quinta-feira, 23 de julho de 2015

7


O grupo de Jonas agora ocupava um outro lugar no Auditório, tendo trocado com os novos
Onzes, de modo que estavam todos sentados bem na frente, junto ao palco.
Estavam instalados de acordo com seus números originais, os números que lhes tinham sido
dados ao nascer. Esses números raramente eram usados depois da Nomeação. Mas cada
criança sabia o seu, é claro. Alguns pais os usavam, quando irritados pelo mau comportamento
de uma criança, para indicar que as traquinices a tornavam indigna de um nome. Jonas sempre
ria quando ouvia um dos pais, exasperado, repreender um pequeno chorão: “Já chega, Vinte e
três!”
Jonas era número Dezenove. Fora a décima nona criança a nascer naquele ano. Isso
significava que no dia de sua Nomeação ele já ficava de pé, tinha o olhar vivo e estava prestes
a andar e falar; o que lhe dera ligeira vantagem durante os seus dois primeiros anos, um pouco
mais de maturidade sobre muitos de seus companheiros de grupo nascidos nos meses
posteriores daquele ano. A diferença se equilibrara, porém, como sempre acontecia, por volta
dos Três.
Depois dos Três, as crianças progrediam praticamente no mesmo nível, embora pelo
número sempre se pudesse saber quem era mais velho do que os outros no grupo.
Oficialmente, o número completo de Jonas era Onze-Dezenove, já que em cada grupo de idade
existia, evidentemente, outro Dezenove. Mas, naquele dia, agora que os novos Onzes tinham
sido formalmente reconhecidos de manhã, existiam dois Onze-Dezenoves. No intervalo do
meio-dia, ele trocara sorrisos com o novo, uma menina tímida chamada Harriet.
Mas a duplicação só durava aquelas poucas horas. Daí a pouco ele não seria mais um Onze,
e sim um Doze, e a idade não teria mais importância. Seria um adulto, como seus pais, apesar
de ainda novo e destreinado.
Asher era o Quatro e estava sentado na fileira à frente de Jonas. Seria o quarto a receber sua
Atribuição.
Fiona, Dezoito, sentava-se à sua esquerda; do outro lado estava o Vinte, um menino
chamado Pierre, de quem Jonas não gostava muito. Pierre era muito sério, nada divertido,
ansioso e também mexeriqueiro. “Já verificou as regras, Jonas?”, Pierre estava sempre
cochichando com ar solene. “Não tenho certeza se isso está de acordo com as regras.”
Geralmente se tratava de alguma coisa boba a que ninguém dava importância – abrir a túnica
se estava ventando; dar uma voltinha rápida na bicicleta de um amigo só para experimentar
uma sensação diferente.
O discurso de abertura da Cerimônia de Doze era feito pelo Ancião-Chefe, o líder da
comunidade, eleito a cada 10 anos. O discurso era mais ou menos o mesmo todos os anos:
recordar o tempo da infância e o período de preparação, as futuras responsabilidades da vida
adulta, a profunda importância da Atribuição, a seriedade do treinamento que os esperava.
A Anciã-Chefe deu prosseguimento ao seu discurso.
– Esta é a ocasião – começou ela, olhando direto para eles – em que reconhecemos as
diferenças. Vocês, Onzes, passaram todos os anos até agora aprendendo a adaptar-se, a
padronizar seus comportamentos, a controlar todo impulso que pudesse separá-los do grupo.
Hoje, porém, nós acatamos suas diferenças. Elas determinaram o futuro de cada um de vocês.
Em seguida começou a descrever o grupo daquele ano e sua variedade de personalidades,
apesar de não citar o nome de nenhum deles. Disse que havia um com grandes habilidades
para Curador, outro que adorava crianças-novas, outro com uma capacidade científica
incomum e um quarto para quem o trabalho físico era um prazer evidente. Jonas se remexeu
em seu assento, tentando associar cada uma dessas referências a um de seus companheiros de
grupo. As habilidades de Curador eram sem dúvida as de Fiona, à sua esquerda; havia
reparado como ela era carinhosa ao dar banho nos Idosos. Provavelmente, o da capacidade
científica era Benjamim, que inventara o novo e importante equipamento para o Centro de
Reabilitação.
Nada do que ouviu adaptava-se a ele próprio, Jonas.
Por fim, a Anciã-Chefe rendeu homenagem ao árduo trabalho do seu comitê, que se dedicara
às observações de modo tão meticuloso naquele ano. O Comitê dos Anciãos se levantou e foi
agraciado com aplausos. Jonas notou que Asher dava um pequeno bocejo, cobrindo a boca
educadamente com a mão.
Então, encerrando a sua fala, a Anciã-Chefe chamou o número Um ao palco e começaram as
Atribuições.
