quinta-feira, 8 de outubro de 2015

XXXI


No dia seguinte, acordei completamente curado. Achei que seria saudável tomar
um banho de mar, e fui banhar-me nas águas daquele Mediterrâneo. Não havia
dúvidas de que merecia esse nome. Voltei para o desjejum com muita fome.
Hans cozinhava nosso pequeno cardápio; como tinha água e fogo à sua
disposição, pôde variar um pouco o menu normal. Ao final da refeição, serviunos
café, e nunca tomei essa deliciosa bebida com tanto prazer.
- Agora, não devemos deixar de estudar o fenômeno da maré - disse meu tio.
- Como, maré! - surpreendi-me.
- É claro!
- A influência da Lua e do Sol são sentidas até aqui?
- Por que não? Os corpos não estão sujeitos em seu conjunto à atração universal?
Essa massa de água não pode fugir à regra geral. Assim, apesar da pressão
atmosférica em sua superfície, você vai ver como ela se ergue como o próprio
Atlântico.
Naquele momento, vagávamos pela areia das margens, e as ondas avançavam
gradualmente pela praia.
- A maré está subindo - gritei.
- Sim, Axel, e após a etapa da espuma, você verá que o mar vai se erguer cerca
de dez pés.
- É fantástico!
- Não, é natural.
- O senhor pode dizer o que quiser, meu tio, tudo isso parece-me extraordinário e
mal consigo acreditar no que estou vendo. Quem poderia imaginar que existisse
um verdadeiro oceano nessa crosta terrestre, com seus fluxos e refluxos, suas
brisas e tempestades?
- Por que não? Existe alguma razão física que o impeça?
- Não consigo imaginar, já que tenho de deixar de lado o sistema do calor
central.
- Então, até agora a teoria de Davy está justificada?
- É claro, nada contradiz a existência de mares ou terras no interior do globo.
- Sem dúvida, mas desabitados.
- Bem, por que essas águas não dariam abrigo a peixes de espécies
desconhecidas?
- Não vimos nenhum até agora.
- Podemos fabricar linhas e ver se o anzol teria tanto sucesso aqui quanto nos
oceanos sublunares.
- Tentaremos, Axel, pois temos de penetrar em todos os segredos dessas novas
regiões.
- Mas onde estamos, tio? Ainda não fiz a pergunta que seus instrumentos devem
ter respondido.
- Horizontalmente, a trezentas e cinqüenta léguas da Islândia.
- Tudo isso?
- Tenho certeza de que não me enganei em mais de quinhentas toesas.
- E a bússola continua indicando o sudeste?
- Sim, com uma declinação ocidental de dezenove graus e quarenta e dois
minutos, exatamente como na terra. Por sua inclinação, acontece um fato
curioso que observei com o maior cuidado.
- Qual?
- É que, em vez de inclinar-se para o pólo como no hemisfério boreal, a agulha
ergue-se.
- Devemos então concluir que o ponto de atração magnético está situado entre a
superfície do globo e o local onde chegamos?
- Exatamente, e é provável que, se chegarmos às regiões polares, próximo do
grau setenta, onde James Ross descobriu o pólo magnético, vejamos a agulha
erguer-se na vertical. Logo, esse misterioso centro de atração não está situado a
grande profundidade.
- De fato, e a ciência mal suspeita disso.
- A ciência, meu rapaz, é feita de erros, mas de erros que é bom cometer, pois
levam, pouco a pouco, à verdade.
- E a que profundidade estamos?
- Trinta e cinco léguas.
- Assim - disse, considerando o mapa -, a parte montanhosa da Escócia
está acima de nós, e ali os montes Grampians mostram, a uma altura prodigiosa,
seus cimos cobertos de neve.
- Sim - respondeu o professor, rindo. - É um pouco pesado para carregar, mas a
abóbada é sólida. O grande arquiteto do universo construiu-a com um bom
material; o homem nunca seria capaz de executá-la! O que são os arcos, as
pontes e as abóbadas das catedrais perto dessa nave de três léguas, sob a qual se
desenvolvem à vontade um oceano e suas tempestades?
- Oh, não tenho medo de que o céu nos caia sobre a cabeça. Agora, meu tio,
quais são seus planos? O senhor não está pensando em voltar à superfície do
globo?
- Voltar? Ora essa! Muito pelo contrário, pretendo continuar a viagem já que tudo
correu tão bem até aqui.
- É que não vejo como atravessaremos essa planície líquida.
- Não pretendo mergulhar de cabeça. Mas como os oceanos não passam
realmente de lagos, já que são cercados de terra, tenho mais certeza ainda de
que esse mar interior encontra-se circunscrito pelo maciço granítico.
- É verdade.
- Então estou certo de encontrar mais saídas nas margens opostas.
- Qual o comprimento que o senhor avalia para esse oceano?
- Trinta ou quarenta léguas.
- Ah! - disse, imaginando quanto essa estimativa poderia ser incorreta.
- Não temos, portanto, tempo a perder, e já amanhã cedo começaremos a
navegar.
Procurei involuntariamente com os olhos o navio que nos transportaria.
- Ah! - comentei -, embarcaremos. Muito bem. E em que embarcação?
- Não será uma embarcação, meu rapaz, mas uma boa jangada sólida.
- Uma jangada! - exclamei. - É tão impossível construir uma jangada quanto um
navio, e não consigo imaginar...
- Você não consegue imaginar, Axel, mas se você escutasse seria capaz de
ouvir!
- Ouvir?
- Sim, certas marteladas que lhe mostrariam que Hans já está trabalhando.
- Está construindo uma jangada?
- Está.
- Como? Já derrubou árvores com seu machado?
- Ah, as árvores já estavam derrubadas! Vamos vê-lo trabalhar.
Após quinze minutos de caminhada, do outro lado do promontório que formava o
portinho natural, vi Hans trabalhando. Mais alguns passos e estava a seu lado.
Para minha grande surpresa, uma jangada quase pronta repousava na areia. Era
feita de vigas de uma madeira especial, e o chão estava literalmente coberto por
um grande número de pranchões, amarras e espirais de todo tipo, que dariam
para construir todo um ancoradouro.
- Tio - exclamei -, que madeira é essa?
- Vários tipos de pinho, bétula, todas as espécies de coníferas do norte mineralizadas pela ação das águas do mar.
- Será possível?
- É o que chamamos de surtarbrandur, ou de madeira fóssil.
- Mas então, como a linhita, deve ser dura como pedra. Conseguirá flutuar?
- Às vezes não flutua, principalmente nos casos em que as madeiras se
transformaram em verdadeiros antracitos; mas em outros casos, como este, as
madeiras só sofreram um início de transformação fóssil. - Olhe - acrescentou
meu tio, lançando ao mar um daqueles restos preciosos.
Após ter desaparecido, o pedaço de madeira voltou à superfície e oscilou à
mercê das. ondulações.
- Está convencido? - disse meu tio.
- Estou principalmente convencido de que é incrível!
Graças à sua habilidade o guia terminou a jangada no dia seguinte à noite; tinha
dez pés de comprimento por cinco de largura; unidas entre si por fortes cordas, as
vigas de surtarbrandur ofereciam uma superfície sólida, e, assim que jogada, a
embarcação improvisada flutuou tranqüilamente nas águas do mar Lidenbrock.

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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