domingo, 14 de junho de 2015

Capítulo 60


Thomas finalmente recolheu tudo de volta ao seu coração, sugando a maré dolorosa do seu
sofrimento. Na Clareira, Chuck tornara-se um símbolo para ele - um sinal de que de algum
modo eles poderiam consertar tudo outra vez no mundo. Dormir em camas. Receber um beijo
de boa noite. Ter um café da manhã decente, ir a uma escola de verdade. Ser felizes.
Mas agora Chuck se fora. E o seu corpo frouxo, ao qual Thomas ainda se prendia, parecia
um talismã frio - mostrando que não só aqueles sonhos de um futuro esperançoso nunca se
realizariam, mas que a vida de fato nunca fora daquele jeito. E que, mesmo em fuga, dias
sombrios ainda estavam por vir. Uma vida de infelicidade.
As lembranças que lhe ocorriam eram no melhor dos casos imprecisas. Mas poucas coisas
boas emergiam da lama.
Thomas recolheu a dor, guardou-a em algum lugar no fundo de si mesmo. Fez isso por
Teresa. Por Newt e por Minho. Por maiores que fossem as trevas que os esperavam, eles
permaneceriam juntos, e isso era tudo o que importava no momento.
Soltando Chuck, caiu para trás, tentando não olhar para a camisa do garoto, enegrecida de
sangue. Enxugou as lágrimas do rosto e esfregou os olhos, pensando que deveria estar
envergonhado por tudo aquilo. Mas não se sentia assim. Finalmente, olhou para cima. Olhou
para Teresa e para os seus enormes olhos azuis, carregados de tristeza - tanto por ele quanto
por Chuck, estava certo disso.
Ela inclinou-se, segurou a mão dele, ajudou-o a se levantar. Mesmo depois de estar de pé,
ela não o soltou, e ele tampouco afastou-se dela. Ele apertou a mão dela, tentou dizer o que
sentira agindo daquela maneira. Ninguém mais falou uma palavra, a maioria olhando para o
corpo inerte de Chuck, como se tivessem ido muito além do sentimento. Ninguém olhou para
Gally, que respirava mas continuava imóvel.
A mulher do CRUEL rompeu o silêncio.
- Todas as coisas acontecem segundo um propósito - disse ela, a voz desprovida de
qualquer sinal de malícia. - Vocês devem entender isso.
Thomas encarou-a, transmitindo com o olhar todo o seu ódio represado. Mas não fez nada.
Teresa pousou a outra mão sobre o seu braço, segurou o seu bíceps.
"E agora?", indagou ela.
"Sei lá", replicou ele. "Não posso..."
A sua frase foi bruscamente interrompida por uma repentina série de gritos e por uma
comoção do lado de fora da entrada pela qual a mulher viera. Ela parecia em pânico, o sangue
esvaído de sua face ao voltar-se para a porta. Thomas acompanhou-lhe o olhar.
Vários homens e mulheres trajando jeans encardidos e casacos suados irromperam pela
entrada com armas levantadas, gritando e vociferando palavras uns para os outros. Era
impossível entender o que diziam. As suas armas - algumas eram fuzis, outras pistolas -
pareciam... arcaicas, rústicas. Quase como brinquedos abandonados em uma floresta por anos,
recém-descobertos pela geração seguinte de garotos prontos para brincar de guerra.
Thomas observou chocado enquanto dois dos recém-chegados atiraram ao chão a mulher
do CRUEL. Então um deles deu um passo para trás, sacou a arma e apontou para ela.
"Não pode ser", pensou Thomas. "Não..."
Clarões iluminaram o ar quando vários disparos explodiram da arma, chocando-se contra
o corpo da mulher. Ela estava morta, um destroço ensanguentado.
Thomas deu vários passos para trás, quase tropeçando.
Um homem avançou para os Clareanos enquanto os outros integrantes do grupo
espalhavam-se ao redor deles, agitando as armas à direita e à esquerda enquanto atiravam nas
janelas de observação, esmigalhando-as. Thomas ouviu gritos, viu sangue, desviou o olhar,
concentrou-se no homem que se aproximara deles. Ele tinha cabelo escuro, o rosto jovem, mas
cheio de rugas ao redor dos olhos, como se tivesse passado cada dia da vida preocupando-se
em como conseguir chegar ao seguinte.
- Não temos tempo para explicar - falou o homem, a voz tão tensa quanto o rosto. - Apenas
sigam-me e corram como se a sua vida dependesse disso. Porque depende.
Depois disso o homem fez uns gestos para os companheiros, então virou-se e correu para
as grandes portas de vidro, a arma erguida rigidamente à frente. Disparos e gritos de agonia
ainda ressoaram na câmara, mas Thomas fez o máximo possível para ignorá-los e seguir as
instruções.
- Vão! - um dos seus resgatadores (esse era o único modo como Thomas conseguia pensar
neles) gritou de trás.
Depois de uma hesitação mínima, os Clareanos os acompanharam, quase se atropelando na
pressa de sair da câmara, procurando ir para o mais longe possível dos Verdugos e do
Labirinto. Thomas, a mão ainda apertando a de Teresa, correu com eles, reunindo-se à parte
de trás do grupo. Não tiveram escolha a não ser deixar o corpo de Chuck para trás.
Thomas não sentiu nenhuma emoção - estava completamente entorpecido. Desceu correndo
por um corredor comprido, que dava para um túnel mal iluminado. Subiu um lance de escada
em curva. Tudo estava escuro, cheirando a aparelhos eletrônicos. Seguiu por outro corredor.
