Nem Thomas nem Minho haviam se movido um centímetro.
Thomas finalmente parara de chorar; não podia deixar de pensar sobre o que Minho
acharia dele, ou se contaria aos outros, chamando-o de maricas. Havia perdido o autocontrole:
sabia que não teria sido capaz de evitar as lágrimas. Apesar da falta de memória, tinha certeza
de que acabara de passar pela noite mais traumática de sua vida. E as mãos cheias de feridas e
a completa exaustão não ajudavam nada.
Com o amanhecer em pleno desenvolvimento, arrastou-se outra vez até a borda do
penhasco e esticou a cabeça para ver melhor. O céu que se abria diante dele era de um
púrpura intenso, que se esmaecia aos poucos para assumir o azul brilhante do dia, com
pinceladas de laranja do sol, que se encontrava num horizonte plano e distante.
Daquela posição, viu que o muro de pedra do Labirinto prolongava-se rumo ao chão
verticalmente até desaparecer. Mas mesmo com a claridade cada vez mais intensa, ainda não
saberia dizer o que havia ali. Era como se o Labirinto estivesse incrustado numa estrutura a
vários quilômetros acima do chão.
"Mas isso é impossível", pensou. "Não pode ser. Com certeza é uma ilusão."
Rolou para o lado ficando de barriga para cima. Gemeu com o movimento. Seu corpo doía
em lugares que nem sabia que existiam. Pelo menos as Portas logo se abririam e eles
poderiam voltar à Clareira. Olhou para Minho, largado de encontro ao muro do corredor.
- Não acredito que ainda estamos vivos - disse.
Minho não respondeu, apenas assentiu com a cabeça, o rosto sem esboçar uma expressão.
- Será que existem mais deles? Ou será que matamos todos?
- Ainda bem que fizemos isso ao nascer do sol, ou teríamos mais uns dez atrás de nós em
pouco tempo. - Ele endireitou o corpo, encolhendo-se e gemendo. - Não consigo acreditar.
Sério. Conseguimos atravessar toda uma noite... ninguém conseguiu isso antes.
Thomas sabia que devia sentir-se orgulhoso, corajoso, algo parecido. Mas tudo o que
sentia era cansaço e alívio.
- O que fizemos de diferente?
- Sei lá. É difícil perguntar a um morto o que ele fez de errado.
Thomas não conseguiu evitar de se perguntar como os gritos odiosos dos Verdugos
terminavam quando eles caíam do Penhasco, e como não fora capaz de vê-los se precipitando
para a morte. Havia alguma coisa muito estranha e perturbadora naquilo.
- Parece que eles desapareceram ou algo assim depois de passarem pela borda.
- É, isso foi meio doido. Alguns Clareanos tinham uma teoria de que outras coisas tinham
desaparecido, mas mostramos que estavam errados. Veja isso.
Minho atirou uma pedra no Penhasco, e Thomas acompanhou a sua trajetória com o olhar.
Ela foi descendo, descendo até ficar pequena o bastante para ser observada.
- E como isso prova que estavam errados? - perguntou Thomas.
Minho deu de ombros.
- Bem, a pedra não desapareceu agora, desapareceu?
- Então o que você acha que aconteceu? - Tinha alguma coisa importante ali, Thomas
podia sentir isso.
Minho deu de ombros outra vez.
- Talvez sejam criaturas mágicas. Estou com a cabeça doendo demais para pensar nisso.
De repente, Thomas lembrou-se de Alby.
- Precisamos voltar - disse enquanto fazia um grande esforço para se levantar. - Vamos
pegar o Alby lá no muro. - Notando a expressão confusa de Minho, ele explicou rapidamente o
que tinha feito com os ramos da hera.
Minho baixou o olhar, os olhos abatidos.
- É impossível que esteja vivo.
Thomas recusou-se a acreditar nele.
- Como você sabe? Vamos. - Ele saiu mancando de volta pelo corredor.
- Porque ninguém nunca conseguiu....
A voz dele se apagou, e Thomas adivinhou em que estava pensando.
