QUANDO EU TINHA OITO ANOS, meu pai me deu uma pilha de livros de contos de fadas de Natal.
Eles tinham capas coloridas. O livro amarelo dos contos de fadas, O livro azul dos contos de
fadas, O vermelho, O verde, O cinza, O marrom e O laranja. Neles, havia contos do mundo
todo, variações e mais variações de histórias conhecidas.
Ao ler, ouvem-se ecos de uma história dentro da outra, depois ecos de outra dentro daquela.
Muitas têm a mesma premissa: era uma vez, três.
Três alguma coisa:
três porquinhos,
três ursos,
três irmãos,
três soldados,
três cabritos.
Três princesas.
Desde que voltei da Europa, escrevo alguns contos de fadas. Variações.
Tenho tempo, então vou contar uma história. Quer dizer, uma variação de uma história que
você já conhece.
ERA UMA VEZ um rei que tinha três lindas filhas.
Conforme envelhecia, ele começou a pensar quem deveria herdar o reino, uma vez que
nenhuma delas havia se casado e ele não tinha sucessor. O rei decidiu pedir que as filhas
demonstrassem seu amor por ele.
À princesa mais velha, perguntou: “Como define seu amor por mim?”.
Ela o amava na mesma extensão de todo o tesouro do reino.
À princesa do meio, ele perguntou: “Como define seu amor por mim?”.
Ela o amava com a força do ferro.
À princesa mais nova, ele perguntou: “Como define seu amor por mim?”.
A princesa mais nova pensou por um bom tempo antes de responder. Finalmente, disse
que o amava da mesma forma que a carne ama o sal.
“Então não me ama nada”, o rei concluiu. Ele expulsou a filha do castelo e suspendeu a
ponte para que ela não pudesse voltar.
Então a princesa mais nova vai para a floresta levando apenas um casaco e um filão de
pão. Vagueia em meio a um rigoroso inverno, abrigando-se embaixo das árvores. Chega em
uma pousada e é contratada como auxiliar de cozinha. Passam-se dias e semanas e a
princesa vai aprendendo a cozinhar. Em certo ponto, supera sua empregadora em
habilidade e sua comida fica conhecida em toda a região.
Anos se passam e a princesa mais velha se casa. A cozinheira da pousada prepara o
banquete do casamento.
Finalmente, um enorme leitão assado é servido. É o prato preferido do rei, mas dessa vez
foi preparado sem sal.
O rei prova a carne.
Prova novamente.
“Quem ousa servir um assado tão malfeito no casamento da futura rainha?”, ele grita.
A princesa-cozinheira aparece diante do pai, mas está tão mudada que ele não a
reconhece. “Eu nunca serviria sal ao senhor, Vossa Majestade”, ela explica. “Pois não
exilou sua filha mais nova por dizer que ele tinha valor?”
Ao ouvir essas palavras, o rei não apenas se dá conta de que aquela é sua filha, mas de
que é, na verdade, a filha que o ama mais.
E agora?
A filha mais velha e a do meio viveram com o rei esse tempo todo. Uma era favorecida
numa semana, a outra na seguinte. Elas haviam se afastado devido às constantes
comparações feitas pelo pai. Agora que a mais nova voltou, o rei tira o reino da mais velha,
que acabara de casar. Ela não será rainha, afinal, e fica enfurecida.
A princípio, a mais nova deleita-se com o amor paterno. Em pouco tempo, contudo,
percebe que o rei é louco e tem sede de poder. Ela será rainha, mas ao mesmo tempo será
obrigada a cuidar de um velho tirano pelo resto de seus dias. Não vai abandoná-lo, não
importa o quanto fique doente.
Ela fica porque o ama como a carne ama o sal?
Ou fica porque ele lhe prometeu o reino?
É difícil para ela notar a diferença.
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