terça-feira, 5 de maio de 2015

Capítulo 3



Thomas ficou ali sentado por vários minutos, esgotado demais para se mexer. Finalmente, obrigou-se a olhar para o edifício decadente. Um grupo de garotos aglomerava-se do lado de fora, olhando ansiosos para as janelas superiores como se esperassem que um monstro horrendo saltasse para fora em meio a uma explosão de vidros e madeira.
Um tilintar metálico entre os galhos acima chamou-lhe a atenção, atraindo seu olhar; um raio de luz prateada e vermelha capturou seus olhos imediatamente antes de desaparecer do outro lado do tronco. Ele se levantou e deu a volta na árvore, esticando o pescoço em busca de um sinal do que acabara de ouvir, mas só encontrou galhos nus, cinzentos e marrons, abrindo-se em forquilhas como dedos esqueléticos – e parecendo vivos.
— Isso foi um daqueles besouros mecânicos — disse alguém.
Thomas virou-se para a direita e encontrou um garoto em pé ao seu lado, baixo e rechonchudo, olhando na sua direção. Ele era bem jovem – provavelmente o mais novo de todo o grupo, pelo menos dos que ele conhecera até então, talvez com uns doze ou treze anos de idade. O cabelo castanho caía-lhe sobre as orelhas e o pescoço, roçando os ombros. Os olhos azuis brilhavam num rosto triste, fofo e corado.
Thomas fez um sinal para ele com um movimento de cabeça.
— Besouro... o quê?
— Besouro mecânico — repetiu o garoto, apontando para o alto da árvore. — Não fazem mal nenhum, a menos que você seja burro o bastante para encostar num deles. — Fez uma pausa. — Trolho.
Não pareceu à vontade dizendo essa última palavra, como se não tivesse entendido direito a gíria da Clareira.
Outro grito, dessa vez longo e arrepiante, rasgou o ar, e Thomas sentiu o coração parar. O medo espalhava-se como uma capa gelada sobre a sua pele.
— O que está acontecendo lá? — perguntou, apontando para o edifício.
— Sei lá — o menino rechonchudo respondeu; a sua voz ainda tinha os agudos esganiçados da infância. — O velho Benny está lá, sofrendo como um cão. Eles o pegaram.
— Eles? — Thomas não gostou do tom malicioso com que o garoto pronunciara a palavra.
— É.
— Quem são Eles?
— Melhor que você nunca descubra — respondeu o garoto, parecendo à vontade demais na situação. Ele estendeu a mão. — Eu sou Chuck. Eu era o Novato até você aparecer.
“É esse o meu guia esta noite?”, pensou Thomas. Mal conseguia superar o mal-estar extremo e agora já começava a se irritar. Nada fazia sentido; a cabeça doía.
— Por que todo mundo está me chamando de Novato? — quis saber, ao apertar rapidamente a mão de Chuck, logo soltando-a.
— Porque você é o mais novo Calouro. — Chuck apontou para Thomas e riu.
Outro grito partiu da casa, como se viesse de um animal faminto sendo torturado.
— Como pode estar rindo? — revoltou-se Thomas, horrorizado com o ruído. — Parece que alguém está morrendo lá.
— Ele vai ficar bem. Ninguém morre se conseguem trazê-lo a tempo para aplicar o Soro. É tudo ou nada. Morto ou vivo. Só que dói bastante.
Thomas pensou depressa.
— O que dói bastante?
Chuck desviou o olhar como se não soubesse ao certo o que dizer.
— Hã... ser picado pelos Verdugos.
— Verdugos? — Thomas estava ficando cada vez mais confuso.
Picado. Verdugos. As palavras transmitiam tanto medo que de repente não sabia se queria saber sobre o que Chuck estava falando.
Chuck deu de ombros, depois desviou o olhar e rolou os olhos para o alto.
Thomas suspirou frustrado e abandonou-se de encontro à árvore.
— Parece que você sabe pouco mais do que eu — disse, mas com certeza aquilo não era verdade.
A sua perda de memória era estranha. Conseguia se lembrar de muita coisa da vida, porém faltavam os dados específicos, os rostos, os nomes. Como um livro intacto, mas em que faltasse uma palavra a cada dez, tornando a leitura cansativa e confusa. Ele nem sequer sabia a própria idade.
— Chuck, quantos... quantos anos você acha que eu tenho?
O garoto olhou-o de cima a baixo.
