peguei meu telefone. Definitivamente minha esposa estava grávida. Eu definitivamente era o
principal — único — suspeito. Eu ia conseguir um advogado, hoje, e ele seria exatamente o
advogado que eu não queria e do qual decididamente precisava.
Tanner Bolt. Uma sinistra necessidade. Assista a qualquer dos canais legais, aos programas
de crimes reais, e o rosto artificialmente bronzeado de Tanner Bolt aparece, indignado e
preocupado em nome de qualquer cliente bizarro que esteja representando. Ele ficou famoso aos
trinta e quatro anos por representar Cody Olsen, um dono de restaurante de Chicago acusado de
estrangular a esposa grávida e jogar o corpo em um aterro sanitário. Cães treinados sentiram o
cheiro de um cadáver na mala do Mercedes de Cody; uma busca em seu laptop revelou que
alguém imprimira um mapa para o aterro mais próximo na manhã em que a esposa de Cody
desaparecera. Era óbvio. Quando Tanner Bolt acabou, todos — o departamento de polícia, dois
integrantes de uma gangue do West Side de Chicago, um segurança de boate insatisfeito —
estavam implicados, exceto Cody Olsen, que saiu do tribunal e pagou bebidas para todos.
Na década desde então Tanner Bolt ficara conhecido como o Falcão de Maridos — sua
especialidade era se lançar em casos badalados para representar homens acusados de assassinar
as esposas. Ele era vitorioso na metade dos casos, o que não era mau, considerando que os casos
eram geralmente condenatórios, os acusados extremamente impopulares — traidores, narcisistas,
sociopatas. O outro apelido de Tanner Bolt era Defensor de Babacas.
Eu tinha uma reunião com ele às duas da tarde.
* * *
— Aqui é Marybeth Elliott. Por favor, deixe um recado e retornarei a ligação
imediatamente... — disse ela em uma voz igual à de Amy. Amy, que não retornaria
imediatamente.
Eu estava acelerando para o aeroporto de modo a pegar um voo para Nova York e me
encontrar com Tanner Bolt. Quando pedira a Boney permissão para sair da cidade, ela pareceu
achar graça: Policiais não fazem isso de verdade. Isso é só na TV.
— Oi, Marybeth, é Nick de novo. Estou ansioso para falar com você. Quer dizer... Hã, eu
realmente não sabia sobre a gravidez, estou tão chocado quanto você deve estar... Hã, também
estou contratando um advogado, só para você saber. Acho que até Rand sugeriu isso. Então,
enfim... Você sabe como sou ruim com mensagens. Espero que você me ligue de volta.
* * *
O escritório de Tanner Bolt ficava no centro, perto de onde eu costumava trabalhar. O
elevador me lançou vinte e cinco andares para cima, mas era tão suave que não tive certeza de
que estava me movendo até que meus ouvidos taparam. No vigésimo sexto andar, uma loura de
lábios apertados com um terninho elegante entrou. Bateu o pé, impaciente, esperando que as
portas se fechassem, depois se virou para mim, irritada.
— Por que você não aperta fechar?
Lancei para ela o sorriso que lanço para mulheres petulantes, o sorriso “ei, relaxa”, aquele
que Amy chamava de “sorriso amado do Nicky”, e então a mulher me reconheceu.
— Ah — disse ela.
Fez uma cara de quem tinha sentido cheiro de algo azedo. Pareceu sentir uma vingança
pessoal quando saltei no andar de Tanner.
O cara era o melhor, e eu precisava do melhor, mas também me ressentia de me associar a
ele de qualquer forma que fosse — esse sórdido, esse exibido, esse advogado dos culpados.
Odiava Tanner antecipadamente de tal forma que achei que seu escritório iria parecer um cenário
de Miami Vice. Mas Bolt & Bolt era exatamente o oposto — tinha uma aparência digna, jurídica.
Por trás de portas de vidro impecavelmente limpas, pessoas em ótimos ternos iam apressadas de
uma sala para outra.
