terça-feira, 11 de agosto de 2015

CAPÍTULO XVII


Aquela sexta-feira foi o último dia em que fez bom tempo, em todo
aquele mês. À noite, o tempo virou: o vento mudou de sul para nordeste,
trazendo primeiro a chuva e depois granizo e neve. No dia seguinte, mal se
podia acreditar que tinha havido três semanas de quase verão: as primaveras e
as flores de açafrão estavam escondidas sob a geada hibernai; as cotovias
tinham se calado, as folhas novas das árvores estavam enegrecidas — todo
aquele dia se arrastou, frio, triste, funéreo! Meu patrão não saiu do quarto; eu
me apossei da sala solitária e convertia-a numa creche: lá estava, sentada com
aquela bonequinha ao colo, ninando-a e vendo os flocos de neve formarem
uma cortina branca na vidraça, quando de repente a porta se abriu e alguém
entrou, ofegante e rindo! Durante um minuto, a minha indignação suplantou
o espanto. Pensei que fosse uma das criadas e gritei:
— Fora daqui! Como é que se atreve a entrar rindo desse jeito? Que
diria o Sr. Linton se a ouvisse?
— Desculpe! — respondeu uma voz conhecida. — Mas sei que Edgar
está de cama e não posso controlar-me.
Assim dizendo, a pessoa aproximou-se da lareira, ofegando e levando a
mão ao peito.
— Vim correndo desde o Morro até aqui! — continuou, após uma
pausa. — Sei lá quantos tombos levei! Estou toda dolorida. Não fiquei
assustada! Explico tudo assim que puder; mas agora faça-me o favor de sair e dar ordem ao cocheiro para me levar até Gimmerton, e dizer a uma criada
que apanhe algumas roupas no meu guarda-roupa.
A intrusa era a Sra. Heathcliff e não parecia estar em condições de rir:
os cabelos caíam-lhe pelos ombros, escorrendo neve e chuva; estava vestida à
sua maneira juvenil, mais adequada à idade do que à posição social: um traje
decotado, com mangas curtas, e nada a cobrir-lhe a cabeça ou o pescoço. O
vestido era de seda leve e, encharcado, grudava-se ao seu corpo; nos pés trazia
apenas uns sapatinhos finos, de usar em casa; acrescente-se a isso um corte
fundo debaixo de uma orelha, que só o frio impedia que sangrasse
profundamente, um rosto branco, todo arranhado e machucado, e um ar de
complexa exaustão, e o senhor bem poderá imaginar que o meu susto inicial
não diminuiu ao examiná-la melhor.
— Sinto muito — respondi —, mas não arredarei pé daqui, nem darei
qualquer ordem enquanto a senhora não tiver tirado todas essas coisas
empapadas e mudado de roupa. Por outro lado, a senhora não irá esta noite a
Gimmerton, de modo que é inútil mandar atrelar a carruagem.
— Irei, sim — retrucou ela —, nem que seja a pé. Mas não ponho
objeção a mudar de roupa. Veja como o sangue me escorre pelo pescoço! O
calor do fogo faz o corte arder.
Teimou em que eu cumprisse as suas ordens, antes de me deixar cuidar
dela; e foi só depois que o cocheiro começara a preparar a carruagem, e que
uma criada se pusera a meter numa valise algumas roupas, que ela me deu
licença para lhe tratar da ferida e ajudá-la a despir-se.
— Agora, Ellen — disse, assim que terminei e ela se sentou numa poltrona junto à lareira, saboreando uma xícara de chá —, sente-se perto de mim, mas sem o bebê de Catherine. Não quero vê-lo! Não pense que a morte de Catherine não me afetou só porque entrei rindo: chorei também, e
amargamente. . . sim, acho que tenho mais razões para chorar do que
ninguém. Separamo-nos brigadas, você se lembra, e nunca me perdoarei isso.
Mas, por outro lado, não ia mostrar a minha pena diante dele. . . daquele
bruto! Dê-me o atiçador! Esta é a última coisa dele que eu tenho. — Tirou a
aliança do dedo e jogou-a no chão.
— Vou esmagá-la! — continuou, batendo-lhe com o atiçador, numa
fúria infantil. — Depois vou jogá-la ao fogo!
— e atirou a aliança entortada para as brasas. — Se ele conseguir pegarme,
compra-me outra. Seria bem capaz de vir buscar-me, só para irritar
Edgar. É por isso que não quero ficar aqui, quem sabe o que passa por aquela
mente perversa? Além disso, Edgar não foi bom comigo. Não quero pedir-lhe
ajuda, nem trazer-lhe mais problemas. A necessidade levou-me a buscar
abrigo aqui, mas, se não soubesse que ele estava trancado no quarto, teria
entrado pela cozinha, lavado o rosto, me esquentado um pouco, pedido para
você me trazer o que eu queria e partido logo, para longe do alcance daquele
demônio maldito! Você precisava ver a fúria dele! Se me tivesse pegado! É
uma pena que Earnshaw não possa com ele em força: teria ficado lá, para vê-
lo arrasado, se Hindley fosse capaz de fazer isso.