- É porque quando vocês os encontravam eles já tinham sido mortos pelos Verdugos. Alby
só foi atingido por uma daquelas agulhas, certo?
Minho levantou-se e acompanhou Thomas na sua lenta caminhada de volta à Clareira.
- Não sei não, acho que isso nunca aconteceu antes. Poucos caras foram picados durante o
dia. E esses foram os que receberam o Soro e passaram pela Transformação. Os coitados dos
trolhos que ficaram presos no Labirinto durante toda a noite só foram encontrados muito tempo
depois... às vezes dias depois. Isso quando foram encontrados. E todos estavam mortos de um
modo que você não iria querer saber.
Thomas estremeceu só de pensar.
- Depois do que acabamos de enfrentar, acho que posso imaginar.
Minho ergueu o olhar, o semblante transformado pela surpresa.
- Acho que você acabou de descobrir. Nós estávamos errados... bem, tomara que seja
assim. Como nenhum dos que foram picados e não conseguiram retornar ao entardecer jamais
sobreviveu, a gente achou que não tinha mais jeito... por ser tarde demais para tomar o Soro. -
Ele parecia empolgado com essa linha de pensamento.
Eles dobraram mais uma esquina, e Minho, de repente, tomou a dianteira. O ritmo do rapaz
se acelerou, mas Thomas o acompanhou, surpreso de ver como estava familiarizado com o
caminho, até mesmo inclinando-se para as curvas antes de Minho indicar as direções.
- Certo... e esse tal de Soro? - quis saber Thomas. -já ouvi falar dele um monte de vezes.
O que é isso? E de onde ele vem?
- É exatamente o que dizemos, trolho. Um soro. 0 Soro da Dor.
Thomas forçou uma risada sem graça.
- Justo quando começava a pensar que sabia tudo sobre este lugar idiota. Por que o
chamam assim? E por que os Verdugos são chamados Verdugos?
Minho foi explicando enquanto continuavam pelas voltas intermináveis do Labirinto,
nenhum deles à frente no momento.
- Não sei de onde tiramos os nomes, mas o Soro vem dos Criadores... pelo menos é esse o
nome que damos a eles. Vem com os suprimentos na Caixa toda semana, sempre veio. É um
medicamento ou um antídoto ou qualquer coisa assim, já dentro de uma seringa, pronto para o
uso. - Ele fez um gesto de aplicar uma injeção no próprio braço. - Você aplica essa coisa em
alguém que foi picado e isso salva o cara. Ele vai passar pela Transformação... que é
horrível... mas depois estará curado.
Ficaram alguns minutos em silêncio, enquanto Thomas refletia sobre as informações.
Pensou sobre a Transformação e o que significaria. E por alguma razão, voltou a pensar na
garota.
- Engraçado... - Minho finalmente continuou. - Nunca conversamos sobre isso antes. Se
Alby ainda estiver vivo, não há motivo para pensar que ele não possa ser salvo pelo Soro. De
alguma forma colocamos na nossa cabeça de plong que toda vez que as portas se fechavam era
o fim. Quero ver com meus próprios olhos essa história de Alby estar pendurado no muro...
acho que você está me enganando.
Os dois continuaram andando, Minho quase parecia feliz, mas alguma coisa incomodava
Thomas. Ele vinha tentando evitar aquilo, negar para si mesmo.
- E se outro Verdugo pegou o Alby depois que distraí aquele que me perseguiu?
Minho o encarou, sena expressão nenhuma no rosto.
- É melhor deixar de lado a conversa e andar mais depressa - falou Thomas, esperando
que todo o esforço para salvar Alby não tivesse sido em vão.
Eles tentaram apertar o passo, mas o seu corpo doía demais e acabaram se acomodando
num ritmo confortável apesar da pressa. Depois de dobrar mais uma esquina, Thomas
fraquejou, o coração dando uma batida a menos quando percebeu um movimento à frente. O
alívio tomou conta dele no instante em que percebeu que se tratava de Newt e um grupo de
Clareanos. A Porta Oeste da Clareira agigantou-se acima deles e estava aberta. Tinham
conseguido voltar.
Quando os garotos surgiram, Newt aproximou-se deles mancando.