Um jovem bonito com uma gravata cor de fruta tropical me cumprimentou, instalou-me na
recepção reluzente de vidro e espelhos e grandiosamente ofereceu água (recusada), depois
retornou a uma escrivaninha cintilante e pegou um telefone cintilante. Fiquei sentado no sofá,
observando a silhueta dos prédios, guindastes subindo e descendo como pássaros mecânicos.
Depois desdobrei a última pista de Amy que estava em meu bolso. Cinco anos é madeira. Qual
seria o prêmio final da caça ao tesouro? Algo para o bebê: um berço de carvalho trabalhado, um
chocalho de madeira? Algo para nosso bebê e para nós, para recomeçarmos, os Dunne refeitos.
Go telefonou enquanto eu ainda olhava fixamente para a pista.
— Nós estamos bem? — perguntou ela de imediato.
Minha irmã achava que eu podia ser um assassino de esposa.
— Estamos tão bem quanto acho que jamais ficaremos outra vez, dadas as circunstâncias.
— Nick, me desculpe. Telefonei para me desculpar — disse Go. — Acordei e me senti
totalmente louca. E muito mal. Perdi a cabeça. Foi um surto momentâneo. Eu sinceramente, de
verdade, peço desculpas.
Permaneci em silêncio.
— Você tem que me conceder isso, Nick: exaustão, estresse e... Eu lamento... muito.
— Tudo bem — menti.
— Mas na verdade fico contente. Isso limpou o ar...
— Ela definitivamente estava grávida.
Meu estômago deu um nó. De novo tive a sensação de que tinha esquecido algo crucial. Eu
deixara alguma coisa passar, e pagaria por isso.
— Lamento — disse Go. Ela esperou alguns segundos. — A questão é...
— Não posso conversar sobre isso. Não posso.
— Tudo bem.
— Estou em Nova York — comuniquei. — Tenho uma hora marcada com Tanner Bolt.
Ela soltou uma lufada de ar.
— Graças a Deus. Conseguiu marcar com ele rápido assim?
— Para você ver quão fodido é meu caso.
Eu havia sido transferido imediatamente para Tanner — esperei um total de três segundos
após dizer meu nome — e quando contei a ele sobre meu interrogatório na sala de estar, sobre a
gravidez, ele mandou que pegasse o primeiro avião.
— Estou meio que pirando — acrescentei.
— Você está fazendo a coisa inteligente. Sério.
Outra pausa.
— O nome dele não pode realmente ser Tanner Bolt, pode? — falei, tentando aliviar a
situação.
— Ouvi dizer que é um anagrama de Ratner Tolb.
— Sério?
— Não.
Eu ri, um sentimento inadequado, mas bom. Então, do outro lado da sala, o anagrama vinha
andando na minha direção — terno preto de risca de giz, gravata verde-limão, sorriso de tubarão.
Ele caminhava com a mão estendida, em modo aperto de mão e negócio fechado.
— Nick Dunne, sou Tanner Bolt. Venha comigo, vamos trabalhar.
* * *
O escritório de Tanner Bolt parecia projetado para lembrar o salão de um clube exclusivo de
golfe só para homens — cadeiras de couro confortáveis, prateleiras repletas de livros de Direito,
uma lareira a gás com chamas tremulando no ar-condicionado. Sente-se, pegue um charuto,
reclame da esposa, conte piadas de gosto duvidoso, só há nós dois homens aqui.
Bolt deliberadamente escolheu não se sentar atrás da sua escrivaninha. Ele me conduziu a
uma mesa de dois lugares, como se fôssemos jogar xadrez. Esta é uma conversa de parceiros,
disse Bolt sem precisar dizer. Vamos sentar à nossa mesinha na sala de guerra e resolver isso.
— Minha comissão, Sr. Dunne, é de cem mil dólares. É muito dinheiro, evidentemente, então
quero deixar claro o que ofereço e o que irei esperar do senhor, certo?
Ele apontou para mim olhos que não piscavam, um sorriso simpático, e esperou que eu
fizesse um gesto positivo de cabeça. Apenas Tanner Bolt podia fazer com que eu, um cliente,
voasse até ele, e depois me dizer que tipo de dança eu precisaria fazer de modo a dar a ele meu
dinheiro.