— Não fale tão depressa! — interrompi. — Vai acabar fazendo cair o lenço que lhe amarrei em volta do rosto e o corte recomeçará a sangrar. Beba
o seu chá, acalme-se e pare de rir: o riso não se adequa a esta casa, nem à sua atual condição!

— Isso é verdade — replicou ela. — Escute só essa criança. . . sempre
chorando! Leve-a daqui só por uma hora; não vou ficar mais tempo.
Toquei a sineta e entreguei a pequenina a uma criada. Depois pergunteilhe
o que a levara a fugir do Morro dos Ventos Uivantes assim, daquela
maneira, e para onde pretendia ir, já que se recusava a ficar conosco.
— Deveria e quereria ficar — respondeu ela —, não só para confortar
Edgar e tomar conta do bebê, como porque a granja é que é o meu lar. Mas
repito-lhe que ele não me deixaria ficar aqui! Pensa que ele podia suportar
ver-me tranqüila e feliz, pensar que vivíamos em paz, sem querer logo
envenenar a nossa vida? Agora tenho a satisfação de estar convencida de que
ele me detesta, ao ponto de mal poder com a minha presença. Reparei que,
quando me aproximo dele, os seus músculos do rosto se contraem,
involuntariamente, numa expressão de ódio, em parte por saber que eu tenho
bons motivos para odiá-lo também, e em parte por aversão original. Essa
aversão é suficientemente forte para me garantir que ele não me perseguiria
através da Inglaterra, se eu conseguisse fugir, e é por isso que tenho de tentar.
Já não tenho vontade de que ele me mate; curei-me disso e agora preferiria
que ele se matasse a si mesmo! De tal maneira deu cabo do meu amor, que
me sinto livre. Contudo, ainda me lembro de como o amei; e posso imaginar
que talvez ainda o amasse, se . . . não, não! Mesmo que ele me tivesse amado,
a sua natureza diabólica teria acabado por se revelar. Catherine devia ter um
gosto horrivelmente pervertido, para amá-lo tanto, conhecendo-o tão bem.
Monstro! Oxalá ele desaparecesse do mundo e da minha memória!
— Não fale assim, ele é um ser humano — disse eu. — Tenha um pouco de caridade: há homens ainda piores do que ele!

— Ele não é um ser humano — retrucou ela — e não tem direito à
minha caridade. Dei-lhe o meu coração e ele o matou e depois o devolveu a
mim. As pessoas sentem com o coração, Ellen: uma vez que ele destruiu o
meu, não posso sentir nada por ele. . . e não sentiria, mesmo que ele gemesse
até o fim dos seus dias e chorasse lágrimas de sangue por Catherine! Não,
juro-lhe que nada sentiria! — Ao dizer isso, Isabella começou a chorar, mas
logo, enxugando as lágrimas, recomeçou: — Você me perguntou o que me
levou, finalmente, a fugir. Fui impelida a tentar a fuga porque consegui fazer
com que a fúria dele crescesse acima da sua malignidade. Puxar os nervos
com pinças em brasa requer mais frieza do que esmagar a cabeça da pessoa.
Ele foi provocado a ponto de esquecer a diabólica prudência de que tanto se
orgulhava e passar para a violência assassina. Senti prazer em ver que podia
exasperá-lo; o sentimento de prazer despertou o meu instinto de autodefesa, e
fugi; se alguma vez ele me pegar, com que fúria não tentará vingar-se!
"Ontem, como você sabe, o Sr. Earnshaw deveria ter assistido ao
funeral da irmã. Propositadamente, manteve-se sem beber. . . ou seja, sem
beber muito. Conseqüentemente, levantou-se num estado de terrível
depressão, sentou-se ao lado da lareira e começou a tomar cálices seguidos de
brandy e gim.
"Heathcliff. . . estremeço só de falar o nome dele! desde o último
domingo mal aparecia em casa. Não sei se eram os anjos que o alimentavam,
ou se os demônios, seus parentes; só sei que se passou quase uma semana
sem que ele se sentasse à mesa conosco. Regressava ao alvorecer e subia
direto para o quarto, trancando-se por dentro — como se alguém desejasse a sua companhia! Ficava lá, rezando como um metodista: só que a uma divindade curiosamente confundida com o seu demoníaco pai! Após essas
preciosas orações — que geralmente se prolongavam até ele ficar rouco —
voltava a sair, sempre diretamente para a granja! Não sei como Edgar não
mandou chamar um policial para expulsá-lo! Quanto a mim, embora sofrendo
por Catherine, não podia deixar de considerar aqueles dias de libertação como
umas férias benditas.