Subiu mais uma escada. Mais corredores. Thomas queria sofrer por Chuck, alegrar-se por
Teresa estar lá com ele. Mas vira coisas demais. Restava apenas uma carência agora. Um
vazio. Continuou correndo.
Eles não pararam de correr, alguns dos homens e mulheres tomando a dianteira, outros
dando gritos de encorajamento por trás.
Chegaram a outro conjunto de portas de vidro e atravessaram-nas sob uma chuva
torrencial, que despencava de um céu negro. Não se via nada a não ser manchas difusas de
centelhas flamejantes em meio às cortinas de água.
O líder só parou de correr quando chegaram a um ônibus imenso, as laterais amassadas e
riscadas, a maior parte das janelas com rachaduras como teias de aranha. A chuva inundava
tudo, fazendo Thomas imaginar uma imensa criatura bestial emergindo do oceano.
- Entrem logo! - gritou o homem. - Depressa!
Eles obedeceram, aglomerando-se em um grupo compacto diante da porta enquanto
entravam, um por um. Aquilo parecia não acabar nunca, os Clareanos empurrando-se e
tropeçando nos três degraus em busca dos assentos.
Thomas ficou atrás dos demais, Teresa logo à sua frente. Ele olhou para o céu, sentiu a
água bater contra a sua face - a água era morna, quase quente, tinha uma espessura esquisita.
Estranhamente, esse contato o ajudou a sair do tormento, devolver-lhe a atenção. Talvez fosse
apenas por causa da ferocidade do dilúvio. Ele se concentrou no ônibus, em Teresa, na fuga.
Estavam quase na porta quando uma mão subitamente abateu-se sobre o seu ombro,
agarrando-lhe a camisa. Thomas gritou quando foi puxado para trás, o que arrancou a sua mão
da de Teresa - ele a viu voltar-se bem a tempo de vê-lo desabar no chão, espirrando água para
todos os lados. Uma dor intensa desceu pela sua espinha enquanto a cabeça de uma mulher
apareceu alguns centímetros acima do seu rosto, de cabeça para baixo, interpondo-se entre ele
e Teresa.
O cabelo ensebado da mulher caía escorrido, tocando Thomas, emoldurando uma face
oculta nas sombras. Um cheiro horrível encheu-lhe as narinas, como ovos e leite estragados. A
mulher recuou o bastante para que o facho da lanterna de alguém revelasse os seus traços -
uma pele clara, enrugada, coberta de feridas purulentas. Um terror autêntico tomou conta de
Thomas, imobilizando-o.
- Vamos nos salvar todos! - disse a mulher horrenda, cuspindo perdigotos de uma saliva
malcheirosa, que respingaram em Thomas. - Vamos nos salvar do Fulgor! - Ela deu uma
risada, não muito mais do que uma tosse rouca.
A mulher uivou quando um dos resgatadores agarrou-a com as duas mãos e arrancou-a de
cima de Thomas, que recobrou o espírito e levantou-se com dificuldade. Ele recuou até
Teresa, observando o homem arrastar a mulher para longe, enquanto ela se debatia
debilmente, os olhos sobre Thomas. Ela apontou para ele e gritou:
- Não acredite em uma palavra do que dizem! Vamos nos salvar do Fulgor, você aí!
Quando estava a vários metros do ônibus, o homem lançou a mulher ao chão.
- Fique longe ou vou matá-la a tiros! - gritou ele para ela; depois virou-se para Thomas. -
Entre no ônibus!
Thomas, trêmulo de terror diante do acontecido, virou-se e seguiu Teresa pelos degraus e
pelo corredor do ônibus. Olhos arregalados o observaram enquanto eles passavam por todos
até o banco de trás e afundavam-se no assento, grudados um no outro. Uma água negra lavava
as janelas do lado de fora. A chuva tamborilava no teto pesadamente; o trovão fazia tremer o
céu acima deles.
"O que foi aquilo?", indagou Teresa na mente dele.
Thomas não conseguiu responder, apenas balançou a cabeça. Os pensamentos a respeito
de Chuck o invadiram de novo, ocupando o lugar da mulher louca e escurecendo o seu
coração. Ele simplesmente não se importava, não sentia nenhum alívio em escapar do
Labirinto. Chuck...
Um dos resgatadores, uma mulher, sentou-se no banco do outro lado de Thomas e Teresa;
o líder que lhes falara anteriormente saltou para dentro do ônibus e tomou o assento à direção,
ligando o motor e engatando a marcha. O ônibus começou a avançar.
Assim que partiu, Thomas viu um súbito movimento do lado de fora da janela. A mulher
crivada de feridas conseguira se levantar, correndo para a frente do ônibus, agitando os
braços vivamente, gritando algo abafado pelos sons da tempestade. Seus olhos luziam de
loucura ou terror. Thomas não saberia dizer qual dos dois.
Ele aproximou-se do vidro da janela enquanto ela desaparecia da sua vista à frente.
- Esperem! - gritou Thomas, mas ninguém o ouviu. Se alguém ouviu, não se importou.
O motorista acelerou o motor - o ônibus sacolejou quando bateu no corpo da mulher. O
impacto quase atirou Thomas para fora do assento, quando as rodas da frente passaram sobre
ela, rapidamente seguidas por um segundo impacto - o das rodas de trás. Thomas olhou para
Teresa, vendo a expressão angustiada no seu rosto, que seguramente refletia a dele.
Sem uma palavra, o motorista manteve o pé embaixo e o ônibus avançou, mergulhando na
noite varrida pela chuva.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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