quinta-feira, 13 de agosto de 2015

CAPÍTULO XXVI


O verão já estava adiantado quando Edgar relutantemente cedeu e eu e Catherine partimos a cavalo ao encontro do primo. Era um dia quente e abafado; não havia sol, mas o céu estava demasiado branco e nebuloso para ameaçar chuva. Tínhamos marcado encontro junto ao marco, na
encruzilhada. Lá chegando, porém, um pastorzinho, enviado como
mensageiro, anunciou-nos:
— O Sr. Linton está do lado do Morro e pede para avisá-los de que têm
de andar um pouco mais.
— Então ele esqueceu a primeira condição que o tio impôs — observei.
— Mandou-nos ficar dentro dos limites da granja e não vamos transgredi-los.
— Ora, podemos virar as cabeças dos nossos cavalos, quando
chegarmos ao lugar onde ele está — retrucou Cathy. — Assim, ficaremos
voltados para casa.
Mas, ao chegarmos junto dele, a menos de um quarto de milha do
Morro, vimos que não trouxera cavalo e fomos obrigadas a desmontar,
deixando os nossos animais a pastar. Ele jazia sobre as urzes, à nossa espera, e
só se levantou quando chegamos a poucos metros de distância. Encaminhouse
para nós de maneira tão cambaleante e com ar tão pálido, que logo
exclamei:
— Oh, Sr. Heathcliff, está com um aspecto tão mau! Não me parece que esteja bom para dar um passeio a pé.
Catherine olhou para ele com um misto de dor e espanto; mudou a
exclamação de alegria já em seus lábios para outra, de alarma, e as
congratulações pelo encontro de ambos para uma pergunta aflita sobre a
saúde dele — acaso estava pior do que de hábito?
— Não, melhor. . . muito melhor! — arquejou ele, tremendo e
segurando a mão dela como se necessitasse de apoio, enquanto os seus
grandes olhos azuis erravam timidamente; as olheiras que os cercavam
transformavam em abatimento a lânguida expressão que antes possuíam.
— Mas você está pior — persistiu a prima. — Pior do que da última
vez que o vi; está mais magro e. . .
— Estou cansado — interrompeu ele, apressado. — Faz demasiado
calor para andar, vamos ficar aqui mesmo. E, de manhã, às vezes sinto-me
tonto. Papai diz que estou crescendo. . . muito rápido.
Mal satisfeita, Cathy sentou-se e ele se deitou ao lado
dela.
— Isto até parece o seu paraíso — comentou ela, esforçando-se por
criar um ambiente de animação. — Lembra-se dos dois dias que combinamos
passar num lugar e da maneira que cada qual achasse mais agradável? Sem
dúvida aqui tem você o seu, com a exceção apenas de que há nuvens; mas são
tão macias, que está quase melhor do que se houvesse sol. Na semana que
vem, se você puder, iremos a cavalo até o parque da granja, experimentar o
meu paraíso.
Linton não parecia lembrar-se do que ela estava falando e tinha,
evidentemente, grande dificuldade em sustentar qualquer espécie de conversa.
Sua falta de interesse pelos assuntos que ela começava e a sua incapacidade de
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contribuir com qualquer outro assunto eram tão óbvias, que Cathy não
conseguiu esconder o seu desapontamento. Uma indefinida alteração se
processara na pessoa e na atitude dele. O seu ar caprichoso e mimado dera
lugar à indiferença e à apatia; havia nele menos das artimanhas de uma criança
que se queixa e provoca os outros para lhes atrair propositadamente a
atenção, e mais do obstinado egocentrismo de um doente pronto a repelir
qualquer consolo e a considerar o bom humor dos outros como um insulto.
Catherine apercebeu-se, tanto quanto eu, de que a nossa companhia era para
ele mais um castigo do que uma satisfação e não teve escrúpulos em propor
que nos fôssemos. Essa proposta, inesperadamente, despertou Linton da sua
letargia, pondo-o num estado de estranha agitação. Olhou, apavorado, na
direção do Morro, suplicando-lhe que ficasse pelo menos outra meia hora.
— Mas eu acho — retrucou Cathy — que você estaria melhor em casa
do que sentado no chão, aqui; e estou vendo que não o posso distrair, hoje,
com as minhas histórias, as minhas canções e a minha conversa: você se
tornou mais adulto do que eu, nestes seis meses. . . Pouco lhe interessa o que
eu digo. Se eu visse que estava interessado ficaria de bom grado.
— Fique para descansar um pouco — replicou ele. — E, Catherine,
não pense ou diga que eu estou muito mal: é este tempo abafado, este calor,
que me fazem assim; e, antes de você chegar, andei demais para o meu hábito.
Diga ao meu tio que estou passando razoavelmente, está bem?
— Vou lhe dizer que você acha que está, Linton. Não poderia afirmar
que isso é verdade — observou a minha jovem ama, espantada com a
insistência dele em algo que se via não ser verdade.
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— E volte na próxima quinta-feira — continuou ele, evitando o olhar
dela. — Agradeça-lhe por ter permitido que você viesse. . . agradeça-lhe da
minha parte, Catherine. E. . . e se por acaso encontrar o meu pai e ele lhe
perguntar a meu respeito, não lhe diga que estive tão calado; não fique com
esse ar triste e desanimado. . . ele ficará furioso.
— Não me importa nada que ele fique furioso! — exclamou Catherine,
imaginando ser ela mesma a vítima dessa fúria.
— Mas a mim importa — retrucou o primo, estremecendo. — Não o
irrite contra mim, Catherine. Você não sabe como ele é.
— Por acaso o maltrata, Sr. Heathcliff? — perguntei. — Ter-se-á
cansado de ser indulgente e seu ódio terá passado de passivo a ativo?
Linton olhou para mim, mas não respondeu; e, após ter ficado sentada
ao lado do primo mais dez minutos, durante os quais ele deixou pender a
cabeça sobre o peito e só fez soltar gemidos mal contidos de dor e exaustão,
Cathy levantou-se e começou a procurar amoras, dividindo-as comigo; não
lhe ofereceu nenhuma, pois viu que só faria aborrecê-lo e cansá-lo.
— Já terá passado meia hora, Ellen? — cochichou ela no meu ouvido,
por fim. — Não sei por que nos pediu que ficássemos. Adormeceu e papai já
deve estar à nossa espera.
— Bem, não devemos deixá-lo dormindo — respondi. — Espere até
que ele acorde, tenha paciência. Você estava muito ansiosa por vir, mas
parece que o seu desejo de ver o seu pobre primo logo se evaporou!
— Por que foi que ele me quis ver? — retrucou Catherine. — Mesmo
nos seus piores dias, gostava mais dele do que como ele está agora. Parece até
que este nosso encontro é uma tarefa que ele foi obrigado a cumprir por
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temor a que seu pai ralhasse com ele. Mas eu não vou vir até aqui só para dar
prazer ao Sr. Heathcliff, seja qual for a razão que ele tiver para forçar Linton a
tal penitência. E, embora me alegre de que ele esteja melhor de saúde, acho
que está muito pior de gênio e muito menos afetuoso para comigo.
— Você acha que ele está melhor de saúde? — volvi.
— Acho — respondeu ela —, porque ele sempre fez um bicho de sete
cabeças dos seus padecimentos. Acho que ele não está apenas melhor,
conforme me pediu para dizer a papai, mas muito melhor.
— Nisso não concordamos, Srta. Cathy — observei. — Eu acho que
ele está muito pior.
Nesse ponto, Linton acordou do seu cochilo e, com uma expressão de
terror, perguntou se alguém tinha chamado o seu nome.
— Não — respondeu Catherine. — Só se tiver sido em sonhos. Não
posso entender como é que você pode cochilar no meio do campo, e de
manhã.
— Pareceu-me ouvir o meu pai — arquejou ele. — Tem certeza de que
ninguém me chamou?
 — Certeza absoluta — replicou sua prima. — Só eu e Ellen é que
estávamos falando, sobre o seu estado de saúde. Você está mesmo melhor do
que da última vez em que nos vimos, no inverno? Sente-se mais forte? Porque
uma coisa, pelo menos, não me parece mais forte. . . o seu afeto por mim.
Diga-me. . . Você está mesmo melhor?
As lágrimas brotaram dos olhos de Linton, ao mesmo tempo em que
ele respondia: — Estou, sim, estou! — E, ainda sob o impacto da voz imaginária, seu olhar errava para cima e para baixo, à procura de quem falara.

