quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CAPÍTULO XXXVI


Aqui termina o que chamei de "diário de bordo", felizmente salvo do naufrágio.
Continuo minha narrativa como antes. Não sei dizer o que aconteceu no choque
da jangada com os escolhos da costa. Senti que caía no mar e se escapei da
morte, se meu corpo não foi despedaçado pelas rochas pontiagudas, foi porque os
braços vigorosos de Hans retiraram-me do abismo. O corajoso islandês
transportou-me para fora do alcance das ondas, para uma areia ardente onde me
encontrei ao lado de meu tio.Depois voltou aos rochedos, contra os quais batiam
vagas furiosas, para salvar alguns restos do naufrágio. Não conseguia falar;
estava alquebrado pelas emoções e pelo cansaço; precisei de uma hora para
recuperar-me.
Enquanto isso, o dilúvio continuava, mas com aquela força que anuncia o fim das
tempestades. Algumas rochas sobrepostas ofereceram-nos abrigo das torrentes
do céu. Hans preparou alimentos em que não consegui tocar, e todos nós,
esgotados por três noites de vigília, caímos num sono doloroso. No dia seguinte, o
tempo estava magnífico. O céu e o mar haviam-se acalmado de comum acordo.
Todo vestígio de tempestade desaparecera. Com palavras alegres, o professor
saudou meu despertar. Estava numa alegria terrível.
- Então, meu filho, dormiu bem? - exclamou.
Parecia que estávamos na casa da Königstrasse, que eu estava descendo
tranqüilamente para o desjejum, que eu iria me casar com Grauben naquele
mesmo dia. Qual o quê! Por menos que a tempestade tivesse jogado a jangada
para leste, já tínhamos passado sob a Alemanha, sob minha querida cidade de
Hamburgo, sob aquela rua onde ficava tudo o que eu amava no mundo. Então
apenas quarenta léguas estavam separando-me dela! Mas quarenta léguas
verticais de um muro de granito, e na realidade mais de mil léguas a transpor!
Todas essas dolorosas reflexões atravessaram-me rapidamente a mente antes de
eu responder à pergunta de meu tio.
- E essa agora! - repetiu. - Você não quer dizer se dormiu bem?
- Muito bem - respondi. - Ainda estou quebrado, mas não é nada.
- Claro que não é nada, só um pouco de cansaço.
- O senhor parece muito contente, meu tio.
- Estou encantado, meu rapaz, encantado! Chegamos!
- Ao termo de nossa expedição?
- Não, ao final desse mar que não acabava nunca. Agora voltaremos ao caminho
de terra para penetrarmos realmente nas entranhas do globo.
- O senhor permite-me uma pergunta?
- Permito, Axel.
- E a volta?
- A volta! Você já pensa em voltar antes mesmo de termos chegado?
- Não, só quero saber como voltaremos.
- Da maneira mais simples do mundo. Assim que chegarmos ao centro do
esferóide, ou encontraremos um outro caminho para tornar a subir à superfície
ou voltaremos da forma mais burguesa possível: pelo caminho já percorrido.
Agradame pensar que não se fechará atrás de nós.
- Então teremos de consertar a jangada.
- Com certeza.
- Ainda há provisões suficientes para continuarmos nossa grande aventura?
- Claro. Hans é um rapaz muito hábil, e tenho certeza de que salvou a maior parte
do carregamento.
Saímos daquela gruta fustigada pela brisa. Tinha uma esperança que era, ao
mesmo tempo, um temor; parecia-me impossível que a terrível abordagem da
jangada não tivesse destroçado tudo o que carregava. Estava errado. Ao chegar
à margem, vi Hans no meio de uma profusão de objetos bem arrumados. Meu
tio apertou-lhe a mão num gesto de agradecimento. Aquele homem, de uma
devoção sobre-humana, talvez único no mundo, trabalhara enquanto dormíamos
e salvara os objetos mais preciosos correndo risco de vida.
Mesmo assim, perdemos objetos bastante importantes; nossas armas, por
exemplo; mas afinal não eram tão indispensáveis. A provisão de pólvora estava
intacta, depois de ter quase explodido durante a tempestade.
- Bem, já que os fuzis se foram, não seremos obrigados a caçar - exclamou o
professor.
- E os instrumentos?
- Aqui está o manômetro, o mais útil de todos, que vale por todos os outros! Com
ele poderei calcular a profundidade e saber se alcançamos o centro. Sem ele,
arriscaríamos ultrapassá-lo e ir parar na terra dos antípodas! Estava numa alegria
feroz.
- E a bússola? - perguntei.
- Está ali, no rochedo, em perfeito estado, assim como o cronômetro e os
termômetros. Esse caçador é mesmo precioso!
