quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CAPÍTULO XIV


Stapi é uma aldeia de cerca de trinta cabanas, construída em plena lava sob os
raios de sol refletidos pelo vulcão. Estende-se no fundo de um pequeno fiorde
encastrado numa muralha basáltica bastante estranha.
Sabemos que o basalto é uma rocha marrom de origem ígnea. Suas formas
regulares surpreendem por sua disposição. Aqui a natureza procede de forma
geométrica e trabalha à maneira dos homens, como se manejasse o esquadro, o
compasso e o fio de prumo. Em todos os outros lugares, seus trabalhos artísticos
consistem em grandes massas jogadas desordenadamente, em cones mal
esboçados, em pirâmides imperfeitas, em uma estranha sucessão de linhas; aqui,
querendo dar o exemplo de regularidade e precedendo os arquitetos das
primeiras eras, criou uma ordem rígida, jamais superada pelos esplendores da
Babilônia, nem pelas maravilhas da Grécia antiga.
Já ouvira falar da Calçada dos Gigantes na Irlanda e da gruta de Fingal numa das
Hébridas, mas nunca vira o espetáculo de uma substrução basáltica. Em Stapi,
esse fenômeno exibia-se em toda a sua magnificência. A muralha do fiorde,
assim como toda a costa da península, era composta de uma série de colunas
verticais de trinta pés de altura. Esses fustes retos da mais pura proporção
sustentavam uma arquivolta feita de colunas horizontais, cujo desaprumo
formava uma semiabóbada acima do mar. A intervalos regulares, sob essa
cisterna natural, o olhar surpreendia aberturas ogivais de um desenho admirável,
através das quais as ondas do mar se precipitavam, espumantes. Alguns pedaços
de basalto, arrancados pela fúria do oceano, estendiam-se pelo chão como ruínas
de um templo antigo, ruínas eternamente viçosas sobre as quais os séculos
passavam sem desgastá-las.
Era a última etapa de nossa viagem terrestre, para onde Hans nos conduzira com
inteligência, e eu me sentia tranqüilo com o fato de que ele continuaria nos
acompanhando.
Ao chegarmos à porta da casa do pároco, cabana simples e baixa, nem mais bela
nem mais confortável que as vizinhas, vi um homem ferrando um cavalo,
martelo na mão e avental de couro amarrado à cintura.
- Screllvertu - disse-lhe o caçador.
- God dag - respondeu-lhe o ferrador num perfeito dinamarquês.
- Ky rkoherde - murmurou Hans, voltando-se para meu tio.
- O pároco! - repetiu o professor. - Axel, parece que esse bom homem é o
pároco.
Enquanto isso, o guia colocava o kirkoherde a par da situação. O pároco parou de
trabalhar e deu uma espécie de grito muito usado entre os criadores de cavalos e
contratadores de gado; imediatamente uma megera enorme saiu da cabana. Se
não tinha seis pés de altura, faltava pouco.
Temi que ela viesse oferecer o beijo islandês aos viajantes; mas nada disso
aconteceu e nem se deu ao trabalho de ser mais gentil ao convidar-nos para
entrar em sua casa.
O cômodo dos forasteiros pareceu-me o pior do presbitério, estreito, sujo e
infecto, mas tivemos de contentar-nos com ele. O pároco, com certeza, não
praticava a hospitalidade à antiga.
Longe disso. Antes do final do dia, constatei que estávamos tratando mais com
um ferreiro, um pescador, um caçador e um carpinteiro do que com um ministro
de Deus. É verdade que era um dia útil. Talvez melhorasse aos domingos.
Não quero falar mal desses pobres padres, que afinal de contas são bem
miseráveis; recebem um tratamento ridículo do governo islandês e seu salário
consiste num quarto do dízimo de sua paróquia, o que nem chega a sessenta
marcos. Daí a necessidade de trabalhar para viver; mas de tanto pescar, caçar e
ferrar cavalos, acabam absorvendo as maneiras, o tom e os costumes dos
caçadores, pescadores e outras pessoas um tanto rudes; naquela mesma noite,
percebi que a sobriedade não era uma das virtudes de nosso anfitrião.
Meu tio logo compreendeu o gênero de homem com que estava lidando; em vez
de um cientista ousado e digno, encontrava um camponês difícil e grosseiro.
Resolveu, portanto, iniciar quanto antes sua grande expedição, para abandonar
aquele cura pouco hospitaleiro. Nem deu atenção a seu cansaço e resolveu ir
passar alguns dias nas montanhas.
Começamos, portanto, a preparar a partida no dia seguinte à nossa chegada a
Stapi. Hans contratou três islandeses para substituir os cavalos no transporte das
bagagens; mas assim que chegássemos ao fundo da cratera, aqueles indígenas
deveriam voltar atrás e abandonar-nos à nossa própria sorte, ponto claramente
estabelecido.
Naquele momento, meu tio teve de contar ao caçador que sua intenção era
explorar o vulcão até seus últimos limites.
Hans contentou-se em inclinar a cabeça. Ir para lá ou para cá, embrenhar-se nas
entranhas de sua ilha ou percorrê-la, não via qualquer diferença. Quanto a mim,
até então distraído pelos incidentes da viagem, esquecera-me um pouco do
futuro; agora, porém, sentia a emoção voltar com toda a força. O que fazer?
