NAQUELA NOITE eu acordo com frio. Chutei os cobertores e a janela está aberta. Eu sento muito
rápido e minha cabeça gira.
Uma lembrança.
Tia Carrie, chorando. Curvada, muco escorrendo pelo rosto, sem se preocupar em limpar.
Ela está debruçada para a frente, está tremendo, parece que vai vomitar. Está escuro e ela usa
uma blusa de algodão branca com uma jaqueta de náilon por cima — de Johnny, xadrez azul.
Por que ela está usando a jaqueta de Johnny?
Por que está tão triste?
Eu levanto e visto um moletom e sapatos. Pego uma lanterna e vou até Cuddledown. A sala
está vazia e iluminada pelo luar. Garrafas espalham-se pela bancada da cozinha. Alguém
deixou uma maçã cortada ali e ela está ficando marrom. Dá para sentir o cheiro.
Mirren está aqui. Não a tinha visto antes. Ela está debaixo da manta listrada, recostada no
sofá.
— Você está acordada — Mirren sussurra.
— Vim procurar vocês.
— Por quê?
— Tive uma lembrança. Tia Carrie estava chorando. Estava usando a jaqueta do Johnny.
Você se lembra de ter visto tia Carrie chorando?
— Algumas vezes.
— No verão dos quinze, quando ela tinha aquele cabelo curto?
— Não — responde Mirren.
— Por que não está dormindo? — pergunto.
Mirren sacode a cabeça.
— Não sei.
Eu me sento.
— Posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Preciso que me diga o que aconteceu antes do acidente. E depois. Você sempre diz que
não foi nada de mais, mas alguma coisa deve ter acontecido comigo além de bater a cabeça
enquanto nadava à noite.
— Ahã.
— Sabe o que foi?
— Penny disse que os médicos não querem que ninguém fale sobre isso. Você vai lembrar
no seu próprio ritmo e ninguém deve te pressionar.
— Mas eu estou pedindo, Mirren. Preciso saber.
Ela encosta a cabeça nos joelhos, pensando.
— O que você acha? — Mirren finalmente diz.
— Eu… imagino que tenha sido vítima de alguma coisa. — É difícil dizer essas palavras.
— Acho que fui estuprada, agredida, ou alguma outra coisa terrível. É esse tipo de coisa que
faz as pessoas terem amnésia, não é?
Mirren esfrega os lábios.
— Não sei o que dizer — ela afirma.
— Diga o que aconteceu — eu peço.
— Foi um verão confuso.
— Como?
— É tudo o que posso dizer, minha querida Cady.
— Por que você nunca sai de Cuddledown? — pergunto de repente. — Você quase não sai,
exceto para ir à praia pequena.
— Fui andar de caiaque hoje — ela diz.
— Mas você ficou mal. Você tem medo? — pergunto. — Tem agorafobia?
— Eu não me sinto bem, Cady — diz Mirren, na defensiva. — Sinto frio o tempo todo, não
consigo parar de tremer. Minha garganta está doendo. Se você se sentisse assim, também não
ia querer sair.
Eu me sinto pior do que isso o tempo todo, mas pelo menos dessa vez não menciono minhas
dores de cabeça.
— Devíamos contar para a Bess, então. Precisa ir ao médico.
Mirren faz que não com a cabeça.
— É só um resfriado bobo que não sara nunca. Estou reclamando como bebê. Pode pegar
um refrigerante para mim?
Não vou mais discutir. Pego um refrigerante para ela e ligamos a televisão.
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