Eu não vou culpar Nick. Não culpo Nick. Eu me recuso — recuso! — a me transformar em
uma garota chata, insolente e estridente. Fiz duas promessas a mim mesma quando me casei com
Nick. Primeira: nada de exigências de macaco amestrado. Segunda: eu nunca, jamais, diria
Claro, por mim tudo bem (se você quiser ficar na rua até mais tarde, se quiser ter um fim de
semana entre rapazes, se quiser fazer algo que deseja) e depois puni-lo por fazer o que eu disse
que estava tudo bem por mim. Temo que esteja perigosamente perto de quebrar essas duas
promessas.
Ainda assim. É nosso terceiro aniversário de casamento e estou sozinha em nosso
apartamento, meu rosto coberto de lágrimas porque, bem, porque: hoje de tarde, recebo uma
mensagem de voz de Nick e já sei que será ruim, sei no instante em que a mensagem começa,
porque vejo que ele está ligando do celular e posso ouvir vozes masculinas ao fundo, e uma
pausa longa, como se ele estivesse tentando decidir o que dizer, e então ouço sua voz de táxi
pastosa, uma voz que já está úmida e preguiçosa de álcool, e sei que vou ficar com raiva —
aquela inalação rápida, os lábios se crispando, ombros levantando, a sensação de eu não quero
ficar furiosa, mas vou ficar. Será que os homens não conhecem essa sensação? Você não quer
ficar furiosa, mas é obrigada a ficar, quase. Porque uma regra, uma boa regra, uma regra legal
está sendo quebrada. Ou talvez regra seja a palavra errada. Protocolo? Gentileza? Mas a
regra/protocolo/gentileza — nosso aniversário de casamento — está sendo quebrada por uma
boa razão, eu entendo, sério. Os boatos eram verdade: dezesseis funcionários foram demitidos da
revista de Nick. Um terço da equipe. Nick foi poupado por ora, mas claro que ele se sente
obrigado a levar os outros para se embebedar. Eles são homens, enfiados em um táxi, seguindo
para a Segunda Avenida, fingindo que são corajosos. Uns poucos foram para casa e para suas
esposas, mas um número surpreendente ficou na rua. Nick passará a noite do nosso aniversário de
casamento pagando bebidas para esses homens, indo a clubes de striptease e bares vagabundos,
flertando com garotas de vinte e dois anos (Meu amigo aqui acabou de ser demitido, ele
gostaria de um abraço). Esses homens desempregados proclamarão Nick um grande sujeito
enquanto ele paga suas bebidas com um cartão de crédito vinculado à minha conta bancária. Nick
irá se divertir muito em nosso aniversário de casamento, que ele nem sequer mencionou na
mensagem. Em vez disso, falou: Sei que tínhamos planos, mas...
Estou sendo mulherzinha. Mas pensei que isso seria uma tradição: eu espalhei pequenas
mensagens de amor por toda a cidade, lembranças de nosso ano passado juntos, minha caça ao
tesouro. Posso imaginar a terceira pista, pendurada por um durex no vértice do V da escultura
Love, de Robert Indiana, perto do Central Park. Amanhã, algum turista entediado de doze anos se
arrastando atrás dos pais irá pegá-la, ler, dar de ombros e soltá-la flutuando como um papel de
chiclete.
O final de minha caça ao tesouro era perfeito, mas agora não é. É uma maleta vintage
absolutamente gloriosa. Couro. Terceiro aniversário de casamento é couro. Um presente
relacionado a trabalho pode ser uma má ideia, considerando que o trabalho agora não está
exatamente alegre. Tenho duas lagostas vivas em nossa cozinha, como sempre. Ou como o que
devia ser como sempre. Preciso telefonar para minha mãe e descobrir se posso guardá-las por
um dia, agitando-se em sua caixa, ou se eu preciso entrar na cozinha, com meus olhos baços de
vinho, enfrentá-las e fervê-las em minha panela sem qualquer motivo. Estou matando duas
lagostas que nem ao menos irei comer.
Papai telefonou para nos desejar feliz aniversário de casamento, eu atendi e ia fingir que
estava tudo bem, mas então desatei a chorar assim que comecei a falar — estava com a medonha
fala-choro de garota: buáá-áá-buáá-áá-buáá-áá —, então tive de contar a ele o que havia
acontecido, e ele me disse para abrir uma garrafa de vinho e me entregar um pouco a ela. Papai
sempre defende um bom recolhimento indulgente. Ainda assim, Nick ficará com raiva por eu ter
contado a Rand, e claro que Rand cumprirá seu dever paterno de dar um tapinha no ombro de
Nick e dizer: “Ouvi dizer que você teve de se dedicar a um porre de emergência em seu
aniversário de casamento, Nicky.” E dará um risinho. E então Nick saberá, e ficará com raiva de
mim, pois quer que meus pais acreditem que ele é perfeito — ele fica todo orgulhoso quando
conto histórias de como ele é um genro impecável.
