Pouco antes da hora normal do fechamento das Portas, Caçarola preparou uma última
refeição com que passariam a noite. O humor que pairava sobre os Clareanos enquanto
comiam não podia ser mais sombrio ou impregnado de medo. Thomas estava sentado perto de
Chuck, pegando a comida com ar absorto.
- E aí... Thomas - o menino disse em meio a um enorme bocado de purê de batata. - No
nome de quem será que meu apelido foi baseado?
Thomas não pôde evitar de abanar a cabeça - ali estavam eles, prestes a embarcar na
tarefa mais perigosa das suas vidas, e Chuck estava curioso sobre quem tinha inspirado o seu
apelido.
- Sei lá, Charles Darwin, talvez. O cara que descobriu a evolução.
- Aposto que ninguém nunca chamou ele de cara antes. - Chuck serviu-se de outro grande
bocado e parecia pensar que aquele era o melhor momento para conversar, de boca cheia e
tudo. - Sabe, não estou nem um pouco com medo. Quer dizer, nas últimas noites, ficar sentado
na Sede, esperando pela chegada de um Verdugo para pegar um de nós, foi a pior coisa que
me aconteceu na vida. Pelo menos agora estamos fazendo alguma coisa em relação a eles,
tentando alguma coisa. E pelo menos...
- Pelo menos o quê? - indagou Thomas. Não acreditava nem por um segundo que Chuck
não estava com medo; era quase um sofrimento vê-lo tentando parecer corajoso.
- Bem, todo mundo está especulando que eles só podem matar um de nós. Talvez eu possa
parecer um babaca, mas isso me dá alguma esperança. Pelo menos a maioria de nós vai
conseguir se safar... só um pobre idiota vai morrer. É melhor do que todos nós.
Thomas sofria ao pensar que os garotos se apegavam àquela esperança de apenas um
morrer; quanto mais pensava nisso, menos acreditava que fosse verdade. Os Criadores sabiam
do plano - poderiam reprogramar os Verdugos. Mas mesmo uma falsa esperança era melhor
do que nenhuma.
- Quem sabe todos consigam. Desde que todo mundo lute.
Chuck parou de empanturrar-se por um segundo e olhou para Thomas atentamente.
- Você acha isso mesmo ou está só tentando me animar?
- Vamos conseguir. - Thomas comeu a última garfada, bebeu um grande gole de água.
Nunca se sentira tão mentiroso em toda a sua vida. Pessoas morreriam. Mas ele faria tudo o
que fosse possível para que Chuck não fosse uma delas. E Teresa. - Não se esqueça da minha
promessa. Ainda pode contar com ela.
Chuck franziu o cenho.
- Grande coisa... todo mundo fala que o mundo está uma grande mértila.
- Ei, pode ser que sim, mas vamos encontrar as pessoas que cuidarão de nós... Você vai
ver.
Chuck levantou-se.
- Bem, não quero pensar nisso - anunciou. - Só me tire do Labirinto e serei um cara feliz.
- Bom isso - Thomas concordou.
Uma agitação nas outras mesas chamou a atenção dele. Newt e Alby estavam reunindo os
Clareanos, dizendo a todos que era hora de partir. Alby parecia quase o mesmo, mas Thomas
ainda se preocupava com o estado mental do rapaz. No entender de Thomas, Newt era o chefe,
mas também podia ser imprevisível às vezes.
O frio de medo e pânico que Thomas sentira com tanta frequência nos últimos dias abateuse
sobre ele uma vez mais com toda força. Não havia como negar. Eles estavam partindo.
Tentando não pensar nisso, apenas agir, ele pegou a mochila. Chuck fez o mesmo, e eles se
dirigiram para a Porta Oeste, a que levava ao Penhasco.
Thomas encontrou Minho e Teresa conversando perto da lateral esquerda da Porta,
repassando os planos feitos às pressas para introduzir o código de fuga assim que passassem
pelo Buraco.
- E aí, seus trolhos, estão prontos? - indagou Minho quando se aproximaram. - Thomas,
isso foi tudo ideia sua, portanto é melhor que funcione. Senão, mato você antes que os
Verdugos possam fazer isso.