Cada participação era prolongada, acompanhada de um discurso dirigido especialmente ao
novo Doze. Jonas tentou prestar atenção quando a número Um, sorrindo feliz, recebeu sua
Atribuição de Encarregada de Criação de Peixes, junto com palavras de louvor pelas muitas
horas de voluntariado de sua infância passadas naquele local e seu visível interesse no
importante processo de fornecer alimento para a comunidade.
A número Um – seu nome era Madeline – voltou finalmente para o seu lugar, sob aplausos,
usando o novo crachá que a designava como Encarregada de Criação de Peixes. Jonas ficou
feliz por aquela Atribuição já ter dono; ele certamente não gostaria de recebê-la, mas deu um
sorriso de felicitações para Madeline.
Quando a Dois, uma menina chamada Inger, recebeu sua Atribuição de Mãe-biológica,
Jonas se lembrou que sua mãe considerava aquela Atribuição pouco nobre. No entanto, achou
que o Comitê escolhera bem. Inger era uma boa menina, mas um tanto preguiçosa, e seu corpo
era forte. Apreciaria os três anos de mimos que se seguiriam a seu breve treinamento; daria à
luz bem, com facilidade; e, mais tarde, a função de Operária iria utilizar sua força, mantê-la
saudável e impor-lhe autodisciplina. Inger sorria quando voltou ao seu lugar. Mãe-biológica
era uma função importante, ainda que desprovida de prestígio.
Jonas percebeu que Asher parecia nervoso. Não parava de virar a cabeça e olhar para trás,
em direção a Jonas, o que fez o líder do grupo lhe dar uma punição silenciosa, um gesto para
ficar sentado quieto e olhando para a frente.
O Três, Isaac, recebeu a Atribuição de Instrutor de Seis, o que visivelmente o agradou e era
bem merecido. Agora havia três Atribuições a menos, nenhuma das quais Jonas teria gostado
de receber – não que pudesse ser Mãe-biológica, divertindo-se em seu íntimo. Tentou rever
mentalmente a lista das possíveis Atribuições que restavam. Havia tantas, contudo, que ele
desistiu; de qualquer forma, era a vez de Asher. Concentrou sua atenção enquanto o amigo se
dirigia para o palco e se postava ao lado da Anciã-Chefe, com ar inibido.
– Todos nós na comunidade conhecemos e gostamos de Asher – a Anciã-Chefe começou a
falar. Asher sorriu de orelha a orelha e esfregou uma perna com o outro pé. A plateia riu
baixinho.
– Quando o comitê começou a considerar a Atribuição de Asher – prosseguiu ela – havia
certas possibilidades que foram imediatamente descartadas. Possibilidades estas que
claramente não serviriam para ele. Por exemplo – disse, sorrindo –, nem por um instante
cogitamos em designá-lo Instrutor dos Três.
A plateia caiu na gargalhada. Asher riu também, encabulado, mas parecendo satisfeito com a
atenção especial. Os Instrutores dos Três eram incumbidos da correção da língua.
– Na realidade – continuou a Anciã-Chefe, rindo um pouco também –, chegamos a pensar
numa punição retroativa para aquele que foi o Instrutor dos Três de Asher tanto tempo atrás.
Na reunião em que debatemos o seu caso, recontamos muitas histórias de que todos nos
lembrávamos dos tempos dele de aquisição linguística. Principalmente – ela riu de novo – a
da diferença entre mastigar e castigar. Lembra, Asher?
Asher sacudiu a cabeça, pesaroso, e a plateia riu alto. Jonas também. Lembrava-se bem,
apesar de ser somente um Três naquela época.
O castigo usado para crianças pequenas era um sistema oficial de varadas com a vara
disciplinar: uma arma fina e flexível que, quando utilizada, causava uma dor aguda na criança.
Os especialistas em Cuidados à Infância eram zelosamente treinados para praticar os métodos
disciplinares: uma varada rápida nas mãos no caso de um pequeno deslize de comportamento;
três varadas mais fortes nas pernas nuas no caso de um segundo delito.
E, coitado do Asher, sempre falava depressa demais e confundia as palavras desde
pequenino! Quando era um Três, ansioso para receber logo seu suco e suas bolachas, ele certo
dia falou “castigar” em vez de “mastigar” na fila para o lanche da manhã. Jonas se lembrava
claramente. Via o pequeno Asher contorcendo-se de impaciência. Ouvia a voz alegre
exclamando: “Está na hora de castigar!” Os outros Três, inclusive Jonas, deram risadinhas
nervosas. “Mastigar!”, corrigiram eles. “Você quis dizer mastigar, Asher!” Mas o erro havia
sido cometido e precisão de linguagem era uma das tarefas mais importantes das crianças
pequenas. Asher praticamente pedira um castigo.
A vara disciplinar, na mão do funcionário responsável pelos Cuidados à Infância, sibilou ao
descer nas mãos de Asher. O menino choramingou, encolheu-se de dor e corrigiu-se no mesmo
instante: “Mastigar”, sussurrou.
Na manhã seguinte, porém, ele repetiu o erro. E repetiu outra vez na semana seguinte.
