quinta-feira, 23 de julho de 2015

6


– Lily, por favor, fique parada – repetiu a Mãe.
Lily, de pé diante dela, mexia-se, irrequieta, impaciente.
– Eu consigo amarrar as fitas sozinha – queixou-se. – Sempre amarro.
– Sei disso – replicou a Mãe, apertando as fitas nas tranças da menina. – Mas também sei
que elas costumam ficar frouxas e, quando chega a tarde, normalmente estão penduradas em
suas costas. Hoje, pelo menos, quero que fiquem bem amarradas e assim permaneçam.
– Não gosto dessas fitas. Ainda bem que só tenho de usá-las por mais um ano – reclamou
Lily, irritada. – No ano que vem, também vou ganhar minha bicicleta – acrescentou, mais
animada.
– Há coisas boas todos os anos – lembrou Jonas. – Neste, você começa suas horas de
voluntariado. E você se lembra no ano passado, quando se tornou uma Sete, como ficou
contente com seu casaco abotoado na frente?
A menina fez que sim com a cabeça e olhou para baixo, para seu casaco com a fileira de
botões grandes que a designavam uma Sete. Quatros, Cincos e Seis usavam casacos que se
fechavam atrás, para que aprendessem a interdependência, ajudando-se, uns aos outros, a se
vestir.
O casaco abotoado na frente era o primeiro sinal de independência, o primeiro símbolo
realmente visível de crescimento. A bicicleta, aos Nove, seria o poderoso emblema do direito
de se movimentar gradualmente pela comunidade, longe da unidade familiar protetora.
Lily abriu um sorriso e desvencilhou-se da Mãe.
– E você este ano vai ganhar sua Atribuição – disse para Jonas com a voz excitada. –
Tomara que seja de Piloto. E me leve para voar!
– Claro que levo – disse Jonas. – E vou arranjar um paraquedas pequeno que sirva em você,
subir até, digamos, talvez uns 20 mil pés, abrir a porta e…
– Jonas! – repreendeu-o a Mãe.
– Eu estava só brincando – murmurou Jonas. – Não quero ser Piloto, de qualquer maneira.
Se me derem essa Atribuição, apresento um apelo.
– Vamos – ela deu um puxão final nas fitas de Lily. – Jonas, está pronto? Já tomou sua
pílula? Quero pegar um bom lugar no Auditório. – Foi empurrando Lily para a porta da frente,
e Jonas as seguiu.
O percurso até o Auditório era curto e Lily ia acenando para as amigas de seu assento na
traseira da bicicleta da Mãe. Jonas estacionou a sua bicicleta ao lado da dela e abriu caminho
pelo meio da multidão, a fim de encontrar seu grupo.
A comunidade em peso assistia à Cerimônia a cada ano. Para os pais, significava dois dias
de folga do trabalho; sentavam-se todos juntos no imenso auditório. As crianças ficavam junto
de seus grupos até se dirigirem, uma a uma, ao palco.
O Pai, no entanto, não ficaria junto com a Mãe na plateia desde o início, pois, para a
primeira Cerimônia – a Nomeação –, os Criadores levavam as crianças-novas ao palco.
Jonas, de seu lugar no balcão com os Onzes, esquadrinhou o Auditório à procura do Pai. Era
bem fácil encontrar o local reservado aos Criadores na parte da frente; de lá, vinham os ruídos
e choradeiras das crianças-novas, que se agitavam no colo dos Criadores. Em todas as outras
cerimônias públicas, a plateia se mantinha em silêncio e atenta; mas, uma vez por ano, todos
sorriam com indulgência para a movimentação dos pequeninos à espera de receber seus nomes
e suas famílias.
O olhar de Jonas e o de seu pai finalmente se encontraram, e ele acenou. O Pai abriu um
sorriso e acenou de volta, depois levantou a mãozinha da criança-nova que trazia no colo,
fazendo-a acenar também.
Não era Gabriel. Gabe voltara para o Centro de Criação naquele dia: estava aos cuidados
da equipe noturna. O comitê concedera a ele uma trégua especial, que não era comum: um ano
adicional no Centro de Criação antes de sua Nomeação e Colocação. O Pai apresentara ao
comitê um apelo em nome de Gabriel, que ainda não havia ganhado peso proporcionalmente
ao seu tempo de vida nem começado a dormir um sono profundo o bastante, à noite, para ser
colocado numa unidade familiar. Normalmente, uma criança assim seria rotulada como
Deficiente e dispensada da comunidade.