"Recobrei o ânimo a ponto de poder ouvir os eternos sermões de
Joseph sem chorar e de andar pela casa sem precisar esgueirar-me a medo
como antes. Você dirá que eu não devia chorar pelo que Joseph me falava,
mas é que ele e Hareton são detestáveis. Prefiro estar ao lado de Hindley e
ouvir a sua horrível conversa, a suportar a companhia do 'patrãozinho' e
daquele velho odioso, que lhe faz todas as vontades! Quando Heathcliff está
em casa, muitas vezes sou obrigada a ficar na cozinha, para não morrer de
fome naqueles quartos úmidos e desabitados; quando ele não está, como
nesta semana, instalo uma mesa e uma cadeira a um canto da lareira e não me
preocupo com o que o Sr. Earnshaw faça; ele tampouco interfere com as
minhas ocupações. Está mais sossegado agora do que antigamente, quando
ninguém o provoca: mais abatido e deprimido, menos furioso. Joseph afirma
que se operou uma modificação nele; que o Senhor lhe tocou o coração e que
ele está salvo 'das chamas do inferno'. Inclino-me a detectar sinais dessa
mudança. . . mas não é da minha conta.
"Ontem à noite fiquei sentada no meu cantinho, lendo alguns livros
velhos, até perto da meia-noite. Não tinha nenhuma vontade de subir, com a neve e o vento soprando lá fora e os meus pensamentos voltando-se continuamente para o cemitério e a sepultura recém-cavada! Mal ousava levantar os olhos da página à minha frente, pois logo me deparava com aquela
triste visão. Hindley sentava-se do outro lado da lareira, a cabeça na mão,
talvez pensando na mesma coisa. Tinha deixado de beber a um ponto para
além da irracionalidade e havia duas horas que não se mexia nem falava. Em
toda a casa não se ouvia senão o uivo do vento, que de vez em quando
sacudia as janelas, o débil crepitar das chamas e o clique das minhas espevitadeiras.
Hareton e Joseph já deviam estar dormindo. Sentia-me muito, muito
triste e, de quando em quando, deixava escapar um suspiro, pois me parecia
que toda a alegria desaparecera para sempre do mundo.
"Aquele fúnebre silêncio foi, finalmente, quebrado pelo som de alguém
querendo abrir a tranca da cozinha: era Heathcliff, que voltara mais cedo do
que de costume, suponho que devido à tempestade. A porta da cozinha estava
trancada e ouvimo-lo dar a volta para entrar pela outra. Levantei-me,
soltando, sem querer, uma expressão que bem traduzia o que eu sentia, o que
fez com que meu companheiro, até então olhando para a porta, se voltasse e
me encarasse.
" 'Vou deixá-lo fora cinco minutos', exclamou ele. 'Você não se
importa?'
" 'Não, por mim pode até deixá-lo fora a noite inteira', respondi. 'Isso
mesmo! Ponha a chave na fechadura e corra os ferrolhos.'
"Earnshaw fez isso antes que Heathcliff alcançasse a porta da frente;
depois trouxe a cadeira para junto da minha mesa, curvou-se sobre ela e
procurou nos meus olhos solidariedade com o ódio que brilhava nos dele:
como o seu aspecto e os seus sentimentos eram os de um assassino, não encontrou eco nos meus. . . mas descobriu o suficiente para encorajá-lo a falar.
" 'Eu e você', declarou, 'temos ambos uma grande dívida a acertar com
esse homem! Se não fôssemos covardes, poderíamos combinar uma maneira
de nos livrarmos dele. Será que você é tão mole quanto o seu irmão? Está
disposta a suportar até o fim, sem nunca tentar vingar-se?'
" 'Já estou farta de suportar', repliquei, 'e gostaria de uma vingança que
não recaísse sobre mim; mas a traição e a violência são facas de dois gumes:
ferem os que recorrem a elas por vezes mais fundo do que aos seus inimigos.'
" 'A traição e a violência são uma paga perfeita para a traição e a
violência!', gritou Hindley. 'Isabella, não lhe peço que faça nada; apenas que
fique quieta e calada. Será que você pode fazer isso? Tenho a certeza de que
você teria tanto prazer quanto eu em assistir ao fim da existência desse
demônio: ele será a sua morte, se você não fizer alguma coisa; e será a minha
ruína. Maldito seja o vilão! Bate na porta como se já fosse o dono da casa!
Prometa-me calar a boca e, antes de o relógio marcar uma hora. . . faltam três
minutos apenas. . . você será uma mulher livre!'
"Puxou do peito as armas que lhe descrevi na minha carta e teria
apagado a vela, se eu não a arrancasse dele e lhe agarrasse o braço.
" 'Não ficarei calada!', exclamei. 'E o senhor não tocará nele. Deixe a
porta fechada e fique quieto!'
" 'Não! Tomei uma decisão, e por Deus que a hei de cumprir!', gritou a
desesperada criatura. 'Vou prestar-lhe um favor, mesmo que você não queira,
e fazer justiça a Hareton! Não precisa preocupar-se comigo. Catherine morreu.
Não resta ninguém vivo para me chorar ou se envergonhar por minha causa, mesmo que eu resolva cortar o pescoço neste minuto — e chegou a
hora de pôr um fim a isto!'
"Eu podia ter lutado contra um urso ou argumentado com um lunático.
O único recurso que me restou foi correr para uma das gelosias e prevenir a
possível vítima do destino que a aguardava.
" 'É melhor você procurar abrigo noutro lugar esta noite!', falei, num
tom de voz triunfante. 'O Sr. Earnshaw tenciona matá-lo se você insistir em
tentar entrar.'