— Eu diria uns dezesseis. E para o caso de estar em dúvida... um metro e oitenta... cabelos castanhos. Ah, e feio como um churrasquinho de figado torrado. — Ele deu uma risada.
Thomas estava tão atordoado que nem ouviu a última parte. Dezesseis? Tinha dezesseis anos? Sentia-se muito mais velho do que isso.
— Está falando sério? — Fez uma pausa, procurando as palavras. — Como... — Nem mesmo sabia o que perguntar.
— Não se preocupe. Vai ficar meio chapado nos primeiros dias, mas logo vai se acostumar com o lugar. Eu me acostumei. Vivemos aqui, só isso. Melhor do que viver num monte de plong. — Ele deu uma piscada, como que prevendo a próxima pergunta de Thomas. — Plong é outra palavra para cocô. O cocô faz plong quando cai no vaso...
Thomas olhou para Chuck, incapaz de acreditar que estava tendo aquela conversa.
— Legal — foi tudo o que conseguiu dizer.
Levantando-se, passou por Chuck em direção ao edifício decadente; choça seria um nome melhor para aquele lugar. Parecia ter três ou quatro andares de altura e estar prestes a desabar a qualquer momento – um amontoado maluco de troncos e tábuas presos com cordas, as janelas parecendo ter sido dispostas a esmo, os imensos muros de pedra cobertos de hera elevando-se por trás. Enquanto atravessava o pátio, o cheiro penetrante de uma fogueira e de algum tipo de carne assada fez o seu estômago contrair. Saber agora que os gritos vinham apenas de um garoto com dores foi um certo alívio para Thomas. Até pensar no que causara a dor...
— Qual é o seu nome? — indagou Chuck atrás dele, correndo para alcançá-lo.
— O quê?
— O seu nome! Ainda não nos contou... e sei que isso você deve se lembrar muito bem.
— Thomas. — Ele mal ouviu a si próprio... os seus pensamentos corriam em outra direção.
Se Chuck estivesse certo, acabara de descobrir uma ligação com os outros garotos. Um padrão comum de perda de memória. Todos se lembravam do próprio nome. Por que não do nome dos pais? Por que não do nome dos amigos? Por que não do sobrenome?
— Legal conhecê-lo, Thomas — falou Chuck. — Não precisa se preocupar, vou tomar conta de você. Cheguei há um mês e conheço tudo isso aqui. Você pode confiar no Chuck, certo?
Thomas estava quase chegando à porta da frente da choça e ao pequeno grupo de garotos aglomerados ali quando foi tomado por um repentino e surpreendente acesso de raiva. Virou-se para encarar Chuck.
— Você nem consegue me contar nada. Não diria que isso é tomar conta de mim.
Ele se voltou em direção à porta, com a intenção de entrar e encontrar algumas respostas. De onde tirara a coragem e a determinação súbitas não fazia a menor ideia.
Chuck encolheu os ombros.
— Nada do que eu disser vai fazer você se sentir melhor — falou. — Basicamente, ainda sou um Calouro também. Mas posso ser seu amigo...
— Não preciso de amigos — Thomas o interrompeu.
Chegou à porta, uma lousa de madeira sombria e desgastada pelo sol, então abriu-a para ver vários garotos de expressão séria esperando ao pé de uma escada torta, os degraus e corrimãos retorcidos e virados em todas as direções. As paredes da entrada e do corredor eram forradas com papel escuro já descascando em alguns pontos. Os únicos elementos decorativos à vista eram um vaso empoeirado sobre uma mesa de três pernas e um retrato em preto e branco de uma mulher idosa usando um vestido branco fora de moda. Aquilo lembrou a Thomas uma casa mal-assombrada de um filme ou coisa parecida. Faltavam até mesmo tábuas do assoalho.
O lugar recendia a poeira e bolor – um grande contraste com os aromas agradáveis do lado de fora. Luzes fluorescentes piscantes brilhavam no teto. Não tinha pensado nisso ainda, mas ficou se perguntando de onde vinha a eletricidade em um lugar como a Clareira. Olhou para a senhora na fotografia. Teria morado ali um dia? Teria cuidado daquelas pessoas?
— Ei, olhem, é o Novato — falou um dos rapazes mais velhos.
Sobressaltado, Thomas percebeu que era o garoto de cabelos pretos que lhe dirigira aquele olhar sinistro na chegada. Parecia ter uns quinze anos, era alto e magro. O nariz, do tamanho de um pequeno punho, lembrava uma batata deformada.