Como resultado do apelo, porém, Gabriel fora classificado como Indeterminado e recebera
um ano a mais. Continuaria a ser tratado no Centro de Criação e passaria as noites com a
unidade familiar de Jonas. Foi exigido que todos os membros da família, inclusive Lily,
assinassem um documento comprometendo-se a não se apegar ao pequeno hóspede temporário
e a deixá-lo partir sem protestos ou apelos quando ele fosse designado para uma unidade
familiar na Cerimônia do ano seguinte.
Pelo menos, pensou Jonas, depois que Gabriel fosse embora no ano seguinte, ainda o veriam
com frequência, porque faria parte da mesma comunidade. Se fosse dispensado, nunca mais o
veriam. Jamais. Todos os que eram dispensados – até as crianças-novas – eram mandados
para Alhures e nunca mais voltavam.
O Pai não precisara dispensar nem uma única criança-nova naquele ano, de modo que, caso
isso tivesse acontecido com Gabriel, teria representado um fracasso verdadeiro e um motivo
de tristeza para ele. Até mesmo Jonas, apesar de não viver gravitando em torno do pequeno
como Lily e seu pai faziam, estava contente por Gabe não ter sido dispensado.
A primeira Cerimônia começou pontualmente, e Jonas viu uma criança-nova após outra
receber seu nome e ser entregue pelos Criadores à sua nova unidade familiar. Para algumas,
era o primeiro filho. Mas muitos casais subiam ao palco acompanhados de uma outra criança,
radiante de orgulho por estar recebendo um irmãozinho ou uma irmãzinha, como acontecera
com Jonas quando ele estava prestes a se tornar um Cinco.
Asher cutucou o braço do amigo.
– Lembra quando recebemos Phillipa? – perguntou ele, num sussurro alto. Jonas assentiu.
Tinha sido no ano anterior. Os pais de Asher haviam esperado muito tempo antes de
solicitarem uma segunda criança. Jonas desconfiava que talvez tivessem ficado tão exaustos
com as tolices de Asher que precisaram de mais tempo.
Faltavam dois membros do grupo deles, Fiona e uma outra menina chamada Thea, que
naquele momento esperavam junto com seus pais a sua vez de receberem crianças-novas. Mas
era raro haver uma diferença de idades tão grande entre as crianças de uma unidade familiar.
Quando a cerimônia de sua família terminou, Fiona veio ocupar o assento que fora guardado
para ela na fileira à frente de Asher e Jonas. Ela se virou e cochichou para os dois:
– Ele é uma gracinha. Mas não gostei muito do nome. – Em seguida fez uma careta e deu
uma risadinha. O novo irmão de Fiona se chamava Bruno. Não era um nome tão bonito, pensou
Jonas, como – ora, como Gabriel, por exemplo –, mas não era tão ruim assim.
Os aplausos da plateia, entusiásticos a cada Nomeação, elevaram-se num crescendo
exuberante quando um casal de pais, ambos radiantes de orgulho, recebeu uma criança-nova –
um menino – e ouviu-o ser denominado Caleb.
Esse novo Caleb era uma substituição. O casal havia perdido seu primeiro Caleb, um alegre
e pequeno Quatro. A perda de uma criança era um fato raro, muito raro. A comunidade
desfrutava de uma segurança extraordinária, todos os cidadãos vigiavam e protegiam todas as
crianças. Mas, de alguma forma, o primeiro pequeno Caleb se afastara sem ser notado e caíra
no rio. A comunidade inteira realizara a Cerimônia da Perda em conjunto, murmurando o nome
de Caleb durante um dia inteiro, cada vez com menos frequência, em voz cada vez mais baixa,
à medida que o dia longo e sombrio ia transcorrendo, de modo que o pequenino Quatro
pareceu apagar-se gradualmente da consciência de todos.
Agora, naquela Nomeação especial, a comunidade realizou a breve Cerimônia do
Murmúrio-de-Substituição, repetindo o nome pela primeira vez desde a perda; primeiro, baixo
e devagar, depois mais depressa e em volume mais alto, enquanto o casal permanecia no palco
com a criança-nova dormindo nos braços da Mãe. Era como se o primeiro Caleb estivesse
voltando.
