sexta-feira, 12 de junho de 2015

Capítulo 09


Um estranho momento de completo silêncio pairou sobre a Clareira. Foi como se um vento
sobrenatural tivesse varrido o lugar e sugado todos os sons. Newt lera a mensagem em voz
alta para aqueles que não conseguiam ver o papel, mas, em vez de irromper em confusão,
todos os Clareanos permaneceram emudecidos.
Thomas esperara gritos e perguntas, discussões. Mas ninguém disse uma palavra; todos os
olhos estavam grudados na garota, agora deitada ali como se estivesse dormindo, o peito
subindo e descendo numa respiração suave. Ao contrário da conclusão original deles, ela
estava muito viva.
Newt levantou-se, e Thomas esperou uma explicação, algo razoável, uma presença
tranquilizadora. Mas tudo o que fez foi amassar o bilhete na mão, as veias saltadas enquanto o
esmagava, e Thomas sentiu um aperto no coração. Não estava bem certo do motivo, mas a
situação o deixara bem pouco à vontade.
Alby fechou as mãos em concha ao redor da boca.
- Socorristas!
Thomas imaginou o que aquela palavra significava - ele sabia que a ouvira antes -, mas
então recebeu um brusco empurrão para o lado. Dois garotos mais velhos abriam caminho
através do grupo - um era alto e com o cabelo cortado bem rente, o nariz do tamanho de um
limão grande. O outro era baixo e, surpreendentemente, já tinha cabelos grisalhos conquistado
espaço por entre os fios negros nas laterais da cabeça. Thomas só esperou que tivessem
alguma percepção correta daquilo tudo.
- E aí, o que fazemos com ela? - indagou o mais alto, a voz muito mais aguda do que
Thomas imaginava.
- Eu é que vou saber? - respondeu Alby. - Vocês dois trolhos são os Socorristas... viremse.
"Socorristas", Thomas repetiu na sua cabeça, uma luz se apagando. "Deve ser a coisa mais
parecida com médico que eles têm." O baixinho já estava no chão, ajoelhado ao lado da
garota, sentindo a sua pulsação e inclinando-se para ouvir o batimento cardíaco.
- Quem disse que o Clint teve a primeira vez com ela? - alguém gritou do grupo. Ouviramse
várias risadas. - Eu sou o próximo!
"Como é que eles podem fazer piada?", pensou Thomas. "A garota está meio morta." Ele
se sentiu enjoado.
Alby semicerrou os olhos; a sua boca se repuxou num sorriso torto, que não denotava
nenhum traço de humor.
- Se alguém tocar na garota - disse Alby -, vai passar a noite dormindo com os Verdugos
no Labirinto. Banimento, sem dúvida. - Fez uma pausa, virando-se lentamente em círculo,
como se quisesse que todos vissem o seu rosto. - Acho bom que ninguém toque nela! Ninguém!
Era a primeira vez que Thomas gostava de ouvir algo que saía da boca de Alby.
O garoto mais baixo que fora indicado como Socorrista - Clirat, se o espectador estivesse
correto - levantou-se depois de concluir o exame.
- Ela parece estar bem. A respiração está boa, o batimento normal. Talvez um pouco lento.
O seu palpite é tão bom quanto o meu, mas eu diria que ela está em coma. Jeff, vamos levá-la
para a Sede.
O parceiro dele, Jeff, adiantou-se para segurá-la pelos braços, enquanto Clint a sustentava
pelos pés. Thomas gostaria de poder fazer mais do que observar - a cada segundo que
passava, ele tinha mais dúvidas se o que dissera antes era verdade. Ela lhe parecia familiar,
sim; ele sentia uma ligação com ela, embora fosse impossível recordar algo. A ideia o deixou
nervoso e ele olhou ao redor, como se alguém pudesse ter escutado seus pensamentos.
- No três - quem falava era Jeff, o Socorrista mais alto, a sua estatura elevada parecendo
ridícula por ele estar inclinado, como se estivesse rezando. - Um... dois... três!
Eles a levantaram com um movimento rápido, quase lançando-a para o ar - obviamente ela
era mais leve do que esperavam - e Thomas por pouco não gritou para tomarem mais cuidado.