" 'Acho melhor você abrir a porta, sua. . .', respondeu ele, dirigindo-me
um nome que não pretendo repetir.
" 'Não tenho nada com o caso', retruquei. 'Entre, se quiser levar um
tiro! Já fiz o meu dever.'
"Assim dizendo, fechei a janela e voltei para o meu lugar junto à lareira;
o meu estoque de hipocrisia era insuficiente para fingir ansiedade pelo perigo
que o ameaçava. Earnshaw cobria-me de impropérios, afirmando que eu
ainda amava o nosso algoz e que era uma covarde. Enquanto isso, eu
secretamente pensava (e a consciência não me censurava) que bênção não
seria para ele se Heathcliff lhe acabasse com a vida miserável — e que bênção
não seria para mim se ele acabasse com Heathcliff! Enquanto eu alimentava
esses pensamentos, a vidraça atrás de mim foi estilhaçada por um pontapé de
Heathcliff e o seu rosto escuro assomou à janela. A abertura era demasiado
estreita para lhe deixar passar os ombros e eu sorri, exultante na minha
imaginária segurança. Ele tinha o cabelo e as roupas brancos de neve, e seus
dentes afiados, de canibal, expostos pelo frio e pela fúria, rebrilhavam na escuridão.

" 'Isabella, deixe-me entrar ou farei com que você se arrependa!',
grunhiu ele, para usar uma expressão de Joseph.
" 'Não posso cometer um assassinato', respondi. 'Hindley está a postos,
com uma faca e uma pistola carregada.'
" 'Deixe-me entrar pela porta da cozinha', replicou ele.
" 'Hindley chegará à porta antes de mim', falei. 'Mas não entendo que
amor é o seu, que não pode suportar uma tempestade de neve! Dormimos
tranqüilamente enquanto brilhou a lua de verão, mas, mal o inverno ameaça,
você tem de correr para casa, à procura de abrigo! Heathcliff, se eu fosse
você, iria estender-me sobre o túmulo dela e morreria como um cão fiel. Sem
dúvida já não vale a pena viver no mundo, não é? Você tinha me convencido
de que Catherine era toda a sua alegria na vida: não posso imaginar como é
que pode pensar em sobreviver a ela.'
" 'Ele está aí, não está?', perguntou o meu companheiro, correndo para
a abertura. 'Se conseguir passar o braço, poderei acertar nele!'
"Receio, Ellen, que me considere má, mas você não sabe de tudo. Por
isso, não me julgue. Por nada deste mundo eu teria favorecido uma tentativa
de morte, mesmo que fosse contra a vida dele. Mas desejava que ele morresse
e fiquei terrivelmente desapontada e apavorada com as conseqüências que
poderiam resultar das minhas palavras, quando o vi jogar-se sobre a arma de
Earnshaw e arrancá-la dele.
"A carga explodiu e a faca cravou-se no pulso do seu proprietário.
Heathcliff puxou-a violentamente, rasgando-lhe a carne, e jogou-a, pingando
sangue, no bolso. Depois pegou numa pedra, arrebentou o resto da vidraça e
entrou. O seu adversário caíra, sem sentidos, pela dor e pela perda de sangue, que jorrava de uma artéria. O monstro atacou-o a pontapés e bateu-lhe com a
cabeça repetidas vezes nas lajes do chão, enquanto me segurava com uma
mão, para evitar que eu fosse chamar Joseph. Um autocontrole para além do
humano fez com que se abstivesse de dar cabo de Earnshaw: ofegante,
arrastou o corpo, aparentemente inanimado, para o sofá, onde rasgou a
manga do casaco do inimigo e vendou a ferida com brutalidade, cuspindo e
praguejando com tanta fúria quanto a que mostrara ao chutá-lo. Vendo-me em liberdade, não perdi tempo e fui procurar o velho criado, o qual, tendo
percebido gradualmente o que eu lhe dizia, desceu correndo de dois em dois degraus.
" 'Que é que a gente vai fazer agora? Que é que a gente pode fazer?'
" 'Só isto', trovejou Heathcliff. 'Convencer-se de que o seu patrão está
louco; se ele durar mais um mês, vou interná-lo num hospício. E como diabos
você se lembrou de me trancar a porta, hein, seu cachorro desdentado? Não
fique aí, resmungando não sei o quê. Venha, eu não vou tratar dele. Limpe
aquela sujeira e cuidado com as fagulhas da sua vela. . . ele está cheio de
brandy!'
" 'E você aproveitou para matar ele?', exclamou Joseph, erguendo as
mãos e os olhos, horrorizado. 'Se alguma vez eu pensei ver uma coisa dessas!
Queira Deus. . .'
"Heathcliff empurrou-o, fazendo com que ele caísse de joelhos no meio
do sangue, e jogou-lhe uma toalha; mas, em vez de começar a limpeza, Joseph
juntou as mãos e começou a rezar, provocando o meu riso com a estranha
fraseologia da oração. A minha condição de espírito era tal que já nada me chocava: estava tão indiferente quanto certos criminosos ao pé da forca.

" 'Ora, já me esquecia de você!', exclamou o tirano. 'Você é que vai
limpar isso. Abaixe-se. Conspirava com ele contra mim, não é, víbora? Muito
bem, esse é mesmo um trabalho adequado!'
