Nunca me senti mais viva em toda a minha existência. É um dia radiante de céu azul, os
pássaros estão alucinados com o calor, o rio do lado de fora está correndo e eu estou
completamente viva. Assustada, animada, mas viva.
Quando acordei esta manhã, Nick havia saído. Sentei-me na cama olhando para o teto, vendo
o sol deixá-lo dourado pedacinho por pedacinho, os azulões cantando do lado de fora de nossa
janela, e quis vomitar. Minha garganta estava se contraindo e relaxando como um coração. Disse
a mim mesma que não iria vomitar, depois corri para o banheiro e vomitei: bile, água quente e
uma pequena ervilha boiando. Enquanto meu estômago se contraía, meus olhos se enchiam de
lágrimas e eu ofegava, comecei a fazer a única conta que uma mulher faz encolhida junto ao vaso.
Eu tomo pílula, mas também tinha esquecido um dia ou dois — que importância isso tem, tenho
trinta e oito anos, tomo pílula há quase duas décadas. Não vou ficar grávida acidentalmente.
Encontrei os testes atrás de uma vitrine trancada. Tive de achar uma mulher apressada e
bigoduda para destrancá-la e mostrar qual eu queria enquanto ela esperava impacientemente. Ela
o colocou na minha mão com um olhar clínico e disse: “Boa sorte.”
Eu não sabia o que seria boa sorte: sinal de mais ou de menos. Voltei para casa e li as
instruções três vezes, segurei o palito no ângulo certo pelo número certo de segundos, depois o
coloquei na beirada da pia e saí correndo como se fosse uma bomba. Três minutos, então eu
liguei o rádio e, claro, era uma música de Tom Petty — será que há um momento em que você
liga o rádio e não ouve uma música de Tom Petty? Cantei a letra inteira de “American Girl”,
depois andei na ponta dos pés de volta ao banheiro como se o teste fosse algo que eu tivesse de
surpreender, meu coração batendo mais freneticamente do que deveria, e eu estava grávida.
De repente estava correndo pelo gramado de verão e pela rua, batendo na porta de Noelle, e
quando ela abriu caí em prantos, mostrei o teste a ela e gritei “Estou grávida!”.
E então alguém além de mim sabia, e daí fiquei com medo.
Quando voltei para casa, pensei duas coisas.
Primeira: nosso aniversário de casamento é na semana que vem. Usarei as pistas como cartas
de amor, um belo berço antigo de madeira esperando no fim. Irei convencê-lo de que devemos ficar juntos. Como uma família.
Segunda: gostaria de ter conseguido aquela arma.
Agora às vezes fico assustada quando meu marido chega em casa. Há algumas semanas Nick
me convidou para sair de jangada com ele, flutuar na corrente sob um céu azul. Cheguei a passar
as mãos em volta do corrimão da escada quando ele perguntou isso, me aferrei a ele. Porque vi
uma imagem de Nick balançando a jangada — inicialmente provocando, rindo do meu pânico,
depois o rosto dele ficando rígido, determinado, e eu caindo na água, aquela água marrom
enlameada, cheia de gravetos e areia, e ele acima de mim, me mantendo sob a superfície com um
braço forte até que eu parasse de lutar.
Não consigo evitar. Nick se casou comigo quando eu era uma mulher jovem, rica e bonita, e
agora sou pobre, desempregada, mais perto dos quarenta que dos trinta; não sou mais só bonita,
sou bonita para minha idade. É a verdade: meu valor diminuiu. Posso dizer pelo modo como
Nick olha para mim. Mas não é o olhar de um sujeito que se deu mal em uma aposta honesta. É o
olhar de um homem que se sente enganado. Logo poderá ser o olhar de um homem preso em uma
armadilha. Talvez ele pudesse se divorciar de mim antes do bebê. Mas ele nunca fará isso agora,
não o Nick Bom Sujeito. Ele não suportaria todo mundo nesta cidade de valores familiares
acreditando que ele é o tipo de pessoa que abandona esposa e filho. Preferiria ficar e sofrer
comigo. Sofrer, se ressentir e ter raiva.
Não vou fazer um aborto. O bebê faz seis semanas dentro da minha barriga hoje, do tamanho
de uma lentilha, está criando olhos, pulmões e orelhas. Há algumas horas fui à cozinha e
encontrei um pote de grãos secos que Maureen me dera para a sopa preferida de Nick, tirei uma
lentilha e a coloquei no balcão. Era menor que a unha do meu mindinho, mínima. Não consegui
deixá-la no balcão frio, então a peguei, coloquei na palma da mão e acariciei com a
pontinhazinha do dedo. Agora está no bolso da minha camiseta, onde posso mantê-la perto de
mim.
Não vou fazer um aborto e não vou me divorciar de Nick, não ainda, porque me lembro de
como ele mergulhava no oceano em um dia de verão e plantava bananeira, as pernas balançando
para fora da água, e voltava com a melhor concha para mim, e eu deixava que meus olhos
ficassem ofuscados pelo sol, fechava-os e via cores piscando como gotas de chuva do lado de
dentro das minhas pálpebras enquanto Nick me beijava com lábios salgados, e eu pensava:
Tenho muita sorte, este é meu marido, este homem será o pai dos meus filhos. Todos seremos
muito felizes.
Mas posso estar enganada, posso estar muito enganada. Porque algumas vezes, o modo como
ele olha para mim... Aquele garoto doce da praia, o homem dos meus sonhos, pai do meu filho...
Eu o flagro olhando para mim com aqueles olhos atentos, os olhos de um inseto, puro cálculo, e
penso: Esse homem talvez me mate.
Então, se você achar isso aqui e eu estiver morta, bem...
Desculpe, não tem graça.
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