ERA UMA VEZ um rei que tinha três lindas filhas. Essas filhas cresceram e se tornaram
mulheres, e as mulheres tiveram filhos, lindas crianças, muitas, muitas crianças, só que
algo ruim aconteceu,
algo idiota,
criminoso,
terrível,
algo que podia ter sido evitado,
algo que nunca deveria ter acontecido,
e ainda assim algo que pôde, com o tempo, ser perdoado.
As crianças morreram em um incêndio — todas menos uma.
Só sobrou uma, e ela…
Não, não está certo.
As crianças morreram em um incêndio, todas exceto três meninas e dois meninos.
Restaram três meninas e dois meninos.
Cadence, Liberty, Bonnie, Taft e Will.
E as três princesas, as mães, desmoronaram de raiva e desespero. Beberam e fizeram
compras, jejuaram, limparam e obcecaram. Uniram-se em luto, perdoaram umas às outras e
choraram. Os pais também ficaram irados, embora estivessem bem longe; e o rei, ele
sucumbiu a uma frágil loucura da qual sua antiga personalidade emergia só de vez em
quando.
As crianças eram malucas e tristes. Eram assoladas pela culpa de estarem vivas, por
dores de cabeça e medo de fantasmas, assoladas por pesadelos e estranhas compulsões,
castigo por estarem vivas quando as outras haviam morrido.
As princesas, os pais, o rei e as crianças esfarelaram-se como casca de ovo, quebradiços
e belos, pois sempre foram belos. Era
como se
como se
essa tragédia tivesse marcado o fim da família.
E talvez tenha sido isso.
Mas talvez não.
Eles formavam uma bela família. Ainda.
E sabiam disso. Na verdade, a marca da tragédia tornou-se, com o tempo, uma marca de
glamour. Uma marca de mistério e fonte de fascínio para aqueles que viam a família de
longe.
“As crianças mais velhas morreram em um incêndio”, dizem os moradores de Burlington,
os vizinhos de Cambridge, os pais dos alunos de uma escola particular em Manhattan e os
velhinhos de Boston. “A ilha pegou fogo”, dizem. “Lembram o que aconteceu alguns verões
atrás?”
As três lindas filhas ficaram ainda mais lindas aos olhos de seus observadores.
E esse fato nunca foi esquecido por elas. Nem por seu pai, mesmo em seu declínio.
E, ainda assim, as crianças que restaram,
Cadence, Liberty, Bonnie, Taft e Will,
sabem que a tragédia não é algo glamoroso.
Sabem que ela não acontece na vida do mesmo modo como no palco ou nas páginas de
um livro. Não é um castigo infligido nem uma lição aprendida. Seus horrores não são
atribuíveis a uma única pessoa.
A tragédia é feia e complicada, idiota e confusa.
É isso que as crianças sabem.
E elas sabem que as histórias
sobre sua família
são ao mesmo tempo verdade e mentira.
Existem infinitas variações.
E as pessoas continuarão a contá-las.
MEU NOME COMPLETO é Cadence Sinclair Eastman.
Moro em Burlington, Vermont, com minha mãe e três cães.
Tenho quase dezoito anos.
Tenho um cartão de biblioteca bem gasto, um envelope cheio de rosas desidratadas, um
livro de contos de fadas e um punhado de lindas pedras roxas. E pouco mais que isso.
Eu sou
a culpada
de um crime tolo e ilusório
que se transformou
em tragédia.
Sim, é verdade que me apaixonei por alguém e que ele morreu, com as duas outras pessoas
que eu mais amava no mundo. É o principal a se saber a meu respeito,
a única coisa a se saber a meu respeito por um bom tempo,
embora nem eu soubesse.
Mas deve haver mais.
Haverá mais.
MEU NOME COMPLETO é Cadence Sinclair Eastman.
Aguento enxaquecas. Não aguento idiotas
Gosto de distorcer significados.
Eu suporto.
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