Tinha de ter tentado resistir ao professor Lidenbrock em Hamburgo e não ao pé
do Sneffels.
Uma idéia atormentava-me mais que as outras, idéia aterrorizante e perfeita
para abalar nervos menos sensíveis que os meus.
"Bem", dizia para mim mesmo, "vamos escalar o Sneffels.
Bem, vamos explorar sua cratera. Bem, outros já fizeram isso e não morreram.
Mas tem mais. Se encontrarmos um caminho para descer às entranhas do solo, se esse infeliz do Saknussemm disse a verdade, vamos nos perder entre as
galerias subterrâneas do vulcão. Ora, nada prova que o Sneffels esteja extinto!
Quem garante que não está preparando uma erupção? Está certo que o monstro
está adormecido desde 1229, mas isso não significa que não possa acordar... E, se
acordar, o que será de nós?"
Era o caso de se refletir sobre essa hipótese, e eu refletia. Não conseguia dormir
sem sonhar com a erupção. E não estava gostando nada de fazer o papel de
escória.
Finalmente, não consegui mais me conter. Resolvi submeter o problema a meu
tio o mais astuciosamente possível, e sob a forma de uma hipótese absurda. Fui
procurá-lo. Desabafei minhas preocupações e recuei para deixá-lo estourar
à vontade.
- Estava pensando nisso - respondeu-me com simplicidade. O que significavam
aquelas palavras? Será que ouviria a voz da razão? Estava pensando em voltar
atrás? Era bom demais para ser verdade. Depois de alguns instantes de silêncio,
durante os quais não ousei pronunciar nem uma palavra, recomeçou a falar:
- Estava pensando nisso. Desde que chegamos a Stapi, estou preocupado com
esse grave problema, pois não devemos ser imprudentes.
- Não - respondi, convicto.
- O Sneffels não se manifesta há seiscentos anos, mas pode manifestar-se. Ora,
as erupções são sempre precedidas de fenômenos muito conhecidos. Assim, fiz
perguntas aos habitantes da região, estudei o solo e posso afirmar-lhe, Axel, não
haverá erupção.
Fiquei estupefato com essa afirmação, à qual não pude replicar.
- Você duvida do que estou dizendo? Então, acompanhe-me - disse meu tio.
Obedeci maquinalmente. Saindo do presbitério, o professor tomou um caminho
reto que, por uma abertura da muralha basáltica, afastava-se do mar. Logo
estávamos em campo aberto, se é que se pode chamar assim aquele enorme
amontoado de dejecções vulcânicas. A região parecia ter sido esmagada por
uma chuva de pedras enormes, de trapp, basalto, granito e todas as rochas
piroxênicas.
Via vapores subindo aqui e ali; aqueles vapores brancos, chamados rey kir em
islandês, vinham das fontes termais e, por sua violência, indicavam a atividade
vulcânica do solo. Aquilo parecia justificar meus temores. Caí das nuvens quando
meu tio me disse:
- Está vendo, Axel, esses vapores provam que não temos de temer a fúria do
vulcão.
- Essa não! - gritei.
Via vapores vulcânicos subindo aqui e ali.
- Guarde bem isto - continuou o professor: - quando uma erupção está se
aproximando, esses vapores tornam-se duas vezes mais ativos, para desaparecer
completamente durante o fenômeno, pois, como não têm mais a tensão
necessária, os fluidos elásticos escapam pelas crateras e não mais pelas fissuras
do globo. Se esses vapores se mantiverem em seu estado normal, se sua energia
não aumentar, e ainda, se o vento e a chuva não forem substituídos por um ar pesado e calmo, é possível afirmar que não haverá uma erupção a curto prazo.
- Mas...
- Chega. Quando a ciência fala somos obrigados a calar-nos.
Voltei para a cúria de orelhas baixas. Meu tio vencera-me com argumentos
científicos. Ainda assim, alimentava uma certa esperança. Talvez, quando
chegássemos ao fundo da cratera, fosse impossível descer mais por falta de
galerias, isso a despeito de todos os Saknussemm do mundo. Passei a noite
seguinte em pleno pesadelo dentro de um vulcão e das profundezas da terra. Senti
que era lançado para os espaços planetários sob a forma de rocha eruptiva.
No dia seguinte, 23 de junho, Hans nos aguardava com seus companheiros,
carregados de víveres, ferramentas e instrumentos.
Dois bastões de ferro, dois fuzis, duas cartucheiras estavam reservados para meu
tio e para mim. Hans, que pensava em tudo, acrescentara à nossa bagagem um
odre cheio, que, juntamente com nossos cantis, garantiam um abastecimento de
água por oito dias.
Eram nove horas da manhã. O pároco e sua megera enorme aguardavam diante
da casa. Com certeza queriam dar aos viajantes o adeus supremo do anfitrião.
Mas o adeus assumiu a forma inesperada de uma conta formidável, onde
cobraram até o ar da casa pastoral, bem infecto, aliás. O digno casal
espoliavanos como hoteleiros suíços, e o preço de sua hospitalidade era mais do
que exagerado.
Meu tio pagou sem regatear. Um homem de partida para o centro da Terra não
liga para alguns risdales. Acertado esse ponto, Hans deu o sinal de partida, e
poucos instantes depois deixávamos Stapi.

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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