Uma outra criança-nova recebeu o nome de Roberto, e Jonas se lembrou que Roberto, o
Idoso, tinha sido dispensado na semana anterior. Mas não houve Cerimônia do Murmúrio-deSubstituição
para o novo pequeno Roberto. Dispensa não era a mesma coisa que Perda.
Ele se manteve comportadamente sentado no decorrer das cerimônias de Dois, Três e
Quatro, cada vez mais entediado, como todos os anos. Depois veio o intervalo para a refeição
do meio-dia – servida ao ar livre – e a volta aos assentos para as cerimônias de Cinco, Seis,
Sete e, finalmente, a última do primeiro dia: a de Oito.
Jonas aplaudiu Lily quando ela se encaminhou com determinação e orgulho para o palco,
tornou-se uma Oito e recebeu o casaco de identificação que usaria naquele ano, com botões
menores e, pela primeira vez, bolsos, indicando que ela era suficientemente madura para
tomar conta de seus pequenos pertences pessoais. Lily escutou de pé, solenemente, o discurso
com as instruções rígidas sobre as responsabilidades dos Oitos e sobre o início da prática de
voluntariado. Mas Jonas percebeu que, apesar de parecer atenta, a irmã estava de olho
comprido na fileira de reluzentes bicicletas que seriam entregues aos Noves na manhã
seguinte.
No ano que vem, Lilyzinha, pensou Jonas.
Foi um dia exaustivo, e até Gabriel, apanhado em seu cesto no Centro de Criação, dormiu
profundamente naquela noite.
Finalmente chegou a manhã da Cerimônia de Doze.
Agora o Pai se encontrava ao lado da Mãe na plateia. Jonas os viu aplaudindo zelosamente
enquanto os Noves, um a um, saíam do palco empurrando suas novas bicicletas, todas
ostentando, na traseira, as reluzentes plaquinhas com seus nomes. Tinha certeza de que seus
pais se contraíram um pouco, aflitos como ele, quando Fritz, que morava na casa ao lado,
recebeu sua bicicleta e logo em seguida bateu com ela no pódio. Fritz era uma criança muito
estabanada, várias vezes chamada a receber punições. Suas transgressões eram sempre
pequenas: sapatos com os pés trocados, tarefas escolares perdidas, não ter estudado o
suficiente para uma prova. Cada um desses erros, porém, refletia-se negativamente no
conceito da competência de seus pais e perturbava a noção de ordem e sucesso da
comunidade. Jonas e sua família não viam com bons olhos a chegada da bicicleta de Fritz que,
imaginavam, provavelmente seria deixada inúmeras vezes na porta da frente em vez de
devidamente guardada em seu bicicletário.
Por fim, os Noves se reacomodaram em suas cadeiras, depois de levarem suas bicicletas
para fora, onde ficariam à espera de seus donos até o final do dia. Todo mundo ria e fazia
piadinhas quando eles iam pedalando para casa pela primeira vez.
– Quer que lhe ensine a andar de bicicleta? – implicavam os amigos mais velhos. – Sei que
você nunca pedalou antes!
Mas, invariavelmente, os sorridentes Noves – que já vinham praticando às escondidas por
muitas semanas, numa infração técnica à regra – montavam e saíam pedalando perfeitamente,
sem perder o equilíbrio, as rodinhas laterais de apoio nem sequer tocando o chão.
Depois vinham os Dez. Jonas nunca achou a Cerimônia de Dez particularmente interessante
– só demorada demais, já que os cabelos de todas as crianças eram aparados
meticulosamente, de acordo com o corte que as distinguia: as meninas perdiam suas tranças e
os meninos também abandonavam o cabelo comprido infantil e adotavam o estilo mais curto e
masculino que os deixava com as orelhas descobertas.
Operários entraram com vassouras e rapidamente varreram os montes de cabelo cortado.
Jonas via a agitação e o murmúrio dos pais dos novos Dez, e sabia que, naquela noite, em
muitas residências, eles estariam aparando e acertando os cortes de cabelos feitos às pressas,
deixando-os mais retos.
Onzes. Parecia ter transcorrido muito tempo desde que Jonas passara pela Cerimônia de
Onze, mas lembrava que não era das mais interessantes. Aos Onzes, só se fazia esperar para
ser um Doze. A data consistia apenas em marcação de tempo, sem mudanças significativas.