— Eu venço, Sr. Dunne. Venço casos que não podem ser vencidos, e o que acho que logo
poderá enfrentar é, não quero ser condescendente, um caso difícil. Problemas financeiros,
casamento atribulado, esposa grávida. A imprensa se virou contra você, o público se virou contra
você.
Ele torceu um anel de sinete na mão direita e esperou que eu mostrasse que estava prestando
atenção. Eu sempre ouvira a expressão: Aos quarenta, o homem usa o rosto que conquistou. O
rosto quarentão de Bolt era bem-cuidado, quase sem rugas, agradavelmente inchado de ego. Ali
estava um homem confiante, o melhor na sua área, um homem que gostava de sua vida.
— Não haverá mais conversas com a polícia sem minha presença — dizia Bolt. — É algo
que eu lamento muito que você tenha feito. Mas antes mesmo de entrarmos na faceta legal,
precisamos lidar com a opinião pública, porque do modo como as coisas estão, temos de supor
que tudo vai vazar: seus cartões de crédito, o seguro de vida, a cena do crime supostamente
forjada, o sangue lavado. Parece muito ruim, meu amigo. Então é um círculo vicioso: os policiais
acham que você cometeu o crime, e deixam o público saber. O público fica escandalizado, exige
uma prisão. Então, um: temos de encontrar um suspeito alternativo. Dois: precisamos manter o
apoio dos pais de Amy, não posso enfatizar isso o bastante. E três: temos de melhorar sua
imagem, porque caso isso vá a julgamento, ela irá influenciar os jurados. Mudança de local de
julgamento não significa mais nada, com TV a cabo vinte e quatro horas por dia, internet, o
mundo inteiro é um lugar só. Então, é absolutamente fundamental começar a virar a situação a seu
favor.
— Também gostaria disso, acredite.
— Como estão as coisas com os pais de Amy? Podemos conseguir que eles façam uma
declaração de apoio?
— Não falo com eles desde que foi confirmado que Amy estava grávida.
— Está grávida — disse Tanner, franzindo a testa. — Está. Ela está grávida. Nunca, jamais,
fale de sua esposa no passado.
— Merda — exclamei, colocando o rosto na palma da mão por um segundo. Eu nem sequer
tinha percebido o que dissera.
— Não se preocupe com isso na minha frente — disse Bolt, gesticulando no ar de forma
magnânima. — Mas se preocupe em todos os outros lugares. Preocupe-se muito. A partir de
agora, não quero que você abra a boca se não tiver pensado muito bem. Então você não tem
falado com os pais de Amy. Não gosto disso. Imagino que tenha tentado entrar em contato, não é?
— Deixei alguns recados.
Bolt rabiscou algo em um bloco amarelo.
— Certo, vamos presumir que isso é mau sinal para nós. Mas você precisa localizá-los. Não
em público, onde algum babaca com uma câmera de celular possa filmar você. Não podemos ter
outro momento Shawna Kelly. Ou então mande sua irmã em missão de reconhecimento, para
descobrir o que está acontecendo. Na verdade, faça isso, é melhor.
— Certo.
— Preciso que faça uma lista para mim, Nick. De todas as coisas legais que você fez para
Amy ao longo dos anos. Coisas românticas, especialmente nesse último ano. Você preparou uma
canja de galinha quando ela estava doente, ou mandou cartas de amor quando estava em viagem
de negócios. Nada exagerado demais. Não me importo com joias a não ser que vocês tenham
escolhido alguma coisa juntos durante as férias ou algo assim. Precisamos de coisas realmente
pessoais, coisas de filme romântico.
— E se eu não for o tipo de cara de filme romântico?
Tanner contraiu os lábios, depois os soltou.
— Pense em algo, está bem, Nick? Você parece um cara legal. Estou certo de que fez algum
gesto atencioso recentemente.
Eu não conseguia pensar em uma única coisa decente que tivesse feito nos últimos dois anos.
