VOVÓ TIPPER MORREU do coração oito meses antes do verão dos quinze em Beechwood. Ela
era uma mulher estonteante, mesmo depois de velha. Cabelo branco, bochechas rosadas; alta e
magra. Foi vovó Tipper quem fez minha mãe amar tanto os cães. Sempre teve pelo menos dois
golden retrievers, às vezes quatro, desde a infância das filhas até morrer.
Minha avó era muito crítica e tinha seus favoritos, mas era afetuosa. Quando éramos
pequenos, quem levantava cedo em Beechwood podia ir até Clairmont acordá-la. Ela sempre
tinha massa de muffin na geladeira, que colocava em forminhas, então deixava os netos
comerem quantos quisessem antes de o resto da ilha acordar. Vovó Tipper nos levava para
colher frutas silvestres e nos ajudava a fazer torta ou uma coisa que chamava de bolo invertido
para comermos à noite.
Um de seus projetos era uma festa beneficente todos os anos para o Instituto Agrícola de
Martha’s Vineyard. Todos comparecíamos. Era ao ar livre, em belas tendas brancas. Os
pequenos corriam com roupa de festa e pés descalços. Johnny, Mirren, Gat e eu roubávamos
taças de vinho e ficávamos tontos e bobos. Minha avó dançava com Johnny, depois com meu
pai, depois com vovô, segurando a saia com uma das mãos. Eu tinha uma foto da minha avó
em uma dessas festas beneficentes. Ela usava um vestido de festa e segurava um leitão.
No verão dos quinze em Beechwood, vovó Tipper tinha partido. Clairmont parecia vazia.
A casa é cinza, em estilo vitoriano e tem três andares. Há uma pequena torre e uma varanda
cercada. Dentro, é repleta de cartuns originais da New Yorker, fotos de família, almofadas
bordadas, estatuetas, pesos de papel de marfim, peixes empalhados em quadros. Em todos os
lugares, todos, há belos objetos colecionados por Tipper e meu avô. No gramado há uma
enorme mesa, grande o bastante para acomodar dezesseis pessoas, e, a certa distância, um
balanço de pneu pendurado nos galhos de uma gigantesca acerácea.
Vovó costumava tumultuar a cozinha e planejar passeios. Fazia colchas em sua sala de
artesanato, e o zumbido da máquina de costura podia ser ouvido do andar de baixo. Dava
ordens para o caseiro usando luvas de jardinagem e jeans.
Agora a casa estava em silêncio. Nenhum livro de receita aberto sobre a bancada, nenhuma
música clássica no aparelho de som da cozinha. Mas o sabonete preferido dela ainda estava
em todas as saboneteiras. Eram suas plantas que cresciam no jardim. Suas colheres de pau,
seus guardanapos de pano.
Um dia, quando não havia ninguém por perto, fui até a sala de artesanato nos fundos do
térreo. Toquei a coleção de tecidos da minha avó, os botões brilhantes, as linhas coloridas.
Minha cabeça e meus ombros derreteram primeiro, seguidos pelo quadril e pelos joelhos.
Logo me transformei em uma poça, infiltrando-me nas lindas estampas do algodão. Ensopei a
colcha que ela nunca terminou, enferrujei as peças de metal de sua máquina de costura. Eu era
puro líquido naquele momento, durante uma ou duas horas. Minha avó. Minha avó. Perdida
para sempre, embora eu pudesse sentir seu perfume Chanel nos tecidos.
Minha mãe me encontrou.
Ela me fez agir como uma pessoa normal. Porque eu era. Porque eu podia. Ela me disse
para respirar fundo e me endireitar.
E eu fiz o que ela mandou. De novo.
Minha mãe estava preocupada com meu avô. Ele ficava perdido sem minha avó, segurando-
se em cadeiras e mesas para manter o equilíbrio. Era o chefe da família, e ela não queria que
ele se desestabilizasse. Queria que soubesse que suas filhas e seus netos ainda estavam por
perto, fortes e alegres como sempre. Era importante, ela disse; era gentil; era melhor. Não
cause transtorno, ela disse. Não faça as pessoas se lembrarem da perda.
— Você entende, Cady? O silêncio é uma camada protetora sobre a dor.
