sexta-feira, 4 de setembro de 2015

CAPÍTULO VIII


Altona, verdadeiro subúrbio de Hamburgo é a primeira estação da estrada de
ferro de Kiel, que deveria nos levar às costas dos estreitos de Belt. Em menos de
vinte minutos, entrávamos no território de Holstein.
Às seis e meia, o carro parou diante da estação; os inúmeros pacotes de meu tio,
seus volumosos artigos de viagem, foram descarregados, transportados, pesados,
etiquetados, recarregados no vagão de bagagem e, às sete horas, estávamos
sentados um diante do outro no mesmo compartimento. O vapor assobiou, a
locomotiva começou a andar. Havíamos partido Eu estava resignado? Ainda não. No entanto, o ar fresco da manhã, os detalhes da
estrada, que se renovavam com rapidez pela velocidade do trem, distraíam-me
de minha grande preocupação.
Quanto à mente do professor, evidentemente adiantava-se àquele comboio lento
demais para sua impaciência. Éramos os únicos no vagão, mas não nos
falávamos. Meu tio revirava seus bolsos e sua sacola de viagem com uma
atenção minuciosa. Percebi que não lhe faltavam os objetos necessários à
execução de seus projetos.
Entre outras coisas, uma folha de papel dobrada com cuidado levava o cabeçalho
da chancelaria dinamarquesa com a assinatura do senhor Christiensen, cônsul em
Hamburgo e amigo do professor. Essa referência deveria nos facilitar em
Copenhague a obtenção de recomendações para o governador da Islândia.
O famoso documento estava preciosamente escondido no bolsinho mais secreto
da carteira. Amaldiçoei-o do fundo do coração e voltei a examinar a região.
Consistia numa vasta seqüência de planícies pouco curiosas, monótonas,
lamacentas e bastante férteis: um campo muito favorável ao estabelecimento de
uma ferrovia e propício àquelas linhas retas tão caras às companhias de estrada
de ferro.
Mas nem deu tempo de cansar-me com aquela monotonia, pois, três horas depois
de nossa partida, o trem parava em Kiel, bem perto do mar. Como nossas
bagagens já haviam sido despachadas para Copenhague, meu tio não teve de se
preocupar com elas. No entanto, acompanhava-as com um olhar inquieto
enquanto eram transportadas para o barco a vapor, onde desapareceram no
porão.
Em sua precipitação, meu tio calculara tão bem os horários de ligação entre trem
e barco que tivemos de aguardar o dia inteiro. O vapor Ellenora só partiria à
noite. Daí uma ansiedade de nove horas, durante as quais o irascível viajante
mandou aos diabos a empresa de barcos e a ferroviária e os governos que
toleravam tal abuso. Tive de apoiá-lo quando atormentou o capitão do Ellenora a
esse respeito. Queria obrigá-lo a ligar as caldeiras naquele momento. O outro
mandou-o ao inferno.
Como em qualquer outra parte do mundo, em Kiel o dia também passa.
Passeando pelas costas verdejantes da baía, ao fundo da qual se ergue a
cidadezinha, percorrendo os bosques cerrados que lhe dão o aspecto de um ninho
num feixe de ramos, admirando as mansões, cada uma com sua casinha de
banhos frios, finalmente, correndo e praguejando, chegamos às dez da noite. Os
turbilhões de fumaça do Ellenora erguiam-se no céu; a ponte estremecia com os
tremores da caldeira; a bordo, éramos proprietários de dois catres no único
camarote do barco.
Largaram as amarras às dez e quinze, e o navio singrou rapidamente pelas águas
escuras do Grande Belt. A noite estava fechada; havia muito vento, e o mar
estava bravo; algumas luzes da costa apareceram nas trevas; mais tarde, não sei
onde, um farol brilhou sobre as ondas; essas são as minhas lembranças da
primeira travessia.
Às sete horas da manhã, desembarcávamos em Korsõr, cidadezinha situada na
margem ocidental do Sjaeland. Ali, saltamos do barco para outro trem, que nos
transportou por uma região não menos plana do que os campos do Holstein.