Em Nova York, nos primeiros anos de casamento, eu era desesperado para agradar minha
esposa, retornar aos dias relaxados em que ela corria pelo estacionamento de uma farmácia e
pulava nos meus braços, uma celebração espontânea de sua compra de spray para cabelos. Seu
rosto colado ao meu o tempo todo, os olhos azuis brilhantes arregalados e seus cílios amarelos
roçando nos meus, o calor de seu hálito logo abaixo do meu nariz, a tolice daquilo. Esforcei-me
durante dois anos enquanto minha antiga esposa desaparecia, e me esforcei muito — sem raiva,
sem discussões, a deferência constante, a capitulação, uma versão de mim mesmo que mais
parecia um marido de série de TV: Sim, querida. Claro, amor. A porra da energia drenada de
meu corpo enquanto meus pensamentos frenéticos tentavam descobrir como fazê-la feliz, e cada
ato, cada tentativa era recebida com um revirar de olhos ou um pequeno suspiro triste. Um
suspiro de você simplesmente não entende.
Quando fomos embora para o Missouri eu só estava puto. Envergonhado com a lembrança de
mim — o homem pequeno, rastejante, curvado, bajulador que me tornara. Então eu não era
romântico; não era nem sequer agradável.
— Também preciso de uma lista de pessoas que possam ter machucado Amy, que possam ter
algo contra ela.
— Devo lhe dizer que aparentemente Amy tentou comprar uma arma, no começo deste ano.
— A polícia sabe?
— Sim.
— Você sabia?
— Não até o sujeito de quem ela tentou comprar me dizer.
Ele levou exatamente dois segundos para pensar.
— Então aposto que a teoria deles é de que ela queria uma arma para se proteger de você —
disse. — Ela estava isolada, estava assustada. Queria acreditar em você, mas podia sentir que
algo estava muito errado, então queria uma arma para o caso de seu pior medo estar certo.
— Uau, você é bom.
— Meu pai era policial — explicou ele. — Mas gosto da ideia da arma; agora só precisamos
de alguém para ligá-la a ela além de você. Nada é absurdo demais. Se ela discutia
constantemente com um vizinho por causa dos latidos de um cão, se foi obrigada a rejeitar
alguém que flertava com ela, qualquer coisa que você tenha eu preciso. O que você sabe sobre
Tommy O’Hara?
— Isso! Sei que ele ligou para nosso telefone de denúncias algumas vezes.
— Ele foi acusado de violentar Amy em um encontro em 2005.
Senti meu queixo cair, mas não disse nada.
— Ela estava saindo com ele de vez em quando. Houve um jantar na casa dele, as coisas
saíram de controle e ele a estuprou, segundo minhas fontes.
— Quando em 2005?
— Maio.
Fora durante os oito meses em que eu havia perdido Amy — o tempo entre nosso encontro no
ano-novo e o dia em que a encontrei novamente na Sétima Avenida.
Tanner apertou a gravata, torceu uma aliança cravejada de diamantes, me avaliando.
— Ela nunca lhe contou.
— Eu nunca ouvi nada sobre isso — disse. — De ninguém. Mas sobretudo não de Amy.
— Você ficaria surpreso com o número de mulheres que ainda acham isso um estigma.
Envergonhado.
— Não posso acreditar que eu...
— Tento nunca chegar a uma reunião dessas sem informação nova para meu cliente —
explicou ele. — Quero lhe mostrar como levo a sério o seu caso. E quanto você precisa de mim.
— Esse cara pode ser um suspeito?
— Claro, por que não? — disse Tanner despreocupado demais. — Ele tem um passado de
violência para com sua esposa.
— Ele foi para a prisão?
— Ela retirou a acusação. Imagino que não quisesse testemunhar. Se você e eu decidirmos
trabalhar juntos, mandarei investigá-lo. Enquanto isso, pense em qualquer um que se interessou
por sua esposa. Mas será melhor se for alguém de Carthage. Mais plausível. Agora... —
continuou Tanner, cruzando as pernas, expondo a fileira de baixo de seus dentes,
desconfortavelmente apertados e manchados em comparação com a fileira de cima, perfeita como
uma cerca branca. Ele apoiou os dentes tortos sobre o lábio superior por um momento. — Agora
vem a parte mais difícil, Nick. Preciso de total honestidade de sua parte, porque não vai
funcionar de nenhum outro jeito. Então me conte tudo sobre seu casamento, pode me contar o
pior. Porque, se eu souber o pior, posso me preparar. Mas se eu for surpreendido, estamos
fodidos. E se estivermos fodidos, você estará fodido. Porque eu poderei ir embora em meu G4.