Era preciso reconhecer que os instrumentos estavam todos ali. Quanto às
ferramentas e outros equipamentos, vi, espalhados na areia, escadas, cordas, pás
e picaretas. Faltava saber dos víveres.
- E as provisões? - perguntei.
- Vejamos as provisões - respondeu meu tio.
As caixas com os alimentos estavam alinhadas na praia em perfeito estado; a
maioria delas havia sido respeitada pelo mar, e podíamos contar com víveres
para mais quatro meses, juntando os biscoitos, a carne-seca, a genebra e o peixe seco.
- Quatro meses! - gritou o professor. - Dá para ir e voltar, com o restante
pretendo oferecer um grande jantar a meus amigos do Johannaeum.
Já devia ter-me habituado há muito tempo com o temperamento de meu tio, mas
aquele homem sempre me surpreendia.
- Agora devemos nos reabastecer de água com a chuva que a tempestade
depositou em todas essas bacias de granito; assim nada de sede a temer. Quanto à
jangada, vou recomendar que Hans a conserte como puder, embora ache que
não será mais útil.
- Por quê? - eu quis saber.
- Intuição, meu filho. Acho que não sairemos por onde entramos.
Olhei para o professor com uma certa desconfiança. Perguntava a mim mesmo
se não tinha ficado louco. E, no entanto, nunca falara com tanto bom senso.
- Vamos comer - retomou.
Acompanhei-o até um cabo elevado depois que deu suas instruções ao caçador.
Ali, a carne-seca, os biscoitos e o chá formaram uma refeição excelente, que,
devo confessar, foi uma das melhores de minha vida. A necessidade, o ar puro, a
calma depois da agitação, tudo isso contribuía para o meu apetite. Durante o
almoço, conversei com meu tio sobre o problema de sabermos onde estávamos
naquele momento.
- Acho difícil calcular - eu disse.
- Calcular exatamente - respondeu - é impossível, pois nesses três dias de
tempestade não consegui anotar a velocidade e a direção da jangada. Mas
dá para avaliar mais ou menos...
- De fato, a última observação foi feita na ilhota do gêiser...
- Na ilhota Axel, filho. Não decline a honra de ter batizado com seu nome a
primeira ilha descoberta no centro do maciço terrestre.
- Muito bem! Na ilhota Axel havíamos atravessado cerca de duzentas e setenta
léguas de mar, e estávamos a mais de seiscentas léguas da Islândia.
- Certo, partamos desse ponto e contemos quatro dias de tempestade, durante os
quais nossa velocidade não deve ter sido inferior a oitenta léguas por vinte e
quatro horas.
- Acho que sim. Seriam mais trezentas léguas.
- Sim, e o mar Lidenbrockteria mais ou menos seiscentas léguas de uma
margem à outra! Sabe, Axel, que pode competir em grandeza com o
Mediterrâneo?
- Sim, principalmente se atravessamos seu comprimento.
- O que é bem possível!
- E, fato curioso - acrescentei -, se nossos cálculos estiverem certos, o
Mediterrâneo está justamente sobre nós.
- É verdade!
- É mesmo verdade, pois estamos a novecentas léguas de Reykjavik.
- Percorremos uma bela distância, meu filho. Mas só podemos afirmar que
estamos sob o Mediterrâneo em vez de sob a Turquia ou o Atlântico se não nos desviamos de nosso rumo.
- Não, o vento parecia constante; por isso acho que essa margem localiza-se a
sudeste de porto Grauben.
- Isso é fácil de averiguar consultando a bússola. Consultemos a bússola!
O professor dirigiu-se até o rochedo sobre o qual Hans depusera os instrumentos.
Estava feliz, alegre, esfregava as mãos, fazia pose! Realmente um meninão!
Acompanhei-o curioso de saber se não me enganara em minhas estimativas.
Chegando ao rochedo, meu tio pegou a bússola, deitou-a e observou a agulha,
que, após oscilar, parou numa posição fixa pela influência magnética. Meu tio
olhou, esfregou os olhos, olhou de novo. Finalmente, voltou-se para mim
estupefato.
- O que houve? - perguntei.
Fez um sinal para que eu examinasse o instrumento. Deixei escapar uma
exclamação de surpresa. A agulha marcava o norte no lugar onde supúnhamos
ser o sul! Voltava-se para a praia, em vez de mostrar o alto-mar!
Mexi na bússola, examinei-a; estava em perfeito estado. Por mais que
forçássemos outra posição para a agulha, esta retomava obstinadamente a
direção inesperada.
Assim, não havia mais dúvidas de que, durante a tempestade, uma virada de
vento que não percebêramos trouxera o barco de volta às margens que meu tio
acreditava ter deixado para trás.

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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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