- Acho que precisamos ver como ela reage - disse Jeff para ninguém em particular. -
Podemos dar um pouco de sopa a ela se não acordar logo.
- Só a observem com atenção - orientou Newt. - Ela deve ter alguma coisa de especial ou
então não a mandariam para cá.
O estômago de Thomas se contraiu. Sabia que tinha algum tipo de ligação com a garota.
Vieram com um dia de diferença, ela lhe parecia familiar, ele tinha uma ânsia premente de se
tornar um Corredor, apesar de ficar sabendo de tantas coisas horríveis... O que significava
aquilo tudo?
Alby inclinou-se para observar o rosto da garota mais uma vez antes que a levassem.
- Coloquem a garota ao lado do quarto de Ben e fiquem de olho nela dia e noite. Quero
saber de tudo o que acontecer. Não me interessa se ela falar dormindo ou comer alguma
porcaria... venham me contar.
- Tudo bem - Jeff murmurou; então ele e Clint saíram apressados em direção à Sede, o
corpo da garota balançando enquanto avançavam, e os outros Clareanos finalmente voltaram a
conversar, espalhando-se enquanto as teorias borbulhavam no ar.
Thomas observava tudo em muda contemplação. A estranha ligação que sentira não era só
sua. As acusações não tão discretas que lhe haviam lançado alguns minutos antes provavam
que os outros desconfiavam de algo também. Mas do quê? Ele já estava completamente
confuso - ser acusado de coisas só o fazia se sentir pior. Como se lesse os seus pensamentos,
Alby aproximou-se e colocou a mão no seu ombro.
- Você nunca a viu antes? - indagou ele.
Thomas hesitou antes de responder:
- Não... não, não que eu me lembre. - Esperou que a voz trêmula não traísse as suas
dúvidas. E se ele a conhecesse de alguma forma? O que isso significaria?
- Tem certeza disso? - Newt instigou, parado logo atrás de Alby.
- Eu... não, acho que não. Por que estão me interrogando dessa maneira? - Tudo o que
Thomas queria naquele momento era que a noite caísse, para poder ficar sozinho, ir dormir.
Alby abanou a cabeça, depois voltou-se para Newt, soltando o ombro de Thomas.
- Tem alguma coisa errada. Convoque um Conclave. - Ele tinha falado baixo o bastante
para que Thomas pensasse que ninguém tivesse ouvido, mas seu tom prenunciava algo ruim.
Então o líder e Newt se afastaram, e Thomas ficou aliviado ao ver Chuck vir em sua direção.
- Chuck, o que é Conclave?
O garoto pareceu orgulhoso por saber a resposta.
- É uma ocasião em que os Encarregados se reúnem. Só convocam um quando acontece
alguma coisa estranha ou terrível.
- Bem, acho que o dia de hoje se encaixa muito bem nessas duas categorias. - O estômago
de Thomas roncou, interrompendo os seus pensamentos. - Não terminei o meu café da manhã...
será que conseguimos alguma coisa para comer em algum lugar? Estou morrendo de fome.
Chuck levantou os olhos para ele, as sobrancelhas erguidas.
- Ver aquela coisinha magra o deixou com fome? Você deve ser mais aloprado do que
pensei.
Thomas suspirou.
- Veja se me arranja alguma coisa para comer.
A cozinha era pequena mas tinha todo o necessário para fazer uma refeição saborosa. Um
grande fogão, um micro-ondas, uma lava-louças, duas mesas. Parecia velha e gasta, mas
limpa. Ver os utensílios e a decoração familiar fez Thomas sentir como se lembranças -
lembranças verdadeiras, concretas - aflorassem em sua memória. Mas de novo as partes
essenciais estavam faltando - nomes, rostos, lugares, acontecimentos. Era de enlouquecer.
- Sente-se - falou Chuck. - Vou preparar alguma coisa, mas juro que é a última vez. Fique
feliz pelo Caçarola não estar por perto... ele odeia quando atacamos a sua geladeira.
Thomas sentiu-se aliviado por estarem sozinhos. Enquanto Chuck se ocupava com pratos e
coisas de geladeira, Thomas puxou uma cadeira de madeira que estava junto a uma pequena
mesa de plástico e sentou-se.