Cathy levantou-se. — Por hoje, temos de ir embora — declarou. — Não
escondo que fiquei muito decepcionada com este nosso encontro, embora
não vá dizer nada a ninguém. . . e olhe que não tenho medo do Sr.
Heathcliff!
— Fale baixo! — murmurou Linton. — Pelo amor de Deus, fale baixo!
Ele está vindo. — E agarrou-se ao braço de Catherine, tentando detê-la; mas,
ao ouvir aquilo, ela se apressou a chamar Minny, que lhe obedecia como se
fosse um cão.
— Voltarei na próxima quinta-feira! — gritou, pulando para a sela. —
Até lá! Depressa, Ellen!
E assim o deixamos, quase sem se dar conta da nossa partida, tão aflito
estava ele com a aproximação do pai.
Antes de chegarmos a casa, a frustração de Catherine já se transformara
num perplexo sentimento de pena e de dúvida quanto ao estado físico e social
de Linton — dúvida que também eu partilhava, embora a aconselhasse a não
fazer comentários, pois um segundo encontro nos daria melhores bases para
julgar. Meu amo pediu que lhe relatássemos o encontro. Cathy transmitiu-lhe
os agradecimentos do primo e pouco falou do resto; eu também, pois não
sabia o que ocultar e o que revelar.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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