— Esse trolho provavelmente deve ter plongado nas calças quando ouviu o velho Benny gritar como uma menina. Está precisando trocar a fralda, cara de mértila?
— O meu nome é Thomas.
Tinha de se safar daquele cara. Sem mais palavras, encaminhou-se para a escada, só porque ela estava próxima, só porque não tinha a menor ideia do que fazer ou dizer. Mas o importuno postou-se na sua frente, levantando a mão.
— Alto lá, Fedelho. — Apontou com o dedo para o andar de cima. — Os Calouros não têm permissão para ver alguém que foi... pego. Newt e Alby não deixam.
— Qual é o seu problema? — reagiu Thomas, tentando não revelar o medo na voz, tentando não pensar no que o garoto quisera dizer com pego. — Nem mesmo sei onde estou. Só estou procurando ajuda.
— Escute aqui, Novato. — O garoto enrugou a face, cruzando os braços. — Já vi você antes. Alguma coisa cheira mal em você e vou descobrir o que é.
Uma onda de calor percorreu as veias de Thomas.
— Nunca vi você em toda a minha vida. Não faço ideia de quem você é, e não me interessa saber — desfechou. Mas de fato como ele saberia? E como aquele garoto podia lembrar-se dele?
O valentão soltou uma risadinha misturada com um bafo de catarro. Depois ficou sério, cerrando as sobrancelhas.
— Eu... vi você, trolho. Não há muitos neste lugar que podem dizer que foram picados. — Ele apontou para o alto da escada. — Eu fui. E sei o que o Ben está passando. Já estive lá. E vi você durante a Transformação. — Estendeu a mão e bateu no peito de Thomas. — E aposto a sua primeira refeição do Caçarola que o Benny vai dizer a mesma coisa também.
Thomas recusou-se a desviar o olhar, mas decidiu não dizer nada. O pânico começava a devorá-lo de novo. Será que as coisas nunca iam parar de piorar?
— Os Verdugos já o fizeram molhar as calças? — o garoto indagou com um sorriso irônico. — Está um pouquinho assustado agora? Não quer ser picado, né?
Lá vinha aquela palavra de novo. Picado. Thomas tentou não pensar nela e apontou para a escada, de onde os gemidos do garoto doente ecoavam pelo prédio.
— Se o Newt está lá em cima, então quero falar com ele.
O garoto não disse nada, limitou-se a olhar para Thomas por vários segundos. Então balançou a cabeça.
— Quer saber? Você está certo, Tommy Eu não devia me preocupar tanto com os Calouros. Suba lá e tenho certeza de que Alby e Newt vão deixar você por dentro de tudo. Sério, pode ir. Me desculpe.
Deu um tapinha nas costas de Thomas e afastou-se para o lado, fazendo um gesto em direção à escada. Mas Thomas sabia que o garoto estava tramando alguma coisa. Não é porque alguém perde parte da memória que se transforma em um idiota.
— Qual é o seu nome? — indagou Thomas, para ganhar tempo enquanto decidia se deveria subir ou não.
— Gally. E não se deixe enganar por ninguém. Sou eu quem realmente manda aqui, não as duas velhotas trolhas lá em cima. Eu. Pode me chamar de Comandante Gally se quiser.
Sorriu pela primeira vez; os dentes combinando com o nariz desagradável. Faltavam uns dois ou três e nenhum deles nem de longe se aproximava de algo de cor branca. A respiração que ele deixou escapar foi o bastante para Thomas sentir o bafo, fazendo-o lembrar-se de algo horrível na memória que não conseguia identificar. Aquilo fez o seu estômago revirar.
— Tudo bem — disse, com tanto nojo do garoto que teve vontade de gritar e dar-lhe um murro na cara. — Comandante Gally então.
Fez uma continência exagerada, sentindo uma descarga de adrenalina ao perceber que havia passado do limite.
Umas risadinhas escaparam do grupo e Gally olhou em volta, o rosto vermelho. Voltou a encarar Thomas, a raiva encrespando as suas sobrancelhas e enrugando o nariz monstruoso.
— Apenas suba a escada — falou Gally. — E fique longe de mim, cabeção. — Apontou de novo para o alto, mas não tirou os olhos de Thomas.
— Ótimo.
Thomas olhou ao redor uma vez mais, embaraçado, confuso, com raiva. Sentia o calor do sangue no rosto. Ninguém esboçou um movimento para impedi-lo de fazer o que Gally pedia, a não ser Chuck, que permaneceu na porta da frente balançando a cabeça.
