terça-feira, 28 de abril de 2015

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OS DIAS QUE SE SEGUEM são mais escuros. Raramente os Mentirosos querem ir para algum
lugar. Mirren fica com dor de garganta e dor no corpo. Passa a maior parte do tempo em
Cuddledown. Pinta quadros para pendurar nos corredores e faz fileiras de conchas na beirada
das bancadas. A louça se empilha na pia e sobre a mesa de centro. DVDs e livros estão
amontoados por toda a sala. As camas estão desarrumadas, os banheiros têm cheiro de
umidade e mofo.
Johnny come queijo e assiste a comédias britânicas. Um dia ele pega vários saquinhos de
chá velhos, empapados, e os joga em uma caneca cheia de suco de laranja.
— O que está fazendo? — pergunto.
— Quem conseguir respingar mais ganha.
— Mas por quê?
— Minha mente funciona de maneira misteriosa — diz Johnny. — Acho que jogar de baixo
para cima deve ser a melhor técnica.
Ajudo-o a pensar em um sistema de pontos. Cinco para um respingo, dez para uma poça,
vinte para um padrão decorativo na parede.
Acabamos com uma garrafa inteira de suco. Quando termina, Johnny deixa a caneca e os
saquinhos encharcados onde caíram.
Eu não limpo.
Gat tem uma lista dos cem melhores romances já escritos, e está aproveitando para ler tudo
o que encontra na ilha. Ele marca os livros com post-its e lê passagens em voz alta. Homem
invisível. Uma passagem para a Índia. Soberba. Presto atenção média quando ele lê, porque
Gat não me beijou mais nem estendeu a mão para mim desde que concordamos em agir
normalmente.
Acho que ele evita ficar sozinho comigo.
Eu evito ficar sozinha com ele também, porque meu corpo todo deseja estar perto dele,
porque todos os movimentos que faz são carregados de eletricidade. Várias vezes penso em
envolvê-lo com os braços ou passar os dedos em seus lábios. Quando deixo meus
pensamentos aflorarem — se por um instante Johnny e Mirren estão fora do alcance da visão,
se mesmo por um segundo ficamos sozinhos — a dor aguda do amor não correspondido
convida a enxaqueca a entrar.
Nesses dias, ela é como uma velha encarquilhada e retorcida, tocando a carne viva do meu
cérebro com suas unhas desumanas. Cutuca meus nervos expostos, conjecturando se deve fixar
residência em meu crânio. Quando a velha entra, fico confinada em meu quarto por um ou dois
dias.
Almoçamos no telhado quase sempre.
Suponho que eles façam o mesmo quando estou doente.
De vez em quando, uma garrafa rola do telhado e o vidro estilhaça. Na verdade, há cacos e
mais cacos de vidro quebrado e grudento em toda a varanda.
Moscam sobrevoam, atraídas pelo açúcar.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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