quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CAPÍTULO XXXVIII


Para compreender essa evocação de meu tio aos ilustres cientistas franceses,
é preciso saber que ocorreu um fato muito importante na paleontologia pouco
tempo antes de nossa partida.
A 28 de março de 1863, empreiteiros de aterros que escavavam nas pedreiras de
Moulin-Quignon perto de Abbeville, no Departamento de Somme, sob a direção
de Boucher de Perthes, descobriram uma mandíbula humana catorze pés abaixo
da superfície do solo. Era o primeiro fóssil dessa espécie a ser descoberto. Perto
dele, foram encontrados machados de pedra e sílex talhados, coloridos e
revestidos pelo tempo de uma pátina uniforme.
Foi grande o impacto da descoberta, não somente na França mas também na
Inglaterra e na Alemanha. Vários cientistas do Instituto Francês, entre outros
Milne-Edwards e de Quatrefages, dedicaram-se ao caso de corpo e alma,
demonstraram a incontestável autenticidade das ossadas em questão e
transformaram-se nos mais ardentes defensores desse "processo da mandíbula",
como diziam os ingleses.
Uniram-se aos geólogos do Reino Unido, que consideravam o fato mais do que
certo, Falconer, Busk, Carpenter, etc., cientistas da Alemanha, entre eles, nas
primeiras fileiras, o mais fogoso, o mais entusiasta, meu tio Lidenbrock. A
autenticidade de um fóssil humano da era quaternária parecia; portanto,
incontestavelmente demonstrada e admitida.
É verdade que houve um adversário encarniçado do sistema, Élie de Beaumont.
Essa alta autoridade científica sustentava que o terreno de Moulin-Quignon não
pertencia ao dilúvio, mas a uma camada menos antiga, e, nesse ponto apoiado
por Cuvier, não admitia ser a espécie humana contemporânea dos animais da era
quaternária. Meu tio Lidenbrock, que concordava com a maioria dos geólogos,
manteve sua opinião, discutiu e brigou, e Élie de Beaumont ficou praticamente
sozinho na disputa.
Sabíamos de todos os detalhes do caso, mas ignorávamos que depois de nossa
partida tinham surgido novos dados. Nos terrenos movediços e cinzentos da
França, da Suíça e da Bélgica, foram encontradas outras mandíbulas idênticas,
apesar de pertencerem a indivíduos de vários tipos e nações diferentes, assim
como armas, utensílios, ferramentas, ossadas de crianças, adolescentes, homens
e velhos. A cada dia que passava, confirmava-se mais a existência do homem
quaternário.
E ainda: outros restos exumados do terreno terciário plioceno permitiram que os
cientistas mais audaciosos atribuíssem uma maior antigüidade à raça humana.
É verdade que esses restos não eram ossadas de homens, mas apenas objetos que
ele fizera, tíbias e fêmures de animais fósseis com estrias regulares, de certa
forma esculpidos, que traziam a marca do trabalho humano. Assim, de repente, o
homem revelava pertencer a tempos muito mais antigos; precedia o mastodonte,
era contemporâneo do elephasmericionalis, tinha cem mil anos de existência,
data determinada pelos geólogos mais famosos à formação do terreno plioceno.
Tal era a situação da ciência paleontológica, e o que dela sabíamos bastava para
explicar nossa atitude em relação àquele ossário do mar Lidenbrock. Todos
poderão compreender, portanto, o estupor e a alegria de meu tio, principalmente
quando, vinte passos à frente, encontrou-se diante de, pode-se dizer cara a cara,
com um dos espécimes do homem quaternário. Era um corpo humano
perfeitamente reconhecível. Um solo de natureza particular, como o do
cemitério Saint-Michel em Bordéus, seria capaz de conservá-lo dessa forma por
séculos?
Não sei dizer. Mas aquele cadáver, pele esticada e pergaminhosa, membros
ainda flexíveis - ao menos à visão -, os dentes intactos, basta cabeleira, unhas do
pé e das mãos horrivelmente compridas, revelava-se tal como vivera.
Fiquei mudo diante daquela aparição de outra era. Meu tio, tão loquaz, tão falador
normalmente, calou-se também. Havíamos erguido, colocado aquele corpo de
pé. Olhava-nos através de suas órbitas vazias. Apalpávamos seu torso sonoro.