"Sacudiu-me até os meus dentes se entrechocarem e depois empurroume
para junto de Joseph, que concluiu as suas orações e se levantou,
prometendo sair correndo para a granja. Afinal de contas, o Sr. Linton era juiz
e, mesmo que cinqüenta esposas lhe tivessem morrido, não deixaria de
proceder a um inquérito. Tão resolvido estava Joseph, que Heathcliff achou
conveniente obrigar-me a recapitular o que tinha acontecido, de pé diante de
mim e arquejante de maldade, enquanto eu relutantemente contava o que
acontecera, em resposta às suas perguntas. Foi preciso muito trabalho para
convencer o velho de que Heathcliff não fora o agressor, principalmente
devido às minhas respostas puxadas a saca-rolhas. Contudo, o Sr. Earnshaw
depressa o convenceu de que ainda estava vivo; Joseph correu a dar-lhe uma
dose de licor e, com essa ajuda, o patrão recuperou consciência e movimento.
Percebendo que ele ignorava o tratamento que recebera enquanto sem
sentidos, Heathcliff chamou-o de bêbedo perdido e disse que não repararia na
sua horrível conduta, mas que seria bem melhor se ele fosse para a cama. Para
minha alegria, ele próprio nos deixou, após tão judicioso conselho, e Hindley
estendeu-se nas lajes da lareira. Quanto a mim, fui para o meu quarto,
maravilhada de ter escapado tão facilmente.
"Esta manhã, quando desci, cerca das onze e meia, o Sr. Earnshaw
estava sentado diante do fogo, completamente aniquilado, e o seu adversário,
quase tão pálido quanto ele, apoiava-se contra a lareira. Nenhum deles parecia
ter vontade de almoçar e, após ter esperado até ficar tudo frio, comecei a comer sozinha. Nada me tirava o apetite e experimentava uma certa sensação de satisfação e superioridade, quando, a intervalos, olhava para os meus
silenciosos companheiros e sentia o conforto de uma consciência tranqüila.
Assim que terminei, tomei a rara liberdade de aproximar-me do fogo, dando a
volta à cadeira de Earnshaw e ajoelhando-me no canto, ao lado dele.
"Heathcliff não olhou para mim e pude contemplar as suas feições tão
livremente como se se houvessem transformado em pedra. A sua testa, que
outrora me parecera tão varonil e que agora me parece diabólica, estava
sombreada por pesada nuvem; seus olhos de basilisco estavam quase vidrados
pela insônia e, talvez, pelo choro, pois reparei que os cílios estavam úmidos;
os lábios, livres da sua expressão feroz, estavam selados numa máscara de
indizível tristeza. Fosse ele outro e eu teria tapado o rosto diante de uma tal
dor. No caso dele, porém, sentia-me satisfeita; e, por mais ignóbil que pareça
insultar um inimigo caído, não podia perder aquela oportunidade de
apunhalá-lo: sua fraqueza proporcionava-me a única chance de poder
saborear uma vingança."
— Que horror! — interrompi. — Quem a ouvir pensará que nunca
abriu uma Bíblia em toda a sua vida! O fato de Deus castigar os seus inimigos
mais do que lhe deve bastar. É presunção e maldade querer aumentar-lhes a
tortura!
— De modo geral, concordo com você, Ellen — continuou ela. — Mas
que sofrimento imposto a Heathcliff me pode bastar, se eu não tiver parte
ativa nele? Preferia que ele sofresse menos, se eu pudesse causar os seus sofrimentos
e ele pudesse saber que era eu a causadora. Oh, devo-lhe tanto! Sob
uma condição apenas posso esperar perdoá-lo: pagando-lhe olho por olho, dente por dente. . . reduzi-lo ao meu nível. Como foi ele o primeiro a infligir
sofrimento, fazê-lo ser o primeiro a implorar perdão; nesse caso. . . sim, nesse
caso, Ellen, eu poderia mostrar generosidade. Mas é completamente
impossível que eu me possa vingar, e por conseguinte não o posso perdoar.
Hindley pediu-me água. Dei-lhe um copo e perguntei-lhe como estava.
" 'Não tão mal como desejava', respondeu. 'Mas, à parte o braço, estou
todo tão dolorido como se tivesse lutado contra uma legião de demônios!'
" 'Sim, não admira', foi o meu comentário. 'Catherine costumava gabarse
de lhe servir de escudo; queria dizer com isso que certas pessoas só não o
atacavam por medo de feri-la. Ainda bem que os mortos não se levantam das
sepulturas, ou ontem à noite ela teria testemunhado uma cena repulsiva! O
senhor não está todo machucado no peito e nos ombros?'
" 'Não posso dizer', respondeu ele. 'Mas por que é que você pergunta?
Ele ousou atacar-me quando eu perdi os sentidos?'
" 'Pisoteou-o e chutou-o e bateu-lhe com a cabeça no chão', sussurrei.
'Ansiava por dilacerá-lo, qual uma fera, com os dentes. . . porque ele é apenas
semi-humano, não mais do que isso.'