- Isso é loucura. Como tudo isso pode ser de verdade? Alguém nos mandou aqui. Alguém
maligno.
Chuck parou por um instante.
- Pare de reclamar. Apenas aceite a situação e não pense mais.
- Certo, tudo bem. - Thomas olhou pela janela. Aquele parecia um bom momento para
fazer uma das milhões de perguntas que ocupavam o seu pensamento. - E aí, de onde vem a
eletricidade?
- Quem se importa? É só usar.
"Que surpresa", pensou Thomas. "Nenhuma resposta."
Chuck trouxe dois pratos com sanduíches e cenouras para a mesa. O pão era pesado e
branco, as cenouras de um laranja vivo e brilhante. O estômago de Thomas implorou para que
se apressasse; ele pegou o sanduíche e começou a devorá-lo.
- Cara... - murmurou com a boca cheia. - Pelo menos a comida é boa.
Thomas conseguiu comer o resto da sua refeição sem ouvir nenhuma palavra de Chuck. E
teve sorte que o garoto não estivesse com vontade de falar, porque, apesar dos muitos
acontecimentos estranhos de que era capaz de lembrar, Thomas se sentia calmo de novo. O
estômago cheio, a energia reposta, a mente agradecida por alguns instantes de silêncio, ele
decidiu que daquele momento em diante pararia de reclamar e enfrentaria a situação.
Depois da última mordida, Thomas recostou-se na cadeira.
- E aí, Chuck - disse enquanto limpava a boca com um guardanapo -, o que preciso fazer
para me tornar um Corredor?
- Não me venha com essa de novo. - Chuck levantou os olhos do prato, onde estava
catando farelos. Soltou um arroto baixinho e gorgolejante que fez Thomas se encolher.
- Alby disse que começaria os meus testes com os diversos Encarregados. Então, quando
devo ter contato com os Corredores? - Thomas esperou pacientemente para receber algum tipo
de informação consistente de Chuck.
O garoto rolou os olhos de maneira afetada, não deixando nenhuma dúvida de quanto
considerava aquela uma ideia estúpida.
- Eles devem estar de volta em algumas horas. Por que não pergunta a eles?
Thomas ignorou o sarcasmo, procurando saber mais.
- O que eles fazem quando retornam todas as noites? O que acontece naquele edifício de
concreto?
- Mapas. Eles se reúnem logo depois que voltam antes de se esquecerem de alguma coisa.
"Mapas?" Thomas estava confuso.
- Mas se estão tentando fazer um mapa, eles não têm papel para escrever quando estão lá
fora? - Mapas. Aquilo o deixou mais intrigado do que tudo o que ouvira no pouco tempo que
estava ali. Era a primeira coisa que sugeria uma possibilidade de solução para o seu drama.
- É claro que eles têm, mas ainda há coisas sobre as quais precisarei conversar, discutir,
analisar e toda essa porcaria. Mas - o garoto rolou os olhos - eles passam a maior parte do
tempo correndo, não escrevendo. É por isso que são chamados de Corredores.
Thomas refletiu sobre os Corredores e sobre os mapas. Será que o Labirinto era assim tão
imenso que até mesmo depois de dois anos eles ainda não haviam encontrado uma saída?
Parecia impossível. Mas então ele se lembrou do que Alby dissera sobre os muros se
moverem. E se todos eles estivessem sentenciados a viver ali até a morte?
Sentenciados. A palavra lhe provocou um acesso de pânico, e a centelha de esperança que
a refeição trouxera se desfez com um silvo silencioso.
- Chuck, e se formos todos criminosos? Quero dizer... e se formos assassinos ou coisa
parecida?
- Há? - Chuck ergueu os olhos para ele como se estivesse diante de um louco. - De onde
veio esse feliz pensamento?
- Pense nisso. As nossas lembranças são apagadas. Vivemos num lugar que parece não ter
saída, cercado por guardas monstruosos sedentos de sangue. Não lhe parece algum tipo de
prisão? - Enquanto dizia aquilo em voz alta, a ideia lhe soava cada vez mais possível. A
náusea insinuou-se no seu peito.
- Eu tenho provavelmente doze anos, cara. - Chuck apontou para o próprio peito. - No
máximo treze. Você acha que fiz alguma coisa que me mandaria para a prisão para o resto da
minha vida?