— Não deve fazer isso — falou o garoto mais novo. — Você é um Calouro... não pode subir lá.
— Vá — disse Gally com um sorriso. — Suba lá.
Thomas arrependeu-se muito de ter entrado – mas realmente queria falar com Newt.
Começou a subir a escada. Cada degrau rangia e estalava sob o seu peso; ele poderia ter parado por causa do medo de cair por entre a madeira podre não fora pela situação incômoda que deixara lá embaixo. Continuou subindo, encolhendo-se a cada rangido da madeira. A escada dava num patamar depois do primeiro lance, virava à esquerda, depois chegava a um corredor com corrimãos que levava a diversos quartos. Só de uma porta saía luz pelo vão do batente inferior.
— A Transformação! — gritou Gally lá de baixo. — Procure por ela, cara de mértila!
Como se o sarcasmo de Gally lhe desse um ímpeto repentino de coragem, Thomas aproximou-se da porta acesa, ignorando os rangidos das tábuas do assoalho e as risadas lá embaixo – sem prestar atenção à chuva de palavras que não entendia, reprimindo os temores que elas induziam nele. Chegando, virou a maçaneta de latão e abriu a porta.
Dentro do quarto, Newt e Alby estavam inclinados sobre alguém deitado em uma cama.
Thomas aproximou-se um pouco para saber do que se tratava, mas quando conseguiu ver o estado do paciente, seu coração esfriou. Precisou conter o acesso de vômito que subiu pela garganta.
A visão foi rápida – de apenas alguns segundos – mas o bastante para assombrá-lo para sempre. Uma figura pálida e retorcida, contorcendo-se em agonia, o peito nu e horrendo. Os fios esticados e rígidos das veias esverdeadas de forma doentia espalhavam-se como teias por todo o corpo e membros do garoto, como cordas sob a pele. Estava coberto por hematomas arroxeados, brotoejas avermelhadas, arranhões sangrentos. Os olhos injetados de sangue saltavam das órbitas, como se pulsassem. A imagem já se fixara na mente de Thomas quando Alby deu um salto, bloqueando a visão, mas não os gemidos e os gritos, empurrando-o para fora do quarto e batendo a porta atrás dos dois.
— O que está fazendo aqui, Fedelho?! — gritou Alby, os lábios esticados de raiva, os olhos em brasa.
Thomas sentia-se fraco.
— Eu... hã... queria algumas respostas — murmurou, mas não conseguia imprimir força às palavras, sentindo-se arrasado por dentro.
O que havia de errado com aquele garoto? Thomas apoiou-se no corrimão do corredor e olhou para a porta, sem saber o que fazer.
— Leve essa cara de anão lá pra baixo agora mesmo — ordenou Alby. — Chuck vai lhe dizer o que fazer. Não quero mais ver você até amanhã cedo. Se por acaso encontrá-lo antes disso, será um homem morto. Atiro você do Penhasco eu mesmo, está me entendendo?
Thomas estava humilhado e apavorado. Sentiu que encolhia até ficar do tamanho de um camundongo. Sem dizer uma palavra, passou por Alby e encaminhou-se para os degraus rachados, andando o mais rápido que pôde. Ignorando os olhares embasbacados de todos lá embaixo – especialmente de Gally – foi direto para a porta, puxando Chuck pelo braço quando o alcançou.
Thomas odiou aqueles caras. Odiou todos eles. Exceto Chuck.
— Me leve para longe desses caras — pediu Thomas, concluindo que Chuck poderia ser, de fato, o seu único amigo no mundo.
— Você é quem manda — respondeu Chuck, a voz animada, como se gostasse de ser útil. — Mas primeiro deveríamos conseguir alguma coisa para comer com o Caçarola.
— Acho que nunca mais vou querer comer nada.
Não depois do que acabara de ver.
Chuck inclinou a cabeça concordando.
— Ah, vai, sim. Encontro com você na mesma árvore de antes. Dez minutos.
Thomas sentiu-se mais do que satisfeito em se afastar da casa e voltou para a árvore. Só havia estado ali por um curto tempo e já queria que tudo acabasse. O que mais desejava no mundo era se lembrar de algo sobre a sua vida anterior. Qualquer coisa. Sua mãe, seu pai, um amigo, a escola, um passatempo. Uma garota.
Piscou várias vezes com dificuldade, tentando tirar da cabeça a imagem que acabara de presenciar na choça.
A Transformação. Gally chamara aquilo de Transformação.
Não estava frio, mas Thomas tremeu mais uma vez.

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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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