Eu entendi e consegui apagar vovó Tipper das conversas do mesmo modo que havia
apagado meu pai. Não com satisfação, mas por completo. Nas refeições com minhas tias, no
barco com meu avô, até mesmo sozinha com minha mãe, eu me comportava como se essas
duas pessoas críticas nunca tivessem existido. Os outros Sinclair faziam o mesmo. Quando
estávamos todos juntos, mantinham um sorriso largo no rosto. Havíamos feito o mesmo quando
Bess deixara tio Brody, o mesmo quando tio William deixara Carrie, o mesmo quando o cão
da minha avó, Peppermill, morreu de câncer.
Mas Gat nunca entendeu isso. Ele mencionava meu pai várias vezes, na verdade. Meu pai
considerava Gat um bom adversário de xadrez e uma audiência sempre disposta a ouvir seus
relatos chatos sobre história militar, então os dois passavam algum tempo juntos. “Lembra
quando seu pai pegou aquele caranguejo grande?”, Gat dizia. Ou, para minha mãe: “Ano
passado, Sam me falou que tinha um kit de pesca com mosca no ancoradouro. Você sabe onde
está?”.
A conversa durante o jantar era interrompida bruscamente quando ele mencionava minha
avó. Uma vez, Gat disse: “Sinto falta de quando ela ficava na ponta da mesa e servia a
sobremesa, vocês não sentem? Era tão típico dela”. Johnny teve que ficar falando alto sobre
Wimbledon até o desalento desaparecer de nosso rosto.
Sempre que Gat dizia essas coisas, de modo tão casual e verdadeiro, tão distraído, minhas
veias se abriam. Meu pulso se abria. Eu sangrava pela palma das mãos. Ficava com tontura.
Saía cambaleando da mesa ou desmoronava em uma agonia silenciosa e constrangedora,
esperando que ninguém da família notasse. Principalmente minha mãe.
Mas Gat quase sempre percebia. Quando o sangue pingava em meus pés descalços ou
escorria sobre o livro que estava lendo, ele era gentil. Envolvia meus pulsos em gaze branca e
macia e me fazia perguntas sobre o que tinha acontecido. Perguntava sobre meu pai e sobre
minha avó — como se falar sobre uma coisa fizesse melhorar. Como se feridas precisassem
de atenção.
Ele era um estranho em nossa família, mesmo depois de todos aqueles anos.
QUANDO EU NÃO ESTAVA SANGRANDO, e quando Mirren e Johnny estavam mergulhando ou
discutindo com os pequenos, ou quando todos estavam no sofá assistindo a filmes na TV de
tela plana de Clairmont, Gat e eu nos escondíamos. Sentávamos no balanço de pneu à meianoite,
braços e pernas enrolados, lábios quentes junto à pele na noite fria. Nas manhãs, nos
esgueirávamos, rindo, para o porão de Clairmont, com garrafas de vinho e enciclopédias. Lá,
nos beijávamos e nos maravilhávamos com a existência um do outro, nos sentindo misteriosos
e felizes. Às vezes ele me escrevia bilhetes e deixava com presentinhos sob meu travesseiro.
Alguém escreveu uma vez que um romance devia apresentar
uma série de pequenas surpresas. É a mesma coisa quando
passo uma hora com você.
E aqui está uma escova de dentes verde com um laço
amarrado.
Ela expressa meus sentimentos de maneira inadequada.
Foi melhor do que chocolate ficar com você ontem à noite.
Como sou bobo! Achei que nada fosse melhor do que
chocolate.
Em um gesto profundamente simbólico, te dou essa barra de
Vosges que comprei quando fomos para Edgartown. Pode
comer ou simplesmente sentar ao lado dela e se sentir
superior.
Eu não respondia com bilhetes, mas fazia desenhos bobos de nós dois com giz de cera.
Bonequinhos acenando em frente ao Coliseu, à Torre Eiffel, no alto de uma montanha, nas
costas de um dragão. Ele colava tudo sobre a cama.
Gat tocava em mim sempre que podia. Por baixo da mesa, durante o jantar; na cozinha,
quando estava vazia; secretamente, de forma hilária, por trás das costas do meu avô enquanto
ele conduzia o barco. Eu não sentia barreira entre nós. Contanto que não tivesse ninguém
olhando, passava os dedos ao longo das maçãs do rosto dele, em suas costas. Pegava sua mão,
pressionava o polegar junto a seu pulso e sentia o sangue correndo pelas veias.
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