- Não quero saber o que você fez ou deixou de fazer. De qualquer modo, você foi mandado
para uma prisão. Isso aqui por acaso parece com as suas férias? - "Ah, cara", Thomas pensou.
"Por favor, tomara que eu esteja enganado."
Chuck refletiu por um instante.
- Não sei, não. É melhor do que...
- Sim, eu sei, viver num monte de plong. - Thomas levantou-se e empurrou a cadeira de
volta para baixo da mesa. Gostava de Chuck, mas tentar ter um conversa inteligente com ele
era impossível. Para não dizer frustrante e irritante. - Vá fazer outro sanduíche para você...
vou sair para explorar. A gente se vê à noite.
Ele saiu da cozinha para o pátio antes que Chuck pudesse se oferecer para acompanhá-lo.
A Clareira voltara à atividade de costume - os garotos envolvidos com as suas tarefas, as
portas da Caixa fechadas, o sol brilhando. Qualquer sinal de uma garota louca portando um
bilhete sobre o juízo final desaparecera. Depois de ter a sua visita ao lugar interrompida, ele
decidiu fazer uma caminhada pela Clareira por conta própria e dar uma olhada melhor para
sentir o lugar. Encaminhou-se para o canto noroeste, na direção das grandes fileiras de altos
milharais que pareciam prontos para a colheita. Havia outras plantações além daquela: pés de
tomate, alface, ervilha, e muitas mais que Thomas não conseguiu identificar. Respirou fundo,
adorando o aroma fresco da terra e das plantas crescendo. Estava quase certo de que o cheiro
traria de volta algum tipo de lembrança agradável, mas não aconteceu nada. Quando se
aproximou, viu que vários garotos estavam capinando e recolhendo as ervas daninhas dos
canteiros. Um acenou para ele com um sorriso. Um sorriso de verdade.
"Talvez este lugar não seja tão ruim, afinal de contas", pensou Thomas. "Nem todo mundo
aqui deve ser um idiota." Mais uma vez respirou profundamente o ar agradável e se livrou
daqueles pensamentos, havia muito mais coisas para ver.
Em seguida vinha o canto sudeste, onde cercas de madeira precárias guardavam diversas
vacas, cabritos, ovelhas e porcos. No entanto, não se viam cavalos. "É uma pena", pensou
Thomas. Cavaleiros seriam muito mais rápidos do que Corredores. Quando se aproximou,
percebeu que devia lidar com animais na sua vida anterior à Clareira. O seu cheiro, os sons
que produziam... pareciam-lhe muito familiares.
O cheiro não era tão bom quanto o das plantações, mas ele imaginou que podia ser muito
pior. Enquanto explorava o lugar, foi percebendo cada vez mais como os Clareanos cuidavam
bem daquilo, como tudo era limpo. Estava impressionado de ver como eram organizados,
como deviam trabalhar duro. Ficou pensando como o lugar poderia ser horrível se todo mundo
fosse preguiçoso e burro.
Finalmente, chegou à parte sudoeste, perto da floresta.
Estava se aproximando das árvores ralas, esqueléticas, na frente dos bosques mais
frondosos, quando se assustou com um sinal de movimento aos seus pés, seguido por uma
sequência rápida de sons tilintantes. Olhou para baixo a tempo de ver o sol refletindo em algo
metálico - um rato de brinquedo - esgueirando-se para passar por ele em direção à pequena
floresta. A coisa já estava a uns três metros de distância no momento em que percebeu que não
se tratava de um rato - era mais parecido com um lagarto, com pelo menos seis pernas
movimentando depressa o comprido corpo prateado.
Um besouro mecânico. "É assim que eles nos observam", dissera Alby.
Ele viu um brilho de luz vermelha projetando-se no chão à frente da criatura como se
saísse dos seus olhos. A lógica lhe disse que a sua mente devia estar lhe pregando peças, mas
ele podia jurar que tinha visto a palavra CRUEL espalhada sobre as costas arredondadas da
criatura, em grandes letras verdes. Algo tão estranho precisava ser investigado.
Thomas correu atrás do espião fujão e em questão de segundos entrou por entre as grossas
árvores copadas e o mundo escureceu.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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