Após alguns minutos de silêncio, o tio foi vencido pelo professor Otto Lidenbrock,
que, dominado por seu temperamento, esqueceu as circunstâncias de nossa
viagem, o ambiente em que estávamos, a imensa caverna. Com certeza, achou
que estava no Johannaeum, lecionando diante de seus alunos, pois assumiu um
tom pedante, e dirigindo-se a um auditório imaginário:
- Senhores - disse -, tenho a honra de apresentar-lhes um homem da era
quaternária. Grandes cientistas negaram sua existência, outros não menos
célebres, confirmaram-na. Se estivessem aqui, os são Tomé da paleontologia,
poderiam tocá-lo e reconhecer seu erro. Bem sei que a ciência deve tomar
cuidado com as descobertas desse gênero! Não ignoro que charlatães como
Barnum e outros da mesma espécie exploraram os homens fósseis de forma
desonesta. Conheço a história da rótula de Ajax. Do pretenso corpo de Oreste
encontrado pelos espartanos e do corpo de Astérius com cinco côvados de
comprimento, mencionado por Pausanias. Li relatórios sobre o esqueleto de
Trapani, descoberto no século XIV, no qual se teria reconhecido Polifemo, e a
história do gigante desenterrado no século XVI nos arredores de Palermo. Os
senhores sabem tanto quanto eu sobre a análise, feita junto a Lucerna em 1577,
das grandes ossadas que o célebre médico Felix Platter declarava pertencerem a
um gigante de dezenove pés! Devorei os tratados de Cassanion e todas as
memórias, brochuras, discursos e réplicas publicadas a propósito do esqueleto do
rei dos címbrios, Teutobochus, invasor da Gália, exumado de um areal do
Delfinado em 1613! No século XVIII, teria combatido ao lado de Pierre Campet
a existência dos pré-adamitas de Scheuchzer! Tive nas mãos o escrito chamado
Gigans...
Aqui voltou a aparecer a enfermidade natural de meu tio, que não conseguia
pronunciar as palavras difíceis em público.
- O escrito chamado Gigans... - tentou de novo.
Não conseguia prosseguir.
- Giganto...
Impossível! A palavra infeliz não queria sair! As risadas teriam dominado o
Johannaeum!
- Gigantosteologia - arrematou o professor Lidenbrock entre dois palavrões.
Depois, continuando em grande forma e animando-se:
- Sim, senhores, conheço todas essas coisas! Também sei que Cuvier e
Blumembach reconheceram nessas ossadas simples ossos de mamutes e outros
animais da era quaternária. Mas, nesse caso, qualquer dúvida seria uma injúria
à ciência! O cadáver está aqui! Vocês podem vê-lo, tocá-lo! Não é um
esqueleto, é um corpo intacto, conservado apenas para o estudo antropológico.
Não quis, de forma alguma, contradizer essa asserção.
- Se eu pudesse lavá-lo com uma solução de ácido sulfúrico - continuou meu tio -
, eliminaria todas as partes terrosas e as conchas resplandecentes nele
incrustadas. Mas não disponho do precioso solvente. No entanto, mesmo neste
estado, o corpo poderá contar-nos sua própria história. Naquele momento, o
professor pegou o fóssil do cadáver e manobrou-o com a habilidade de
mostrador de curiosidades.
- Como vocês vêem, não tem seis pés de comprimento e estamos longe dos
pretensos gigantes. Quanto à raça a que'pertence, é incontestavelmente
caucasiana. É de raça branca, de nossa raça! O crânio desse fóssil
é regularmente ovóide, sem desenvolvimento das maçãs do rosto nem projeção
do maxilar. Não apresenta qualquer característica do prognatismo que modifica
o ângulo facial. Meçam o ângulo, é de quase noventa graus. Mas irei ainda mais
longe nas deduções e ousarei dizer que essa amostra humana pertence à família
japética, espalhada desde as Índias até os limites da Europa Ocidental. Não
sorriam, senhores!
Ninguém estava sorrindo, mas o professor estava tão acostumado a ver o sorriso
desabrochar nos rostos durante suas dissertações científicas!
- Sim - continuou ainda mais animado -, eis um homem fóssil, contemporâneo
dos mastodontes, cujas ossadas se amontoam neste anfiteatro. Não me permitiria
dizer por que caminhos chegou até aqui, como essas camadas que o esconderam
escorregaram até essa cavidade enorme do globo. Sem dúvida, na era
quaternária, perturbações consideráveis ainda manifestavam-se na crosta
terrestre; o resfriamento contínuo do globo produzia rachaduras, fendas, falhas
para onde provavelmente resvalava parte do terreno superior. Não é nada
decisivo, mas, em fim, o homem está aqui, cercado de obras feitas por ele,
machados de sílex talhados, que constituíram a Idade da Pedra, e a menos que
tenha vivido como eu, como turista, como pioneiro da ciência, não posso colocar
em dúvida a autenticidade de sua origem antiga.
O professor calou-se e rebentei em aplausos unânimes. Além disso, meu tio tinha
toda a razão, e mesmo gente mais sábia que seu sobrinho não poderia refutar
seus argumentos.
Outro indício. Aquele corpo fossilizado não era o único daquele imenso ossário. A
cada passo naquela poeira encontrávamos mais corpos, entre os quais meu tio
poderia escolher os mais maravilhosos para convencer os incrédulos. Na
verdade, as gerações de homens e animais misturados naquele cemitério era um
espetáculo surpreendente. Mas havia um problema grave que não ousávamos
resolver. Os seres animados haviam escorregado devido a uma convulsão do solo
para as margens do mar Lidenbrock quando já reduzidos a pó? Ou teriam vivido
aqui, neste mundo subterrâneo, sob este céu artificial, tendo nascido e morrido
como os habitantes da Terra? Até então, os monstros marinhos, os próprios peixes
haviam aparecido vivos para nós! Será que algum homem do abismo ainda
estaria errando pelas praias desertas?

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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