Exceto por esta noite. Eu sei, eu sei, estou sendo mulherzinha.
* * *
São cinco da manhã. O sol está nascendo, quase tão brilhante quanto as luzes lá fora que
acabaram de se apagar. Sempre gostei de ver essa mudança quando estou acordada. Às vezes,
quando não consigo dormir, saio da cama e ando pelas ruas ao amanhecer, e quando as luzes se
apagam, todas ao mesmo tempo, sempre me sinto como se tivesse visto algo especial. Quero
anunciar: Ah, lá se vão as luzes da rua! Em Nova York, a hora calma não é às três ou quatro da
manhã — ainda há muitos retardatários em bares berrando uns com os outros enquanto desabam
em táxis, gritando em seus celulares, fumando freneticamente um último cigarro antes de dormir.
Cinco da manhã, essa é a melhor hora, quando o ruído dos seus saltos na calçada soa ilícito.
Todas as pessoas foram colocadas em suas caixas, e você tem o lugar inteiro só para você.
Eis o que aconteceu: Nick chegou em casa pouco depois das quatro da manhã, um bulbo de
cerveja, cigarro e ovos fritos grudado nele, uma placenta de fedor. Eu ainda estava acordada,
esperando por ele, meu cérebro vazio após uma maratona de Law and Order. Ele se sentou em
nosso divã, espiou o presente na mesa e não disse nada. Olhei para ele. Claramente não ia chegar
nem perto de um pedido de desculpas — ei, foi mal, as coisas ficaram feias hoje. Era só o que
eu queria, apenas um rápido reconhecimento.
— Feliz dia seguinte do aniversário de casamento — começo.
Ele suspira, um profundo gemido ofendido.
— Amy, eu tive o pior dia de todos os tempos. Por favor, não me faça me sentir culpado além
de tudo.
Nick cresceu com um pai que nunca, jamais se desculpava, então, quando sente que fez algo
errado, ele parte para o ataque. Eu sei disso, e normalmente consigo esperar que termine...
normalmente.
— Só estou dizendo feliz aniversário de casamento.
— Feliz aniversário de casamento, meu marido babaca que me abandonou em meu grande
dia.
Ficamos sentados em silêncio por um minuto, um nó se formando no meu estômago. Não
quero ser a vilã aqui. Não mereço isso. Nick se levanta.
— E então, como foi? — pergunto, desinteressada.
— Como foi? Foi horrível, porra. Dezesseis dos meus amigos agora estão desempregados.
Foi pavoroso. Eu provavelmente também vou ser mandado embora daqui a alguns meses.
Amigos. Ele nem gosta de metade dos caras com os quais passou a noite, mas não digo nada.
— Sei que a situação parece péssima agora, Nick. Mas...
— A situação não é péssima para você, Amy. Não para você, nunca será péssima. Mas para o
resto de nós? É muito diferente.
A velha discussão. Nick fica ressentido porque nunca tive de me preocupar com dinheiro e
porque nunca terei. Ele acha que isso me torna mais fraca que todos os outros, e não discordo
dele. Mas eu trabalho. Bato ponto ao entrar e bato ponto ao sair. Algumas de minhas amigas
literalmente nunca tiveram um emprego; elas falam de pessoas com empregos com o tom de pena
que você usaria ao falar de uma garota gorda com “um rosto tão bonito”. Elas se inclinam para a
frente e dizem: “Mas claro, Ellen tem de trabalhar”, como algo saído de uma peça de Noël
Coward. Elas não me incluem, porque eu posso largar o emprego a qualquer momento, caso
queira. Poderia passar o dia cuidando de comitês beneficentes, decoração de interiores,
jardinagem e trabalho voluntário, e não acho que haja nada de errado em construir uma vida com
base nessas coisas. A maioria das coisas bonitas e boas é feita por mulheres que as pessoas
desprezam. Mas eu trabalho.
— Nick, estou do seu lado. Ficaremos bem, não importa o que aconteça. Meu dinheiro é seu
dinheiro.
— Não segundo o acordo pré-nupcial.
Ele está bêbado. Só menciona o acordo pré-nupcial quando está bêbado. Então todo o
ressentimento volta à tona. Eu disse a ele centenas, literalmente centenas de vezes, as palavras: o
acordo pré-nupcial não passa de negócios. Não é para mim, não é nem para meus pais, é para os
advogados dos meus pais. Não quer dizer nada sobre nós, não sobre mim e você.
Ele vai na direção da cozinha, joga a carteira e dólares amassados na mesinha de centro,
amassa um papel e o atira no lixo com uma série de recibos de cartão de crédito.
— É muito escroto você dizer isso, Nick.
— É muito escroto sentir isso, Amy.
Ele vai até o bar — no passo cuidadoso e arrastado de um bêbado — e se serve de outro
drinque.
— Você vai passar mal — digo.