Parecia que não iria parar nunca de errar, embora para cada lapso a vara disciplinar entrasse
em ação, sua atividade aumentando progressivamente até uma sucessão de golpes dolorosos
deixarem marcas nas suas pernas. Afinal, por um espaço de tempo, Asher parou
completamente de falar quando era um Três.
– Durante um certo período – disse a Anciã-Chefe, contando a história –, tivemos umAsher
mudo! Mas ele aprendeu.
Virou-se para ele com um sorriso.
– E, quando recomeçou a falar, ele o fez com maior precisão. Agora comete pouquíssimos
lapsos. Suas correções e desculpas são imediatas. E seu bom humor é inabalável.
A plateia murmurou, confirmando. O temperamento alegre de Asher era conhecido em toda a
comunidade.
– Asher – ela alteou a voz para fazer a proclamação oficial. – Demos a você a Atribuição
de Diretor-Assistente de Recreação.
E prendeu na roupa dele o novo crachá enquanto ele sorria, radiante, ao seu lado. Então
Asher se virou e saiu do palco sob os vivas da plateia. Quando retomou seu lugar, a Anciã-
Chefe baixou os olhos para ele e disse as palavras que já havia pronunciado quatro vezes até
aquele momento e que dirigiria a cada novo Doze. De alguma forma, sempre dava à frase um
significado especial quando a dizia a cada um:
– Asher, obrigada por sua infância.

                                                                    ...                                            
A concessão de Atribuições prosseguiu. Jonas assistia atento, aliviado agora por seu melhor
amigo ter recebido uma Atribuição maravilhosa. Mas ia ficando cada vez mais apreensivo à
medida que a sua se aproximava. Todos os novos Dozes da fileira à sua frente já tinham
recebido seus crachás. Tocavam-nos a todo instante e Jonas sabia que estavam pensando no
treinamento que os esperava. Para alguns – um menino estudioso fora escolhido como Médico,
uma menina como Engenheira e outra para o setor de Lei e Justiça – significava anos e anos de
estudo e muito esforço. Outros, como os Operários e as Mães-biológicas, teriam um período
de treinamento muito mais curto.
Número Dezoito, Fiona, à sua esquerda, foi chamada. Jonas sabia que ela devia estar
nervosa, mas Fiona era bastante calma. Durante toda a Cerimônia mantivera-se quieta e serena
em seu lugar.
Até os aplausos, embora entusiasmados, pareceram também serenos quando ela recebeu a
importante Atribuição de Curadora de Idosos. Era a atividade perfeita para aquela menina tão
sensível e meiga; seu sorriso transparecia satisfação e prazer quando voltou a sentar-se ao
lado dele.
Jonas se preparou para andar até o palco quando cessaram os aplausos, a Anciã-Chefe
pegou a pasta seguinte e olhou para o grupo a fim de chamar o Doze seguinte. Ele estava
calmo, agora que chegara a sua vez. Respirou fundo e alisou o cabelo com a mão.
– Vinte – ele a ouviu dizer com toda a clareza. – Pierre.
Ela me pulou, pensou Jonas, aturdido. Será que não ouvira direito? Não. Fez-se um
repentino silêncio na multidão, e ele teve certeza de que a comunidade inteira havia percebido
que a Anciã-Chefe passara do Dezoito para o Vinte, saltando um número. À sua direita,
Pierre, com uma expressão espantada, levantou-se de sua cadeira e encaminhou-se de maneira
irresoluta para o palco.
Fora um engano. Ela se enganara. Mas, ao mesmo tempo que lhe vinha esse pensamento,
Jonas sabia que não, que não havia engano algum. A Anciã-Chefe não cometia erros. Não na
Cerimônia de Doze.
Sentiu uma tonteira, não conseguia concentrar sua atenção. Não ouviu qual Atribuição Pierre
recebeu e só se conscientizou vagamente dos aplausos quando o menino voltou para sua
cadeira usando seu novo crachá. Em seguida, Vinte e um. Vinte e dois.
Os números continuaram em sua ordem. Jonas assistiu, atordoado, chegarem aos Trinta e
depois aos Quarenta, quase no fim. A cada vez, a cada chamada, seu coração dava um
pequeno salto e loucos pensamentos tomavam conta dele. Talvez agora ela chamasse o seu
nome. E se ele tivesse esquecido seu número? Não. Sempre fora Dezenove. Estava sentado na
cadeira marcada com o número Dezenove.
Mas ela pulara seu número. Viu os outros de seu grupo olhando-o de soslaio, embaraçados
e desviando depressa o olhar. Viu uma expressão preocupada no rosto de seu líder de grupo.
Curvou os ombros e tentou parecer menor em sua cadeira. Gostaria de desaparecer, de
sumir, de não existir. Não se atrevia a virar e procurar seus pais no meio da multidão. Não
suportaria ver os rostos deles sombrios de vergonha.
Jonas baixou a cabeça e vasculhou sua mente. O que fizera de errado?
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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