quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CAPÍTULO IX


Chegou o dia da partida. Na véspera, o gentil senhor Thomson trouxera-nos
cartas de recomendação decisivas para o conde Trampe, governador da Islândia,
para o senhor Pictursson, coadjutor do bispo, e para o senhor Finsen, prefeito de
Rey kjavik.
Como retribuição, meu tio outorgou-lhe apertos de mão dos mais calorosos. No
dia 2, às seis da manhã, nossas bagagens já estavam a bordo da Valquiria.
O capitão conduziu-nos a cabines bastante estreitas e dispostas sob uma espécie
de camarote de convés.
- O vento está bom? - perguntou meu tio.
- Excelente - respondeu o capitão Bjarne -, de sudeste. Sairemos do Sund com
vento propício, todas as velas içadas.
Alguns minutos depois, sob sua mezena, bergantim, gávea e joanete, a escuna
aparelhou e alcançou rapidamente o estreito.
Uma hora depois, a capital da Dinamarca parecia mergulhada nas ondas
distantes, e a Valquiria roçava as costas de Helsingör.
No meu estado de espírito, esperava ver a sombra de Hamlet vagando no terraço
lendário. "Insensato sublime", eu pensava, "você, com certeza, aprovaria nossa
viagem! Talvez até nos acompanhasse ao centro do globo para procurar uma
solução à sua dúvida eterna!"
Mas nada surgiu nas antigas muralhas. O castelo, aliás, é bem mais novo que o
príncipe heróico da Dinamarca. Hoje em dia serve de guardião suntuoso àquele
estreito, por onde passam, por ano, quinze mil navios de todas as nações. Logo o
castelo de Krongborg desapareceu nas brumas, assim como a torre de
Helsinborg, na costa sueca, e a escuna inclinou-se levemente sob as brisas do
Kattegat.
A Valquiria era um bom barco a vela, mas nunca se sabe o que esperar de uma
embarcação desse tipo. Transportava para Reykjavik carvão, utensílios
domésticos, cerâmica, roupas de lã e um carregamento de trigo. Bastavam cinco
homens, todos dinamarqueses, para manobrá-la.
- Quanto tempo levará a travessia? - perguntou meu tio ao capitão.
- Uns dez dias - respondeu o último -, se não depararmos com muitas rajadas
noroeste perto de Féroe.
- Vocês não costumam sofrer atrasos consideráveis, espero...
- Não, senhor Lidenbrock, fique tranqüilo, chegaremos a tempo. , à noitinha, a
escuna dobrou o cabo Skagen na extremidade norte da Dinamarca, atravessou
Skagerrak durante a noite, navegou ao longo dos limites da Noruega pelo cabo
Lindesnes e desembocou no mar do Norte.
Dois dias depois, avistávamos as costas da Escócia na altura de Peterhead, e a
Valquiria dirigiu-se para o Féroe, passando entre as Órcades e as Shetland. Logo
as ondas do Atlântico batiam contra nossa escuna, que foi obrigada a enfrentar o
vento norte para alcançar, com bastante dificuldade, o Féroe. No dia 8, o capitão
reconheceu My ganness, a ilha mais oriental, e a partir daquele momento rumou
direto para o cabo Portland, situado na costa meridional da Islândia. Nenhum
incidente notável marcou a travessia. Suportei bastante bem as provações do
mar; para sua grande irritação e vergonha, meu tio passou o tempo todo enjoado.
Não conseguiu, portanto, discutir com o capitão Bjarne a respeito do Sneffels, dos
meios de comunicação e dos meios de transporte para alcançá-lo; teve de adiar
todas essas informações para o momento da chegada, e passou o tempo todo
deitado em sua cabine, cujas divisórias rangiam com o balanço. Devo confessar
que merecia essa provação.
No dia 11, avistamos o cabo Portland. Como o tempo estava aberto, foi possível
ver o My rdals Yocul, que o domina. O cabo é composto por um grande morro de
encostas íngremes, plantado sozinho na praia.