Faltavam ainda três horas para chegarmos à capital da Dinamarca. Meu tio não
dormira durante a noite. Em sua impaciência, acho que empurrava o vagão com
os pés. Finalmente viu um pedaço de mar.
- O Sund! - exclamou.
Havia à nossa esquerda uma ampla construção que parecia um hospital.
- É um hospício - disse um dos nossos companheiros de viagem.
"Bem", pensei, "eis um estabelecimento onde deveríamos acabar nossos dias.
E por maior que seja, esse hospício ainda seria pequeno demais para conter toda
a loucura do professor Lidenbrock!”
Finalmente, às dez horas da manhã, desembarcávamos em Copenhague. As
bagagens foram colocadas num carro e levadas conosco ao Hotel Phoenix em
Bred-Gale. Foi um trajeto de meia hora, pois a estação é fora da cidade. Depois
de uma toalete sumária, meu tio arrastou-me com ele. O porteiro do hotel falava
alemão e inglês, mas, em sua qualidade de poliglota, meu tio fez-lhe perguntas
em bom dinamarquês, e foi em bom dinamarquês que esse personagem indicoulhe
como chegar ao Museu de Antiguidades do Norte.
O diretor do curioso estabelecimento, onde estão amontoadas as maravilhas que
permitem reconstruir a história do país, com suas velhas armas de pedra, seus
hanapos e suas jóias, era um cientista amigo do cônsul de Hamburgo, o professor
Thomson.
Meu tio tinha uma bela carta de recomendação para ele. Geralmente, um
cientista recebe muito mal um outro. Mas não foi nada disso o que aconteceu. O
senhor Thomson, homem prestativo, acolheu cordialmente o professor
Lidenbrocke até seu sobrinho. Não é necessário mencionar que meu tio nada
falou de seu segredo para o excelente diretor do museu. Queríamos
simplesmente visitar a Islândia como turistas desinteressados.
O senhor Thomson colocou-se à nossa inteira disposição, e corremos pelo cais
para procurar um navio de partida.
Eu esperava que não houvesse qualquer meio de transporte, mas não foi isso o
que aconteceu. Uma pequena escuna dinamarquesa, a Valquiria, singraria para
Rey kjavik a 2 de junho. O capitão, senhor Bjarne, encontrava-se a bordo. Em sua
alegria, seu futuro passageiro apertou-lhe tanto a mão que quase a quebrou.
O bom homem ficou um tanto surpreso com tamanha cordialidade. Achava
simples ir à Islândia: era sua profissão. Já meu tio achava isso sublime. O digno
capitão aproveitou o entusiasmo para cobrar-nos o dobro pela travessia. Mas nem
percebemos.
- Estejam a bordo na terça-feira, às sete da manhã – disse o senhor Bjarne,
depois de ter embolsado um número respeitável de dólares. Agradecemos ao
senhor Thomson pela sua solicitude e voltamos ao Hotel Phoenix.
- Está tudo indo muito bem! Muito bem! - repetia meu tio. - Que coincidência
encontrarmos uma embarcação prestes a partir! Vamos comer e depois visitar a
cidade.
Fomos a Kongens-Ny e-Torw, praça irregular, onde há um quartel com dois
canhões inocentes apontados, que não amedrontam ninguém. Perto dali, no
número 5, havia um "restaurante francês, de propriedade de um cozinheiro
chamado Vincent. Comemos o suficiente pelo preço moderado de quatro marcos
cada um.
Foi com o prazer de uma criança que percorri a cidade; meu tio andava a esmo;
aliás, nada viu, nem o insignificante palácio do rei, nem a linda ponte do século
XVII que atravessa o canal diante do museu, nem o imenso cenotáfio de
Torwaldsen, ornado de pinturas murais horrorosas e dentro do qual há obras
desse escultor, nem, num parque bastante belo, o castelinho de Rosenborg, nem o
admirável edifício Renascença da Bolsa, nem seu campanário formado pelas
caudas entrelaçadas de quatro dragões de bronze, nem os grandes moinhos das
muralhas, cujas asas se inflavam como as velas de um navio ao vento do mar.