- Obrigado - falou Thomas. Mas não conseguiu se livrar da sensação de enjoo no
estômago. E se alguma coisa estivesse errada? E se as lembranças dele fossem falsas?
Plantadas nele de alguma forma? Esse pensamento o aterrorizou, e ele procurou afastá-lo. Não
tinha mais como voltar atrás.
Ele olhou para Teresa, que mudava de um pé para outro, esfregando as mãos.
- Tudo bem com você? - ele indagou.
- Estou ótima - respondeu ela com um sorrisinho, nitidamente nada ótima. - Só ansiosa em
acabar logo com isso.
- Amém, irmã - disse Minho. Ele pareceu o mais calmo a Thomas, o mais confiante, o que
sentia menos medo. Thomas o invejou.
Depois que Newt finalmente conseguiu reunir todo mundo e pediu silêncio, Thomas
voltou-se para ouvir o que ele tinha a dizer.
- Somos quarenta e um ao todo. - Ele colocou nos ombros a mochila que segurava e
levantou um grosso bastão de madeira com arame farpado enrolado na extremidade. A arma
parecia mortal. - Não se esqueçam das suas armas. Além disso, não tenho mais porcaria
nenhuma a dizer... todos foram informados do plano. Vamos abrir caminho lutando até o
Buraco dos Verdugos, o Tommy aqui vai digitar o seu código mágico e depois vamos dar o
troco aos Criadores. Muito simples.
Thomas mal ouviu o que Newt dizia, depois de ver Alby resmungando ao lado, longe do
grupo principal de Clareanos, sozinho. Alby segurava na corda do arco enquanto olhava para
o chão. Uma aljava com flechas pendia-lhe do ombro. Thomas sentiu uma maré crescente de
preocupação com a possibilidade de que Alby estivesse instável, de que viesse a estragar
tudo. Decidiu observá-lo atentamente se pudesse.
- Alguém quer dizer algumas palavras ou algo parecido? - perguntou Minho, afastando a
atenção de Thomas da direção de Alby.
- Vá em frente - replicou Newt.
Minho inclinou a cabeça e encarou o grupo.
- Tomem cuidado - disse secamente. - Não morram.
Thomas teria rido se pudesse, mas estava com medo demais para isso.
- Beleza. Estamos todos divinamente inspirados - respondeu Newt, depois apontou por
cima do ombro, na direção do Labirinto. - Todos conhecem o plano. Depois de dois anos
sendo tratados como camundongos, hoje à noite tomamos uma decisão. Hoje à noite vamos
reagir contra os Criadores, não importa o que precisemos fazer para chegar lá. Hoje à noite é
bom que os Verdugos se cuidem.
Alguém aplaudiu, e depois mais alguém. Em seguida gritos e clamores de batalha se
fizeram ouvir, aumentando de volume, enchendo o ar como uma trovoada. Thomas sentiu uma
gota de coragem dentro de si - agarrou-a como pôde, aferrou-se a ela, desejou ardentemente
que crescesse. Newt estava certo. Naquela noite eles lutariam. Naquela noite haviam tomado
uma decisão, de uma vez por todas.
Thomas estava pronto. Rugiu com os outros Clareanos. Sabia que deveriam estar em
silêncio, não chamando a atenção sobre si mesmos, mas não se preocupou. O jogo havia
começado.
Newt golpeou o ar com a sua arma e gritou:
- Ouçam isso, Criadores! Estamos chegando!
E depois disso, ele se voltou e correu para o Labirinto. Quase não dava para notar que ele
mancava. Para dentro do ar cinzento que parecia mais tenebroso do que na Clareira, cheio de
sombras e escuridão. Os Clareanos ao redor de Thomas, ainda aplaudindo, pegaram as suas
armas e correram atrás de Newt, até mesmo Alby. Thomas os seguiu, alinhando-se entre
Teresa e Chuck, segurando uma grande lança de madeira com uma faca amarrada na
extremidade. O sentimento repentino de responsabilidade pelos amigos quase o esmagava,
dificultando a corrida.
Mas ele seguiu em frente, determinado a vencer.
"Você é capaz disso", pensou. "É só passar por aquele Buraco."
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