Ganhavam roupas novas: roupas de baixo diferentes para as meninas, cujos corpos
começavam a mudar; e calças mais compridas para os meninos, com um bolso de formato
especial para a pequena calculadora que usariam durante aquele ano na escola. Mas tudo isso
era meramente oferecido em pacotes, sem nenhum acompanhamento de discurso.
Intervalo para a refeição do meio-dia. Jonas se deu conta de que estava com fome. Ele e
seus companheiros de grupo se reuniram junto às mesas colocadas defronte do Auditório e
abriram seus embrulhos de comida. Na véspera, o almoço fora alegre, uns fazendo
brincadeiras com os outros, um bocado de energia à solta no ar. Mas naquele dia o grupo
demonstrava ansiedade, isolado das outras crianças. Jonas observou os Noves recentes
gravitarem em torno de suas bicicletas estacionadas, cada um admirando a etiqueta com seu
nome. Viu os Dez acariciando seu novo corte de cabelo, as meninas sacudindo a cabeça para
sentir a leveza, agora sem as tranças pesadas que tinham usado por tanto tempo.
– Ouvi uma história sobre um garoto que tinha absoluta certeza de que seria Engenheiro –
murmurou Asher enquanto eles comiam –, mas que, em vez disso, recebeu a Atribuição de
Operário de Saneamento. No dia seguinte ele saiu, pulou no rio, nadou até o outro lado e foi
morar na primeira comunidade que encontrou. Nunca mais ninguém soube dele.
Jonas deu uma risada.
– Alguém inventou essa história, Ash – disse ele. – Meu pai contou que ouviu isso quando
ele era um Doze.
A informação não serviu para deixar Asher mais tranquilo. Ele não tirava os olhos do rio,
visível atrás do Auditório.
– Nem nadar muito bem eu sei – resmungou. – Meu professor de natação disse que eu não
tenho a… flatulência certa, ou algo assim.
– Flutuação – Jonas corrigiu.
– Sei lá. Eu não tenho isso. Eu afundo.
– Seja como for – salientou Jonas –, você alguma vez já ouviu falar de alguém, mas quero
dizer de verdade mesmo, Asher, e não só uma história que você escutou a respeito, que tenha
se mudado para outra comunidade?
– Não – admitiu Asher com relutância. – Mas é possível, está escrito nas regras. Se você
não se adaptar, pode requerer a ida para Alhures e ser dispensado. Minha mãe disse que certa
vez, há uns 10 anos, alguém requereu e foi embora no dia seguinte. – E deu uma risadinha. –
Ela me contou isso porque eu a estava deixando maluca. Ameaçou requerer minha ida para
Alhures.
– Ela estava brincando.
– Eu sei. Mas era verdade o que contou sobre alguém ter feito isso antes. Ela disse que era
verdade. Hoje aqui, amanhã longe. Nunca mais foi visto. Não houve nem a Cerimônia de
Dispensa.
Jonas deu de ombros. Aquilo não o preocupava. Como seria possível alguém não se
adaptar? A comunidade era tão meticulosamente organizada, as escolhas eram feitas com tanto
cuidado!
Até o Casamento de Cônjuges envolvia tantas considerações que às vezes um adulto que
requeria um companheiro esperava meses, até anos, para sua União ser aprovada e anunciada.
Todos os fatores – disposição, nível de energia, inteligência e interesses – tinham de
corresponder um ao outro e interagir perfeitamente. A mãe de Jonas, por exemplo, possuía um
grau de inteligência mais elevado do que o de seu pai, mas seu pai tinha uma índole mais
calma. Eles se equilibravam. A União deles, que, como todas as outras, tinha sido monitorada
pelo Comitê de Anciãos durante três anos, antes que eles fossem autorizados a requerer filhos,
sempre fora bem-sucedida.
Assim como o Casamento de Cônjuges, a Nomeação e a Colocação de crianças-novas, as
Atribuições eram escrupulosamente ponderadas pelo Comitê de Anciãos.
Tinha certeza de que sua Atribuição, e a de Asher igualmente, quaisquer que fossem, seriam
as mais apropriadas para eles. Só queria que terminasse logo a refeição do meio-dia, que as
pessoas voltassem para o Auditório e o suspense acabasse.
Como resposta ao seu desejo silencioso, foi dado o sinal e a multidão começou a
encaminhar-se para as portas.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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