sexta-feira, 4 de setembro de 2015

CAPÍTULO IV


- Ele saiu? - exclamou Marthe, acorrendo ao barulho da porta da rua, que abalou
a casa inteira pela violência com que foi fechada.
- Saiu mesmo - respondi.
- E o almoço? - resmungou a velha criada.
- Não vai almoçar.
- E o jantar?
- Não vai jantar.
- Como? - disse Marthe, unindo as mãos.
- Minha boa Marthe, ele não vai mais comer, nem ninguém nesta casa! Meu tio
Lidenbrock vai obrigar-nos a todos nesta casa a jejuar até decifrar aquele
pergaminho indecifrável!
- Jesus! Vamos todos morrer de fome!
Não ousei confessar que, com um homem tão fanático quanto meu tio, era um
destino inevitável.
Seriamente alarmada, a velha criada voltou para a cozinha gemendo.
Quando fiquei sozinho, passou-me pela cabeça ir contar tudo a Grauben. Mas
como sair de casa? O professor podia voltar a qualquer momento. E se me
chamasse? E se quisesse recomeçar o trabalho logogrífico que poderia ser
proposto em vão ao velho Édipo? E se eu não acorresse a seu chamado, o que
aconteceria?
Era mais sensato ficar. Justamente, um mineralogista de Besançon acabara de
nos enviar uma coleção de geodos siliciosos que era preciso classificar. Comecei
a trabalhar. Triava, etiquetava e dispunha em sua vitrina todas aquelas pedras
ocas dentro das quais se agitavam cristaizinhos.
Mas não consegui me envolver naquela ocupação. O caso do velho documento
não deixava de preocupar-me de forma estranha. Minha cabeça fervilhava, e eu
me sentia vagamente perturbado. Pressentia uma catástrofe iminente.
Ao final de uma hora, os geodos estavam arrumados. Fui sentar-me na grande
poltrona de Utrecht, braços pendentes e cabeça caída. Acendi meu cachimbo de
longo tubo curvo, cujo fornilho esculpido representava uma náiade deitada com
descontração; depois, diverti-me em seguir as evoluções da carbonização que
transformava minha náiade numa negra. De vez em quando, prestava atenção
para tentar ouvir algum passo ressoando na escada. Nada. Onde estaria meu tio
naquele momento? Via-o correndo sob as belas árvores da estrada de Altona,
gesticulando, batendo nos muros com sua bengala, atacando a relva com
violência, decapitando os espinhos e perturbando o repouso das cegonhas
solitárias.
Como voltaria, triunfante ou desanimado? Quem venceria, o segredo ou ele?
Enquanto falava comigo mesmo, peguei maquinalmente entre meus dedos a
folha de papel sobre a qual se estendia a incompreensível série de letras traçadas
por mim. Perguntava-me todo o tempo:
- O que significa isso?
Tentava agrupar as letras de modo a formar palavras. Impossível! Por mais que
as reunisse em grupos de duas, três, cinco ou seis, não dava nada de inteligível.
Bem que as décima quarta, décima quinta e décima sexta palavras formavam o
termo inglês "ice". A octagésima quarta, a octagésima quinta e a octagésima
sexta, formavam a palavra "sir". Finalmente, observei também as palavras
latinas "rota", "mutabile", "ira", "nec" e "atra" no corpo do documento.
"Diabos", pensei, "essas últimas palavras parecem dizer que meu tio tem razão
quanto à língua do documento! E vejo na linha quatro a palavra "luco", que pode
ser traduzida por "bosque sagrado". É verdade que na terceira linha, podemos ler
o termo "tabiled", completamente hebraico, e, na última, os vocábulos mer, arc,
mŠre, puramente franceses ''.
Era de enlouquecer! Quatro idiomas naquela frase absurda!
Que relação poderia haver entre as palavras "gelo, senhor, cólera, cruel, bosque
sagrado, mutante, mãe, arco ou mar. Apenas o primeiro e o último teriham uma
certa coerência entre si: não era nada surpreendente mencionarem num
documento escrito na Islândia um "mar de gelo". Mas daí a entender o resto do
criptograma, era outro caso.
Lutava com uma dificuldade insolúvel; meu cérebro fervia, meus olhos
piscavam diante da folha de papel. As cento e trinta e duas letras pareciam
esvoaçar ao meu redor, como aqueles pontos negros que aparecem no ar quando
o sangue sobe muito violentamente à cabeça.
Parecia-me estar vivendo uma alucinação. Sufocava, sentia falta de ar.
Maquinalmente, abanei-me com a folha de papel, e fiquei olhando
sucessivamente sua frente e seu verso. Qual a minha surpresa quando, numa
dessas reviravoltas rápidas, no momento em que o verso se voltava para mim,
acreditei estar vendo aparecer palavras perfeitamente legíveis, palavras latinas,
entre outras, "craterem" e "terrestre"!
De repente, compreendi tudo; esses indícios haviam-me mostrado o caminho da
verdade; eu descobrira a lei da cifra. Para entender o documento, nem era
necessário lê-lo pela folha invertida! Não. Era assim, assim me fora ditado,
assim podia ser soletrado normalmente. Todas as combinações engenhosas do
professor realizavam-se. Tinha razão quanto à disposição das letras, quanto
à língua do documento! Nada era necessário para ler do começo ao fim a frase
latina, e o acaso acabara de oferecer-me esse "nada".
Dá para imaginar como fiquei emocionado! Meus olhos turvaram-se, tornandose inúteis. Havia disposto a folha de papel sobre a mesa. Bastava olhá-la para
tornarme detentor do segredo.
Finalmente consegui acalmar-me. Condenei-me a dar duas voltas no quarto para
tranqüilizar meus nervos e fui meter-me novamente na vasta poltrona.
- Bem, leiamos - exclamei para mim mesmo, após ter abastecido meus pulmões com muito ar.
Debrucei-me sobre a mesa; colocava meu dedo sobre cada letra e, sem parar,
sem hesitar, pronunciei a frase inteira em voz alta.
Por que estupefação, por que desvario fui invadido! Sentia-me como que atingido
por um raio. O quê! O que eu acabara de saber acontecera! Um homem tivera
audácia suficiente para penetrar...!
"Ah, não", exclamei dando um pulo, "não, não, meu tio não saberá disso!
Só faltava ele saber de tal viagem! Vai querer fazêla! Nada conseguirá detê-lo!
Um geólogo tão determinado! Vai fazê-la de qualquer forma, apesar de tudo, a
despeito de tudo!
E vai levar-me com ele, e nós não voltaremos! Nunca! Nunca!
É difícil descrever minha excitação.
- Não, não, de jeito nenhum - disse com energia -, e como não posso evitar que
meu tirano tenha tal idéia, vou fazê-lo.
De tanto virar e revirar esse documento, vai acabar descobrindo sua chave! Vou
destruí-lo!
Ainda havia brasas na lareira. Peguei não somente a folha de papel, como
também o pergaminho de Saknussemm; as mãos febris, ia jogar tudo sobre os
carvões e aniquilar o segredo perigoso, quando a porta do gabinete abriu-se. Meu
tio apareceu.

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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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