Respirei profundamente. Olhei nos olhos dele.
— Eu traí Amy. Tenho traído Amy.
— Certo. Com várias mulheres ou apenas uma?
— Não, não várias. Eu nunca havia traído antes.
— Então, com uma mulher? — perguntou Bolt, e desviou os olhos, que pousaram em uma
aquarela de um barco a vela, enquanto torcia a aliança. Eu podia imaginá-lo telefonando para a
esposa depois, dizendo: Uma vez só, apenas uma vez, eu quero um cara que não seja um
babaca.
— Sim, uma única garota, ela é muito...
— Não diga garota, jamais diga garota — cortou Bolt. — Mulher. Uma mulher que é muito
especial para você. Era isso que você ia dizer?
Claro que era.
— Sabe, Nick, especial na verdade é pior que... tudo bem. Quanto tempo?
— Pouco mais de um ano.
— Você falou com ela desde que Amy desapareceu?
— Sim, em um celular descartável. E pessoalmente, uma vez. Duas. Mas...
— Pessoalmente.
— Ninguém nos viu. Posso jurar isso. Só minha irmã.
Ele respirou fundo, olhou novamente para o barco a vela.
— E o que essa... Qual o nome dela?
— Andie.
— Qual o comportamento dela em relação a isso tudo?
— Ela tem sido ótima; até o... anúncio de gravidez. Agora acho que ela está um pouco...
nervosa. Muito nervosa. Muito, hã... carente é a palavra errada...
— Diga o que precisa dizer, Nick. Se ela está carente, então...
— Ela está carente. Grudenta. Precisa muito ser tranquilizada. É uma garota muito doce, mas
é jovem, e tem... tem sido difícil, obviamente.
Tanner Bolt foi ao seu frigobar e pegou um suco de tomate Clamato. A geladeira inteira
estava cheia de suco de tomate. Ele abriu a garrafa e bebeu tudo em três goles, depois limpou os
lábios com um guardanapo de pano.
— Você terá de cortar, completamente e para sempre, todo contato com Andie — ordenou
ele. Comecei a falar e ele me mostrou a palma da mão. — Imediatamente.
— Não posso simplesmente romper com ela assim. Do nada.
— Isto não está aberto a discussão. Nick. Quer dizer, vamos lá, camarada, eu realmente tenho
de dizer isto? Você não pode sair por aí tendo encontros românticos enquanto sua esposa grávida
está desaparecida. Você irá para a porra de uma prisão. Agora, a questão é fazer isso sem que
ela se volte contra nós. Sem a deixar com um desejo de vingança, uma ânsia de fazer declarações
públicas, nada além de boas recordações. Faça com que ela acredite que essa era a coisa decente
a se fazer, com que queira mantê-lo em segurança. Como você é com términos de relação?
Eu abri a boca, mas ele não esperou.
— Vou prepará-lo para a conversa, da mesma forma que o prepararia para um interrogatório,
certo? Agora, se você me quiser, voarei para o Missouri, montarei acampamento e poderemos
realmente começar a trabalhar nisso. Posso estar com você já amanhã se me quiser como seu
advogado. Você quer?
— Quero.
* * *
Eu estava de volta a Carthage antes da hora do jantar. Foi estranho, assim que Tanner tirou
Andie do quadro — assim que ficou claro que ela simplesmente não poderia permanecer — com
que rapidez aceitei isso, quão pouco lamentei a perda. Durante aquele único voo de duas horas eu
fiz a transição de amando Andie para não amando Andie. Foi como passar por uma porta. Nossa
relação imediatamente ganhou um tom sépia: o passado. Que estranho que eu tivesse arruinado
meu casamento por causa daquela garotinha com quem não tinha nada em comum a não ser o fato
de ambos gostarmos de uma boa risada e de uma cerveja gelada depois do sexo.
Claro que você está bem com o rompimento, diria Go. A relação ficou difícil.
