GAT E EU fomos para a quadra de tênis alguns dias depois da briga com minha mãe. Jogamos
bolas para Fatima e Príncipe Philip em silêncio.
Finalmente, ele disse:
— Você já percebeu que Harris nunca me chama pelo nome?
— Não.
— Ele me chama de “meu jovem”. Tipo, “Como foi o ano na escola, meu jovem?”.
— Por quê?
— Parece que, se me chamasse de Gat, estaria na verdade dizendo: “Como foi o ano na
escola, garoto indiano cujo tio indiano vive em pecado com minha filha branca e pura? Garoto
indiano que peguei beijando minha preciosa Cadence?”.
— Acha que é isso que ele está pensando?
— Ele não me suporta — disse Gat. — Não mesmo. Pode gostar de mim como pessoa,
pode até gostar do Ed, mas não é capaz de dizer meu nome nem de olhar nos meus olhos.
Era verdade. Agora que ele tinha dito, eu percebia.
— Não estou dizendo que ele quer ser o cara que só gosta de gente branca — Gat
continuou. — Ele sabe que não deve ser esse cara. Ele é democrata, votou no Obama, mas
isso não quer dizer que se sinta confortável tendo pessoas de cor dentro de sua bela família.
— Gat sacudiu a cabeça. — Ele é falso com a gente. Não gosta da ideia de Carrie estar com
meu tio. Ele nem chama Ed de Ed. Chama de “senhor”. E faz questão de lembrar que sou um
forasteiro sempre que aparece uma chance. — Gat acariciou as orelhas macias de Fatima. —
Você viu como foi aquele dia no sótão. Ele quer que eu fique bem longe de você.
Eu não tinha enxergado a interrupção do meu avô dessa forma. Tinha achado que ele havia
ficado constrangido ao pegar a gente se beijando.
Mas agora, de repente, entendi o que tinha acontecido.
Cuidado, meu jovem, meu avô tinha dito. Cuidado com a cabeça. Você pode se machucar.
Era outra ameaça.
— Sabia que meu tio pediu Carrie em casamento no outono? — Gat perguntou.
Fiz que não com a cabeça.
— Eles estão juntos há quase nove anos. Ele é como um pai para Johnny e Will. Ele se
ajoelhou e a pediu em casamento, Cady. Eu, Johnny e Will estávamos lá, e a minha mãe.
Decorou o apartamento com velas e rosas. Todos nos vestimos de branco e havia comida de
um restaurante italiano que Carrie adora. Ele colocou Mozart para tocar. Johnny e eu até
perguntamos o motivo de tudo aquilo. Ela mora com você, cara. Mas meu tio estava nervoso.
Ele comprou um anel de diamantes. Bem, aí ela chegou e nós quatro ficamos escondidos no
quarto do Will. Era para sairmos correndo e desejando felicidades. Mas Carrie disse não.
— Achei que eles não quisessem casar.
— Meu tio quer. Carrie não quer arriscar sua herança idiota — Gat disse.
— Ela ao menos perguntou ao meu avô?
— Aí é que está — disse Gat. — Todo mundo sempre consulta Harris para tudo. Por que
uma mulher adulta tem que pedir aprovação do pai para se casar?
— Meu avô não a impediria.
— Não — disse Gat. — Mas, quando Carrie foi morar com Ed, Harris deixou claro que
todo o dinheiro que seria destinado a ela desapareceria se casasse com ele. A questão é que
Harris não gosta da cor do meu tio. Ele é um cretino racista, assim como Tipper era. Sim, eu
gosto dos dois por uma série de razões, e eles sempre foram mais do que generosos me
deixando vir para cá todo verão. Estou disposto até a achar que Harris nem percebe por que
não gosta do meu tio, mas o fato é que não gosta o suficiente para deserdar sua filha mais
velha.
Gat suspirou. Eu adorava a curva de seu queixo, o buraco em sua camiseta e os bilhetes que
escrevia para mim, o modo como sua cabeça funcionava, como ele movimentava as mãos
enquanto falava. Imaginava, na época, que o conhecia completamente.
Eu me aproximei e o beijei. Ainda parecia tão mágico poder fazer aquilo, e o fato de ser
correspondida. Tão mágico que mostrássemos nossas fraquezas um ao outro, nossos medos e
nossa fragilidade.
— Por que nunca falamos sobre isso? — sussurrei.
Gat me beijou novamente.
— Eu amo esse lugar — ele disse. — A ilha. Johnny e Mirren. As casas e o som do mar.
Você.
— Eu também.
— Parte de mim não quer estragar tudo isso. Não quer nem imaginar que não seja perfeito.
Entendi como ele se sentia.
Ou achei que entendesse.
Gat e eu descemos até a costa, depois caminhamos até uma grande pedra lisa de frente para
o porto. A água batia no litoral. Nós nos abraçamos, tiramos parte da roupa e esquecemos,
pelo maior tempo possível, todos os detalhes horríveis da bela família Sinclair.
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