Ele ergue o copo em um brinde como que mandando que eu vá me catar.
— Você simplesmente não entende, Amy. Simplesmente não entende. Eu trabalho desde que
tinha catorze anos. Eu não fui para uma porra de acampamento de tênis, acampamento de escrita
criativa, não fiz curso para admissão à universidade e toda essa merda que aparentemente todo
mundo em Nova York fez, porque eu estava limpando mesas no shopping e aparando gramados e
indo para Hannibal e me vestindo como Huck Finn para os turistas, cacete, e estava limpando as
panelas de funnel cake à meia-noite.
Sinto vontade de rir, na verdade de cair na gargalhada, uma grande gargalhada visceral que
conquistaria Nick, e logo ambos estaríamos rindo e a discussão estaria terminada. Aquela litania
de trabalhos vagabundos. Ser casada com Nick sempre me faz lembrar: as pessoas têm de fazer
coisas medonhas por dinheiro. Desde que estou casada com Nick, sempre cumprimento pessoas
vestidas de comida.
— Eu tive de trabalhar muito mais do que todos os outros na revista apenas para entrar para
a revista. Basicamente trabalhei vinte anos para chegar onde estou, e agora tudo vai acabar, e não
há porra nenhuma que eu saiba fazer no lugar disso, a não ser que queira voltar para a minha
cidade e ser um rato de rio novamente.
— Você provavelmente está velho demais para interpretar Huck Finn — digo.
— Vá se foder, Amy.
E então ele vai para o quarto. Ele nunca me disse isso antes, mas saiu de sua boca tão
facilmente que eu suponho — e isso nunca passou pela minha cabeça —, eu suponho que ele já
pensou isso. Muitas vezes. Nunca pensei que seria o tipo de mulher cujo marido mandaria ir se
foder. E havíamos prometido nunca ir para a cama com raiva. Concessão, comunicação, e nunca
ir para a cama com raiva — os três conselhos dados e repetidos aos recém-casados. Mas
ultimamente parece que eu sou a única a fazer concessões. Nossa comunicação não resolve nada,
e Nick é muito bom em ir para a cama com raiva. Ele pode fechar suas emoções como uma
torneira. Já está roncando.
E então não consigo me conter, embora não seja da minha conta, embora Nick fosse ficar
furioso se soubesse: vou até a lata de lixo e tiro os recibos, para descobrir onde ele esteve a
noite toda. Dois bares, dois clubes de striptease. E posso vê-lo em cada um, falando de mim para
os amigos, porque já devia ter falado de mim, para que toda aquela maldade mesquinha e suja
saísse tão facilmente. Eu os imagino em um dos clubes de striptease mais caros, daqueles
luxuosos, que fazem os homens acreditarem que ainda são projetados para comandar, que as
mulheres existem para servi-los, a acústica deliberadamente ruim e a música martelando para que
ninguém tenha de conversar, uma mulher de peitos siliconados montada em meu marido (que jura
que é tudo brincadeira), os cabelos escorrendo pelas costas, os lábios com gloss, mas não devo
me sentir ameaçada, não, é apenas farra juvenil, devo rir disso, devo levar na esportiva.
Então desenrolo o papel amassado e vejo uma caligrafia de mulher — Hannah — e um
número de telefone. Gostaria que fosse como nos filmes, algo bobo como nome, CanDee ou
Bambie, algo que me fizesse erguer os olhos para o teto. Misti, com dois corações como pingos
nos is. Mas o nome é Hannah, que é uma mulher real, presumivelmente como eu. Nick nunca me
traiu, ele jurou isso, mas eu também sei que ele tem muitas oportunidades. Eu poderia perguntar a
ele sobre Hannah, e ele diria: Não tenho ideia de por que ela me deu o telefone, mas não quis
ser grosseiro, então aceitei. O que pode ser verdade. Ou não. Ele poderia me trair e nunca me
contar, e teria uma opinião cada vez pior de mim por não descobrir. Ele me veria do outro lado
da mesa do café, comendo cereal inocentemente, e saberia que sou uma idiota, e como alguém
pode respeitar uma idiota?
Agora estou chorando novamente, com Hannah em minha mão.
É uma coisa muito feminina, não é, pegar uma noite entre rapazes e piorá-la até transformá-la
em uma infidelidade matrimonial que irá destruir nosso casamento?
Não sei o que devo fazer. Estou me sentindo uma megera esganiçada ou um capacho idiota —
não sei qual. Não quero ficar com raiva, não consigo sequer saber se deveria estar com raiva.
Penso em me hospedar em um hotel, deixar que ele pense em mim, para variar.
Fico onde estou durante alguns minutos, depois respiro profundamente e entro em nosso
quarto úmido de álcool, e quando deito na cama ele se vira para mim, passa os braços ao meu
redor, enfia o rosto em meu pescoço e nós dois dizemos ao mesmo tempo: “Me desculpe.”
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