"O Sr. Earnshaw olhou, como eu, para a cara do nosso inimigo comum,
o qual, absorto no seu sofrimento, parecia nada perceber à sua volta. Os seus
pensamentos revelavam-se cada vez mais claramente no seu rosto.
" 'Oh, se Deus me desse forças para estrangulá-lo, eu iria para o inferno
cantando de alegria', gemeu Earnshaw, tentando levantar-se e voltando a cair
para trás, desesperado e convencido de não estar em condições de lutar.
" 'Não, já basta ele ter matado um dos dois', comentei em voz alta. 'Na granja todo o mundo sabe que sua irmã ainda estaria viva se não fosse por

Heathcliff. Afinal de contas, é preferível ser odiada a ser amada por ele.
Quando me lembro de como éramos felizes — de como Catherine era feliz
antes que ele voltasse — sinto vontade de amaldiçoar aquele dia!'
"Aparentemente, Heathcliff reparou mais na verdade do que era dito do
que no estado de espírito de quem o dizia. Sua atenção foi despertada, bem o
vi, pois dos seus olhos choveram lágrimas por sobre as cinzas e do seu peito
saíram suspiros sufocantes. Olhei firme para ele e ri, com desprezo. As
sombrias janelas do inferno abriram-se momentaneamente sobre mim — mas
o diabo que geralmente se debruçava a elas estava tão diminuído, que não
temi rir de novo.
" 'Levante-se e saia da minha vista', ordenou ele.
"Pelo menos acho que foi o que ele disse, pois a sua voz era quase
ininteligível.
" 'Perdão', repliquei, 'mas eu também amava Catherine; e o irmão dela
precisa de atendimento, o que, em sua memória, lhe darei. Agora que ela
morreu, vejo-a em Hindley: ele tem os mesmos olhos dela, ou teria, se você
não tivesse tentado arrancá-los e feito com que eles ficassem pretos e
vermelhos; e os mesmos. . .'
" 'Saia da minha vista, desgraçada, antes que eu dê cabo de você!', gritou
ele, fazendo um movimento que me levou a recuar.
" 'Mas', continuei, preparando-me para fugir se fosse necessário, 'se a
pobre Catherine tivesse confiado em você e assumido o ridículo, desprezível,
degradante título de Sra. Heathcliff, não teria demorado a apresentar um quadro semelhante! Ela não teria suportado em silêncio o seu abominável comportamento: a sua repulsa e o seu ódio ter-se-iam manifestado abertamente.'
"As costas do sofá e a pessoa de Earnshaw colocavam-se entre nós; por
isso, em vez de tentar agarrar-me, ele pegou numa faca que estava em cima da
mesa e jogou-a na direção da minha cabeça. Acertou-me atrás da orelha e fez
com que eu deixasse em meio o que estava dizendo; mas arranquei a faca,
pulei para a porta e atirei-lhe outra, esperando acertar com mais força. O
último relance que tive dele foi vê-lo correndo para mim, furioso e sendo
interceptado por Hindley, caindo os dois junto da lareira. Ao atravessar,
fugindo, a cozinha, disse a Joseph que socorresse o patrão, derrubei Hareton,
que estava enforcando uma ninhada de cachorrinhos nas costas de uma
cadeira, e, feliz como uma alma que escapasse do purgatório, corri, aos saltos,
pela estrada íngreme, rolando pelas margens até o pântano, que vadeei
precipitadamente, guiada pelas luzes da granja. Mas juro que preferia ser
condenada às chamas eternas a permanecer, mesmo que só mais uma noite,
no Morro dos Ventos Uivantes."
Isabella acabou de falar e tomou o seu chá; depois levantou-se e,
pedindo-me que a ajudasse a pôr o chapéu e um grande xale que lhe tinha ido
buscar, e fazendo ouvidos surdos às minhas súplicas de que ficasse pelo
menos mais uma hora, subiu a uma cadeira, beijou os retratos de Edgar e
Catherine, abraçou-me e desceu para a carruagem, seguida de Fanny, que latia
de alegria ao rever a dona. Foi-se embora e nunca mais voltou; mas, quando
as coisas ficaram mais assentes, ela começou a manter correspondência regular com o meu patrão. Creio que fixou residência no sul, perto de

Londres, e lá teve um filho, alguns meses depois. Deu-lhe o nome de Linton
e, desde o princípio, escreveu dizendo que era uma criança fraca e caprichosa.
Encontrando-me um dia na vila, o Sr. Heathcliff perguntou-me onde
ela morava. Recusei-me a dizer-lhe e ele observou que não lhe interessava,
mas que ela tivesse o cuidado de não voltar para a casa do irmão. Apesar da
minha negativa em informá-lo, ele descobriu, através de algum dos outros
criados, o endereço dela e a existência da criança. Entretanto não a
incomodou — fato pelo qual, creio, ela poderia dar graças à aversão que ele
lhe tinha. Perguntava freqüentemente pela criança quando me via; e, ao saberlhe
o nome, sorriu amargamente e comentou:
— Querem que eu também o deteste, não é?
— Acho que querem é que o senhor não saiba da existência dele —
respondi.