- O que aconteceu? - indagou com um pouco de irritação na voz. - O que vocês...
- A gente conta mais tarde - Thomas interrompeu. - Precisamos salvar Alby.
Newt empalideceu.
- O que está dizendo? Ele está vivo?
- Venha com a gente.
Thomas encaminhou-se para a direita, esticando o pescoço para olhar para o alto do muro,
procurando entre os ramos espessos de hera até encontrar o lugar onde Alby pendia preso
pelos braços e pelas pernas acima deles. Sem dizer nada, Thomas apontou, não ousando
sentir-se aliviado ainda. Ele ainda estava lá, e inteiro, mas não havia nenhum sinal de
movimento.
Newt finalmente viu o amigo pendurado na hera. Voltou-se para Thomas. Se parecera
chocado antes, agora a sua expressão era de total perplexidade.
- Ele está... vivo?
"Por favor, tomara que esteja", pensou Thomas.
- Ainda não sei. Estava quando o deixei aí no alto.
- Quando você o deixou... - Newt abanou a cabeça. - Você e Minho tratem de ir para
dentro, passem por um exame com os Socorristas. Estão com uma cara horrível. Quero saber
de toda a história depois que eles terminarem e vocês tiverem descansado.
Thomas queria esperar para ver se Alby estava bem. Começava a falar, quando Minho
puxou-o pelo braço e o forçou a acompanhá-lo até a Clareira.
- Precisamos dormir. E receber curativos. Agora.
Thomas sabia que ele estava certo. Relutou um pouco, olhando para o lugar onde Alby
estava, depois acompanhou Minho para longe do Labirinto.
A caminhada até a Clareira e depois até a Sede pareceu interminável, entre as fileiras de
garotos dos dois lados observando-os incrédulos. Todos pareciam assombrados, como se
estivessem olhando para dois fantasmas passeando pelo cemitério. Thomas sabia que era
porque haviam realizado uma façanha, mas ficou um tanto desconfortável por ser o centro das
atenções.
Ele quase parou de andar ao ver Gally mais adiante, os braços cruzados no peito e
fuzilando-o com o olhar, mas continuou em frente. Thomas precisou de todas as forças para
encará-lo, sem desviar o foco. Quando chegou a apenas um metro e meio dele, o garoto baixou
o olhar para o chão.
Isso quase tirou Thomas do sério, de tão bom que foi. Quase.
Os minutos seguintes foram confusos. Escoltado para dentro da Sede por dois Socorristas,
subindo a escada, um olhar rápido por uma porta entreaberta para ver alguém alimentando a
garota em coma - ele sentiu uma vontade imensa de vê-la, de saber como estava -, depois
entrando no seu próprio quarto, indo para a cama, comida, água, curativos. Dor. Por fim, foi
deixado só, a cabeça descansando no travesseiro mais macio de que a sua memória limitada
conseguia se lembrar.
Mas enquanto adormecia, duas coisas não deixariam os seus pensamentos. A primeira, a
palavra que vira gravada no corpo de dois besouros mecânicos - CRUEL - cruzou seu
pensamento várias vezes.
A segunda foi a garota.
Horas depois - que lhe pareceram dias - Chuck estava lá, chacoalhando-o para que
acordasse. Foram precisos vários segundos para Thomas recobrar os sentidos e olhar para
frente. Então avistou Chuck e gemeu.
- Me deixa dormir, seu trolho.
- Pensei que quisesse saber.
Thomas esfregou os olhos e bocejou.
- Saber o quê? - Tornou a olhar para Chuck, confuso com o seu grande sorriso.
- Ele está vivo - disse o garoto. - Alby está bem, o Soro funcionou.
A entorpecimento de Thomas se desfez imediatamente, substituído pelo alívio. Ficou
surpreso de ver quanta alegria a informação lhe proporcionava. Mas então as palavras
seguintes de Chuck fizeram-no reconsiderar.
- Ele está começando a passar pela Transformação.
Como se trazido pelas palavras dele, um grito de arrepiar os cabelos partiu de um quarto
depois da entrada.
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