Que passeios deliciosos minha bela Virlandesa e eu teríamos dado perto do porto,
onde os barquinhos e as fragatas dormiam tranqüilamente sob seus telhados
vermelhos, pelas margens verdejantes do estreito, entre as sombras frondosas
dentro das quais se esconde a cidadela, cujos canhões estendem suas goelas
enegrecidas entre os ramos dos sabugueiros e dos salgueiros!
Mas infelizmente minha pobre Grauben estava longe. Deveria eu alimentar a
esperança de revê-la um dia?
Embora meu tio nem tivesse reparado nesses sítios encantadores, um certo
campanário situado na ilha de Amak, que forma o bairro sudoeste
de Copenhague, chamou-lhe a atenção. Recebi ordem de ir naquela direção; subi
num barquinho que servia os canais, que em poucos instantes abordou o cais de
DockYard.
Após termos atravessado algumas ruas estreitas, onde alguns galerianos de calças
amarelas e cinza trabalhavam sob os cassetetes da polícia, chegamos a VorFrelsers-Kirk,
igreja que nada tinha de notável. Fora seu campanário muito alto
que chamara a atenção do professor: a partir da plataforma, uma escada externa
rodeava a flecha, e suas espirais desenrolavam-se em pleno céu.
- Subamos - disse meu tio.
- E a vertigem? - repliquei.
- Mais um motivo para subirmos, precisamos nos acostumar.
- Mas...
- Ande, vamos, não temos tempo a perder.
Foi preciso obedecer. Um guarda que morava do outro lado da rua cedeu-nos
uma chave e começamos a subir. Meu tio ia na frente com passos decididos. Eu
segui atrás dele, não sem terror, pois minha cabeça começava a girar com uma
facilidade deplorável. Não tinha nem o aprumo das águias nem a insensibilidade
de seus nervos.
Enquanto estávamos aprisionados na escada em caracol interna, tudo correu
bem; após uns cinqüenta degraus senti o vento açoitar o meu rosto: chegáramos
à plataforma do campanário.
Ali começava a escada aérea, protegida por um frágil corrimão e cujos degraus,
cada vez mais estreitos, pareciam subir até o infinito.
- Nunca conseguirei! - gritei.
- Você é um covarde, por acaso? Suba! - ordenou o professor sem a menor compaixão.
Fui obrigado a segui-lo, agarrando-me onde era possível. O vento atordoava-me,
sentia o campanário oscilar com as rajadas; minhas pernas falhavam. Logo
estava subindo de joelhos, depois, de barriga. Sentia vertigens. Finalmente, com
meu tio puxando-me pelo colarinho, chegamos ao topo.
- Olhe, e olhe bem! - disse-me. - Você tem de ter aulas de abismo!
Abri os olhos e vi as casas achatadas, como que esmagadas por uma queda em
meio de uma cerração de fumaça. Sobre minha cabeça passavam nuvens
descabeladas, e por uma inversão de ótica, pareciam-me imóveis, enquanto o
campanário, o topo e eu estávamos sendo arrastados a uma velocidade
fantástica. Ao longe, de um lado, estendia-se o campo verdejante, de outro,
brilhava o mar sob um feixe de raios. O Sund desenrolava-se na ponta de
Helsingör com algumas velas brancas, verdadeiras asas de gaivota, e na bruma
leste ondulavam as costas mal veladas da Suécia. A meus olhos, toda aquela
imensidão rodopiava.
Mesmo assim, tive de levantar-me, endireitar-me e olhar. Minha primeira aula
de vertigem durou uma hora. Quando finalmente obtive permissão de voltar a
descer e pisar no calçamento sólido das ruas, estava extenuado.
- Amanhã faremos tudo isso de novo - anunciou meu professor.
E, de fato, durante cinco dias prossegui naquele exercício vertiginoso e, querendo
ou não, progredi sensivelmente na arte das "elevadas contemplações".

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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