha se Minho e Newt querem que eu
seja um Corredor.
- É, eu sei. Quanta modéstia...
Ser um Corredor era a última coisa em que Thomas estava pensando no momento. Só não
conseguia parar de pensar em Teresa, aquela voz dentro da sua cabeça, o que ela dissera.
- Acho que estou meio empolgado. - Thomas forçou um risinho, embora se encolhesse só
de pensar em passar o dia inteiro sozinho no Amansador antes de começar os treinos.
- Vamos ver como vai se sentir depois de correr até pôr os bofes para fora. De qualquer
maneira, fique sabendo que o velho Chuck aqui está orgulhoso de você.
Thomas sorriu ante o entusiasmo do amigo.
- Se ao menos você fosse a minha mãe - murmurou -, a vida seria um doce. "Minha mãe",
pensou. O mundo pareceu sombrio por um instante... Não era capaz de se lembrar nem da
própria mãe. Afastou na hora o pensamento, antes que o consumisse.
Eles foram direto para a cozinha, conseguiram um café da manhã rápido e ocuparam dois
lugares vagos na grande mesa interna. Todo Clareano que entrava ou saía não deixava de dar
uma olhada em Thomas; alguns se aproximaram para felicitá-lo. A não ser por uns poucos
olhares nada amistosos daqui e dali, a maioria das pessoas parecia estar do lado dele. Então
ele se lembrou de Gally.
- Ei, Chuck - indagou depois de dar uma garfada nos ovos mexidos, tentando parecer
distraído. - Chegaram a encontrar o Gally?
- Não. Já ia lhe contar... Alguém disse que o viu correr para dentro do Labirinto depois de
sair do Conclave. Não apareceu mais depois disso.
Thomas deixou cair o garfo, sem saber o que pensar ou esperar. De qualquer maneira, a
notícia o surpreendia.
- O quê? Está falando sério? Ele entrou no Labirinto?
- Pois é. Todo mundo acha que ele ficou doidão... Alguns trolhos até acusaram você de
matá-lo quando correu para lá ontem.
- Não posso acreditar... - Thomas olhou para o prato, tentando compreender por que Gally
faria aquilo.
- Não se preocupe com isso, cara. Ninguém gostava dele, a não ser os seus poucos
cupinchas de mértila. Eles são os únicos a acusar você.
Thomas não conseguia acreditar que Chuck pudesse comentar o assunto tão distraidamente.
- Meu, o cara deve estar morto. Você fica falando desse jeito, como se ele tivesse saído de
férias.
Chuck ficou pensativo por um momento.
- Não acho que esteja morto.
- Há? Então onde ele está? O Minho e eu não fomos os únicos a sobreviver a uma noite lá
fora?
- É o que estou dizendo. Acho que os colegas estão escondendo ele em algum lugar dentro
da Clareira. Gally era um idiota, mas não poderia ser tão estúpido a ponto de passar a noite no
Labirinto. Como você.
Thomas abanou a cabeça.
- Talvez seja exatamente por isso que ele ficou por lá. Queria provar que poderia fazer
tudo o que eu faço. O cara me odeia. - Fez uma pausa. - Me odiava.
- Bem, que seja. - Chuck deu de ombros como se estivessem discutindo sobre o que comer
no café da manhã. - Se estiver morto, vocês aí vão acabar encontrando-o. Se não estiver, uma
hora a fome vai fazer com que apareça para comer. Eu não tô nem aí.
Depois de comer, Thomas levou o prato até o balcão.
- Tudo o que eu quero é um dia normal... um dia para relaxar.
- Então vai ter o maldito desejo realizado - disse uma voz da porta da cozinha atrás dele.
Thomas virou-se para ver Newt lá, sorrindo. O sorriso dele produziu uma onda
tranquilizadora em Thomas, como se descobrisse que o mundo estava em ordem outra vez.
- Vamos indo para a gaiola, seu pássaro fujão - falou Newt. - Vai poder relaxar bastante
enquanto permanecer no Amansador. Venha. Chuck levará alguma coisa para você comer na
hora do almoço.
Thomas concordou e encaminhou-se para a porta, com Newt afastando-se para dar
passagem. De repente, um dia na prisão parecia excelente. Um dia para ficar apenas sentado e
relaxar.
No entanto, alguma coisa lhe disse que seria muito mais possível Gally levar-lhe flores do
que passar um dia na Clareira sem que nada de estranho acontecesse
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