NAQUELA NOITE, Gat e eu acabamos ficando sozinhos no telhado de Cuddledown. Mirren
estava enjoada e Johnny a levou para baixo para tomar um chá.
Vozes e música saíam da nova Clairmont, onde as tias e meu avô estão comendo torta de
mirtilo e tomando vinho do Porto. Os pequenos estão assistindo a um filme na sala.
Gat percorre a parte inclinada do telhado até a calha e sobe de novo. Parece perigoso, fácil
de cair — mas ele é destemido.
Agora é o momento de falar com ele.
Agora é o momento em que podemos parar de fingir que está tudo normal.
Procuro as palavras certas, a melhor forma de começar.
De repente, ele escala de volta para onde estou sentada em três passos largos.
— Você é muito, muito bonita, Cady — ele diz.
— É a luz da lua. Faz todas as meninas ficarem bonitas.
— Acho que você é bonita sempre e para sempre. — Sua silhueta contrasta com a luz. —
Você tem namorado em Vermont?
É claro que não tenho. Nunca tive namorado, exceto ele.
— Meu namorado se chama Oxicodona — digo. — Somos muito próximos. Fomos juntos
para a Europa no verão passado.
— Minha nossa. — Gat está irritado. Ele se levanta e se afasta até a beirada do telhado.
— Estou brincando.
Gat está de costas para mim.
— Você diz que não devemos ter pena…
— Sim.
— … mas fica falando essas coisas. Meu namorado se chama Oxicodona. Ou: Fiquei
olhando fixamente para a base azul do vaso sanitário italiano. E fica claro que você quer
que todo mundo fique com pena de você. E nós ficaríamos, eu ficaria, mas você não tem ideia
da sorte que tem.
Meu rosto cora.
Ele está certo.
Eu quero que as pessoas sintam pena de mim. Eu quero.
E depois não quero.
Eu quero.
E depois não quero.
— Desculpe — eu digo.
— Harris mandou você passar oito semanas na Europa. Acha que ele algum dia vai mandar
Johnny ou Mirren? E nunca me mandaria. Pense antes de reclamar sobre coisas que outras
pessoas adorariam ter.
Eu me contorço.
— Meu avô me mandou para a Europa?
— Ah, qual é? — Gat diz com amargura. — Acha mesmo que seu pai pagou por aquela
viagem?
Sei imediatamente que ele está dizendo a verdade.
É claro que meu pai não pagou pela viagem. Ele nem poderia. Professores universitários
não voam de primeira classe nem se hospedam em hotéis cinco estrelas.
Estou tão acostumada aos verões em Beechwood, despensas com um estoque interminável,
vários barcos a motor e empregados que grelham bifes e lavam roupas de cama em silêncio —
que nem parei para pensar de onde o dinheiro estava vindo.
Meu avô me mandou para a Europa. Por quê?
Por que minha mãe não foi comigo, se a viagem foi um presente do meu avô? E por que meu
pai aceitaria aquele dinheiro do meu avô?
— Você tem uma vida acontecendo diante dos seus olhos, com um milhão de possibilidades
— Gat diz. — Eu… eu fico incomodado quando você quer compaixão, só isso.
Gat, meu Gat.
Ele está certo. Está mesmo.
Mas ele também não entende.
— Sei que ninguém está me agredindo — digo, de repente na defensiva. — Sei que tenho
muito dinheiro e uma boa educação. Comida na mesa. Não estou morrendo de câncer. Muita
gente tem uma vida bem pior do que a minha. E sei que tive sorte de poder ir para a Europa.
Não devia reclamar disso nem ser ingrata.
— Então tá.
— Mas, ouça, você não tem ideia de como é ter dores de cabeça como essas. Não tem
ideia. Dói — eu digo, e percebo que há lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Às vezes é
difícil estar viva. Muitas vezes desejo estar morta, de verdade, só para fazer a dor parar.
— Não é verdade — ele diz com rispidez. — Você não deseja estar morta. Não diga isso.
— Só quero que essa dor acabe — digo. — Nos dias em que os remédios não funcionam.
Quero que acabe e faria qualquer coisa, sério, qualquer coisa, se tivesse a certeza de que
acabaria com a dor.
Faz-se um silêncio. Ele caminha até a beirada do telhado, sem olhar para mim.
— E o que você faz? Quando acontece isso?
— Nada. Eu fico lá deitada e espero, e me lembro repetidas vezes de que a dor não dura
para sempre. De que outro dia vai chegar e, depois dele, mais um. Qualquer dia desses, vou
me levantar e tomar café da manhã e me sentir bem.
— Outro dia.
— É.
Agora ele se vira e sobe o telhado em alguns passos. De repente, seus braços estão em volta
de mim, e estamos presos um ao outro.
Gat está tremendo um pouco e beija meu pescoço com lábios frios. Ficamos assim,
envolvidos nos braços um do outro, por um minuto ou dois,
e parece que o universo está se reorganizando,
e eu sei que qualquer raiva que sentíamos desapareceu.
Gat me beija nos lábios e toca meu rosto.
Eu o amo.
Sempre amei.
Ficamos lá no telhado por um longo, longo tempo. Para sempre.
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