A Valquiria percorreu a costa a uma boa distância, em meio a numerosas baleias
e tubarões. Logo apareceu um imenso rochedo completamente descoberto no
qual o mar espumante batia com fúria. As ilhotas de Westman pareceram brotar
do oceano, como uma disseminação de rochas na planície líquida. A partir
daquele momento a escuna tomou impulso para dobrar a uma boa distância o
cabo de Rey kjaness, que forma o ângulo ocidental da Islândia.
O mar muito bravo impedia que meu tio subisse à ponte para admirar as costas
retalhadas e fustigadas pelo vento sudoeste. Quarenta e oito horas depois, saindo
de uma tempestade que obrigou a escuna a fugir e recolher o velame, avistamos
a leste a baliza da ponta Skagen, cujas rochas perigosas estendem-se a uma
grande distância sob as ondas. Um piloto islandês subiu a bordo, e três horas
depois a Valquiria abordava Rey kjavik na baía de Faxa.
Finalmente, o professor saiu de sua cabine um pouco pálido, um pouco
desfigurado, mas sempre entusiasmado e com ar de satisfação. A população da
cidade, muito interessada pela chegada de um navio no qual todos têm algo a
pegar, amontoava-se no cais.
Meu tio tinha pressa em abandonar sua prisão flutuante, para não dizer seu
hospital. Mas antes de deixar a ponte da escuna, conduziu-me à proa, de onde me
apontou a parte setentrional da ilha, uma montanha alta de duas pontas, dois
cones cobertos de neves eternas.
- O Sneffels! - gritou. - O Sneffels!
Depois de ter me recomendado com um gesto sigilo absoluto, desceu ao bote que
o esperava. Segui-o, e logo pisávamos o solo da Islândia. Primeiro apareceu um
homem bem apessoado em trajes de general. Era, entretanto, um simples
magistrado, o governador da ilha, o senhor barão Trampe em pessoa. O
professor logo reconheceu o personagem. Apresentou ao governador suas cartas
de Copenhague, e conversaram um pouco em dinamarquês, conversa que não
compreendi, é claro. Mas o resultado da primeira entrevista foi que o barão
Trampe colocava-se à disposição do professor Lidenbrock.
Meu tio foi acolhido com bastante gentileza pelo prefeito, o senhor Finsen, não
menos militar pelo traje do que o governador, mas tão pacífico quanto por
temperamento e condição. Quanto ao coadjutor, o senhor Pictursson, fazia uma
visita episcopal no bailiado do Norte; não seríamos apresentados a ele tão cedo.
Em compensação, conhecemos um homem encantador, o senhor Fridriksson,
professor de ciências naturais na escola de Rey kjavik, que muito nos ajudou. Esse
modesto cientista só falava islandês e latim; ofereceu-me seus serviços na língua
de Horácio, e senti que tínhamos sido feitos para nos entender. Foi, de fato, a
única pessoa com quem pude conversar durante minha estada na Islândia.
O excelente homem colocou à nossa disposição dois dos três cômodos de sua
casa, onde logo nos instalamos com nossa bagagem, cujo volume espantou
bastante os habitantes de Rey kjavik.
- Muito bem, Axel - disse-me meu tio -, está tudo indo muito bem, já
conseguimos fazer o mais difícil.
- Como o mais difícil? - exclamei.
- Claro, agora só falta descer!
- Se o senhor encarar o problema por esse prisma, tem razão; mas depois de descermos, imagino que vai ser preciso subir?
- Ora, isso não me preocupa! Bem, não temos tempo a perder. Vou à biblioteca.
Talvez encontre algum manuscrito de Saknussemm que seria bom consultar.
- Então, nesse meio tempo vou visitar a cidade, o senhor não quer ir?
- Ah, não me interessa muito. Nesta terra de Islândia, o mais interessante não
está em cima da terra mas debaixo dela.
Saí e comecei a andar a esmo. Perder-se nas duas ruas de Rey kjavik não era
nada fácil. Não fui, portanto, obrigado a pedir informações, o que, na linguagem
dos gestos, teria me exposto a muitos enganos.