Mas havia uma razão melhor: Amy estava crescendo em minha mente. Ela estava
desaparecida, e no entanto estava mais presente do que qualquer outra pessoa. Eu me apaixonara
por Amy porque eu era um Nick aperfeiçoado com ela. Amá-la me tornava sobre-humano, fazia
com que me sentisse vivo. Mesmo no seu momento mais fácil, ela era difícil, porque seu cérebro
estava sempre trabalhando, trabalhando, trabalhando — eu tinha de me superar para acompanhá-
la. Passava uma hora redigindo um e-mail banal para ela, passei a estudar mistérios para
conseguir mantê-la interessada: os poetas do lago, o código do duelo, a Revolução Francesa. A
mente dela era tanto ampla quanto profunda, e fiquei mais inteligente por estar ao seu lado. E
mais atencioso, mais ativo, mais vivo e quase elétrico, pois, para Amy, o amor era como drogas,
álcool ou pornografia: não havia limite. Cada exposição precisava ser mais intensa que a última
para alcançar o mesmo resultado.
Amy me fez acreditar que eu era excepcional, que estava à altura do seu nível de jogo. Isso
foi tanto a criação quanto a dissolução de nós dois. Porque eu não podia dar conta das suas
exigências de grandeza. Comecei a ansiar por leveza e mediocridade, e me odiei por esses
sentimentos, e no fim das contas, percebi, puni Amy por isso. Eu a transformei na coisa irritadiça,
espinhosa que ela se tornou. Eu fingira ser um tipo de homem e me revelei outro bem diferente.
Pior, me convenci de que nossa tragédia fora causada exclusivamente por ela. Passei anos me
transformando exatamente na coisa que jurava que ela era: uma bola de ódio moralista.
* * *
No voo para casa, eu olhei para a Pista 4 por tanto tempo que a decorei. Eu queria me
torturar. Não era de se espantar que seus bilhetes estivessem tão diferentes dessa vez: minha
esposa estava grávida, queria um recomeço, queria nos devolver à nossa vitalidade fantástica e
feliz. Eu podia imaginá-la percorrendo a cidade para esconder aqueles bilhetes carinhosos,
ansiosa como uma colegial para que eu chegasse ao fim — o anúncio de que ela estava grávida
do meu filho. Madeira. Só podia ser um berço antigo. Eu conhecia minha esposa: só podia ser um
berço antigo. Embora a pista não tivesse exatamente o tom de uma futura mãe.
Imagine eu: sou uma garota que se comportou muito mal toda a vida
Eu preciso ser punida, e por punida quero dizer comida
É onde você guarda bens para o aniversário cinco do casal
Me perdoe se isto está ficando artificial!
Um bom momento foi vivido aqui, bem ao sol do meio-dia
Depois na rua para um coquetel, tudo tão terrivelmente cheio de alegria.
Então corra para lá agora mesmo, cheio de uma doce visão,
E abra a porta para uma grande surpresa que vai iluminar seu coração
Eu estava quase em casa quando descobri. Guarda bens para o aniversário cinco: os bens
seriam algo feito de madeira. Punir é levar alguém para o depósito de madeira. Era o depósito
atrás da casa da minha irmã — um lugar para estocar peças de cortador de grama e ferramentas
enferrujadas —, uma velha construção decrépita, como algo saído de um filme de terror em que
campistas são assassinados lentamente. Go nunca ia lá; costumava brincar dizendo que ia
queimar a coisa toda desde que se mudara para a casa. Em vez disso, deixara que ele ficasse
ainda mais tomado por mato e teias de aranha. Sempre brincávamos dizendo que seria um bom
lugar para enterrar um cadáver.
Não podia ser.
Atravessei a cidade, meu rosto dormente, minhas mãos geladas. O carro de Go estava na
rampa, mas passei pela janela iluminada da sala de estar e desci o íngreme declive, e logo estava
fora da linha de visão dela, fora da vista de qualquer um. Um lugar muito privado.
Bem nos fundos do quintal, no limite das árvores, estava o depósito.
Eu abri a porta.
Nãonãonãonãonão.
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