— Mas eu hei de tê-lo — retrucou ele — quando quiser. Podem ter a
certeza disso!
Felizmente, a mãe morreu antes que isso acontecesse: cerca de treze
anos após a morte de Catherine, quando Linton tinha aproximadamente doze
anos.
No dia seguinte à inesperada visita de Isabella, não tive oportunidade de
falar com o meu patrão: ele evitava conversar e não estava em condições de
ouvir coisas sérias. Quando, finalmente, lhe dei a notícia, vi que se alegrava
por ter a irmã deixado o marido, a quem abominava com uma intensidade que
a mansidão do seu temperamento não fazia suspeitar. Tão profunda era a sua
aversão, que deixou de ir aonde pudesse ver ou ouvir falar de Heathcliff. A dor e essa aversão transformaram-no num completo eremita: deixou o cargo de magistrado, cessou mesmo de ir à igreja, evitava ir ao povoado e passava a
vida dentro dos limites do parque e das suas terras —- reclusão essa apenas
cortada por passeios solitários pela charneca e visitas à sepultura da esposa,
principalmente à tardinha ou de manhã bem cedo, quando era mais difícil
encontrar alguém. Mas ele era bom demais para sentir-se infeliz por muito
tempo. Não rezava para que a alma de Catherine o assombrasse. O tempo
trouxe-lhe resignação e uma melancolia mais doce do que a alegria comum.
Recordava-a com um amor terno e ardente, esperando revê-la no paraíso,
onde não duvidava de que ela estivesse.
Tinha também consolo e afeto terrenos. Nos primeiros tempos,
conforme já disse, não parecia sequer reparar na débil criaturinha que a
falecida lhe deixara; mas essa indiferença derreteu-se mais depressa do que a
neve de abril e, antes que a pequenina pudesse balbuciar uma palavra ou dar
um passo, já reinava como déspota no coração paterno. Fora batizada como
Catherine, mas ele nunca a chamava pelo nome inteiro, da mesma forma que
nunca chamara a esposa pelo diminutivo, provavelmente porque Heathcliff
tivesse o hábito de a tratar assim. A menina era sempre Cathy: distinguia-a da
mãe, ao mesmo tempo que a ligava a ela; e a dedicação do pai tinha também
raízes na saudade e no amor pela defunta.
Eu costumava estabelecer uma comparação entre ele e Hindley
Earnshaw, não conseguindo explicar satisfatoriamente por que razão a
conduta de ambos era tão oposta, apesar das circunstâncias semelhantes.
Ambos tinham sido maridos apaixonados e eram ambos muito devotados aos
filhos, de modo que eu não podia entender por que motivo não tinham
seguido o mesmo caminho, fosse o bom ou o mau. Hindley, aparentemente o mais forte, provara tristemente ser o mais fraco. Quando o seu navio
começara a afundar, o comandante abandonara o posto; e a tripulação, em
vez de tentar salvar o barco, abandonara-se ao pânico e à confusão, pondo
tudo a perder. Linton, ao contrário, mostrara a verdadeira coragem de uma
,alma leal e fiel: confiara em Deus e Deus o confortara. Um tivera esperança,
o outro desesperara; cada qual tinha escolhido a sua sorte, a sorte que
nortearia as suas vidas. Mas o senhor não precisa dos meus comentários, Sr.
Lockwood; é capaz de julgar tão bem quanto eu ou, pelo menos, à sua maneira,
o que vem a dar no mesmo. O fim de Earnshaw foi o que era de esperar:
demorou pouco mais de seis meses a acompanhar a irmã. Nós, na granja,
nunca soubemos bem o que aconteceu antes; eu, por exemplo, só soube que
ele falecera quando o Dr. Kenneth foi dar a notícia ao meu patrão.
— Bem, Nelly — disse ele, ao entrar no pátio urna manhã bem cedo,
tão cedo que logo tive o pressentimento de más novas —, agora é a nossa vez
de pormos luto. Quem você acha que acaba de nos deixar?
— Quem? — perguntei, alarmada.
— Adivinhe! — volveu ele, desmontando. — E pegue o lenço, tenho
certeza de que vai precisar dele.
— Não foi o Sr. Heathcliff, foi? — exclamei.
— O quê! Você choraria por ele? — perguntou o médico. — Não,
Heathcliff é um jovem rijo. Acabo de estar com ele e está com ótimo aspecto.
Recuperou-se rapidamente desde a morte da amada.
— Quem foi, então? — perguntei, impaciente.
— Hindley Earnshaw! Seu velho amigo Hindley e meu companheiro de
conversas. . . embora há muito não conversássemos. Pronto, logo vi que você
240
ia chorar! Mas console-se, ele morreu como queria: bêbedo perdido. Pobre
rapaz! Também sinto. Não se pode deixar de sentir a falta de um velho
companheiro, embora ele tivesse um caráter difícil e me tenha feito muitas.
Parece que só tinha vinte e sete anos. . . a sua idade. Quem diria que vocês
nasceram no mesmo ano?
Confesso que esse golpe foi para mim maior do que o choque causado
pela morte de Catherine Linton: velhas recordações me ligavam a ele. Senteime
na varanda e chorei como se ele fosse meu parente, desejando que o Dr.