A cidade estende-se num solo bastante baixo e pantanoso entre duas colinas.
Uma imensa corrente de lavas cobre-a de um lado e desce em rampas bastante
suaves. Do outro, está a vasta baía de Faxa, cujo limite ao norte é a imensa
geleira do Sneffels, onde apenas a Valquiria estava ancorada naquele momento.
Normalmente, as guardas pesqueiras inglesa e francesa permanecem ao largo,
mas estavam então em serviço nas costas orientais da ilha.
A rua mais comprida de Rey kjavik é paralela à praia; ali moram os
comerciantes e negociantes em cabanas de toras dispostas na horizontal; a outra
rua, situada mais a oeste, corre para um laguinho entre as casas do bispo e as de
outras personalidades que não lidam com comércio.
Em pouco tempo palmilhei as ruas mornas e tristes; por vezes entrevia um
pedacinho de gramado descolorido, como um velho tapete de lã puído ou uma
espécie de horta com poucos legumes - batatas, repolhos e alface -, que de tão
mirrados pareciam crescer para servir de refeição a anõezinhos; alguns goiveiros
doentios tentavam também tomar um pouco de sol.
No meio da rua não-comercial, dei com um cemitério público fechado por uma
parede de barro, onde não faltava lugar; mais alguns passos e cheguei à casa do
governador, um casebre, se comparado ao palácio do governo de Hamburgo,
mas um palácio ao lado das cabanas da população islandesa.
Entre o laguinho e a cidade, erguia-se a igreja, construída, segundo o gosto protestante, com pedras calcinadas que os vulcões fornecem à vontade; seu teto
de telhas vermelhas devia voar pelos ares quando fustigado pelo vento oeste, para grande prejuízo dos fiéis.
Numa colina próxima, vi a escola nacional onde, como soube mais tarde, se
lecionava hebraico, inglês, francês e dinamarquês, quatro línguas das quais, para
minha vergonha, não conhecia uma única palavra.
Seria o último dos quarenta alunos do pequeno colégio, e indigno de dormir com
eles naqueles armários de duas divisões, nos quais os mais delicados se sentiriam
sufocados desde a primeira noite.
Em três horas já visitara não somente a cidade como também os arredores. Tudo
parecia extremamente triste. Não havia árvores ou vegetação. Por toda parte as
arestas marcadas das rochas vulcânicas. As cabanas dos islandeses são feitas de
barro e turfa, as paredes inclinadas por dentro. Parecem tetos colocados no chão.
Só esses tetos são pradarias relativamente férteis. Graças ao calor da moradia, a
relva brota bastante bem. É cortada na época da ceifa, o que impede os animais
domésticos de virem pastar nas casinhas verdejantes.
Durante meu passeio, encontrei poucos habitantes. Ao voltar à rua comercial, vi
a maior parte da população ocupada em secar, salgar e carregar bacalhaus,
principal artigo de exportação. Os homens pareciam robustos mas pesados, uma
espécie de alemães louros, olhar pensativo, que se sente um pouco fora da
humanidade, pobres exilados relegados àquela terra de gelo, onde a natureza
podia tê-los feito esquimós, já que os condenava a viver no limite do círculo polar!
Tentava em vão surpreender um sorriso em seu rosto; riam às vezes por uma
espécie de contração involuntária dos músculos, mas nunca sorriam.
Seu traje consistia num grosseiro blusão de lã negra, conhecida nos países
escandinavos como vadmel, um chapéu de grandes abas, calças com barras
vermelhas e um pedaço de couro dobrado à guisa de calçado.
As mulheres, de rosto triste e resignado, aspecto bastante agradável mas
inexpressivo, vestiam um corpete e uma saia de vadmel escura: as mocinhas
usavam em seus cabelos trançados em coroas um bonezinho de tricô marrom; as
casadas amarravam na cabeça um lenço colorido, sobre o qual colocavam uma
cimeira de tecido branco.
Quando voltei de meu longo passeio à casa do senhor Fridriksson, meu tio já se
encontrava em companhia de seu anfitrião.

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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