Kenneth chamasse outra empregada para levá-lo ao patrão. Não podia evitar
perguntar-me: "Será que ele teve assistência?" Por mais que fizesse, aquele
pensamento não me largava; a tal ponto, que resolvi pedir licença para ir ao
Morro, ajudar no funeral. O Sr. Linton não queria consentir, mas fiz-lhe ver,
eloqüentemente, a situação do morto, desamparado de amigos, e que o meu
antigo amo e irmão de criação tinha direito aos meus serviços. Além do mais,
recordei-lhe que o pequeno Hareton era sobrinho da sua falecida esposa, e na
ausência de outros parentes, ele deveria agir como seu guardião, tratando de
saber como ficava a propriedade e tomando a si os interesses do cunhado. O
Sr. Linton não estava em condições de tomar a seu cargo esses assuntos, mas
pediu-me que falasse com o seu advogado e, finalmente, deixou-me ir. O
advogado dele fora-o também de Earnshaw; passei pelo povoado e pedi-lhe
que me acompanhasse. Ele abanou a cabeça, aconselhando-me a deixar
Heathcliff em paz, porque, se a verdade viesse à tona, Hareton ficaria reduzido a pouco mais que um mendigo.

— O pai morreu cheio de dívidas — disse ele. — A propriedade está
hipotecada e a única chance do seu herdeiro natural é fazer com que o seu
credor se interesse por ele.
Quando cheguei ao Morro, expliquei que viera ver se tudo estava sendo
feito adequadamente. Joseph, que parecia bastante comovido, mostrou-se
satisfeito com a minha presença. O Sr. Heathcliff disse que não entendia por
que razão eu tinha ido, mas que podia ficar e cuidar do funeral como eu
quisesse.
— O correto — observou — seria enterrar o corpo desse idiota numa
encruzilhada, sem cerimônia de qualquer espécie. Saí dez minutos ontem à
tarde, e nesse intervalo ele trancou as portas da casa para eu não entrar e
passou a noite bebendo até morrer! Esta manhã arrombamos as portas, pois o
ouvimos resfolegar como um cavalo; e lá estava ele, caído sobre o sofá; nem
uma bomba o acordaria. Mandei chamar Kenneth e ele veio, mas só quando a
besta já se tinha transformado em cadáver. . . você há de convir que não valia
a pena preocupar-se mais com ele!
O velho criado confirmou essas declarações, mas resmungou:
— Ele que devia ter ido buscar o médico! Eu tomava melhor conta do
patrão do que ele. E não estava morto quando eu saí, nada disso!
Fiz questão de que o funeral fosse respeitável. O Sr. Heathcliff disse-me
que podia fazer as coisas como eu quisesse, lembrando-me apenas que o
dinheiro saía do seu bolso. Sua atitude era dura e indiferente, não revelando
alegria ou tristeza; antes alívio, como se lhe tivessem tirado um fardo de cima.
Uma vez, apenas, observei algo como exultação no seu aspecto: foi quando
levaram o caixão. Teve a hipocrisia de acompanhar o cortejo fúnebre; mas antes de seguir, com Hareton, levantou a infeliz criança para cima da mesa e
murmurou, com voz triunfante: — Agora, meu rapazinho, você é meu! E
veremos se uma árvore não cresce tão torta quanto a outra, com o mesmo
vento a torcê-la! — A inocente criança ficou satisfeita ao ouvi-lo falar assim:
brincou com os bigodes de Heathcliff e acariciou-lhe o rosto; mas eu
adivinhei o significado daquelas palavras e comentei, desafiante: — O garoto
tem de voltar comigo para a granja. Não há nada neste mundo que seja menos
seu do que ele!
— É isso o que Linton diz? — perguntou ele.
— Claro. . . ordenou-me que o levasse comigo — respondi.
— Bem — falou ele —, não vamos discutir o assunto agora, mas tenho
vontade de criar um rapaz, de modo que diga ao seu patrão que, se quiser
levar este, terei de substituí-lo com o meu próprio garoto. Não me importo
com que Hareton se vá, mas farei com que o outro venha! Não se esqueça de
lhe dizer isso.
A ameaça foi suficiente para nos atar as mãos. Repeti as palavras de
Heathcliff e Edgar Linton não falou mais em interferir.
O antigo hóspede era agora o dono do Morro dos Ventos Uivantes:
conseguiu provar ao advogado — o qual, por sua vez, o provou ao Sr. Linton
— que Earnshaw tinha hipotecado todas as terras que possuía, a fim de obter
dinheiro para sustentar o seu vício do jogo — e que ele, Heathcliff, era o
credor. Dessa maneira, Hareton, que deveria agora ser o homem mais rico
destas redondezas, foi reduzido a um estado de completa dependência pelo
inveterado inimigo de seu pai e mora na sua própria casa como se fosse um criado, ainda por cima sem receber pagamento e incapaz de se fazer justiça
por não ter amigos e ignorar que foi lesado.
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário

Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

Total de visualizações

Seguidores

Livros populares

Search