cozinha quando o pôr do sol ilumina seu perfil, para que eu possa admirá-lo, me levando pela
mão para a sala das tulipas para agradecer-lhe novamente, me lembrando como estou segura e
sou amada.
Ele diz que estou segura e sou amada embora não me deixe sair, o que não faz com que me
sinta segura e amada. Ele não deixa as chaves de nenhum carro. Nem chaves da casa nem a senha
de segurança do portão. Sou uma prisioneira — o portão tem quatro metros e meio de altura, e
não há escadas na casa (eu procurei). Imagino que poderia arrastar vários móveis até o muro,
empilhá-los, escalar e saltar para o outro lado, fugindo mancando ou me arrastando, mas essa não
é a questão. A questão é que sou a estimada e querida hóspede dele, e uma hóspede deve poder
partir quando quiser. Eu mencionei isso há alguns dias.
— E se eu tiver de partir? Imediatamente?
— Talvez eu devesse me mudar para cá — retruca. — Então poderia estar aqui o tempo todo
e mantê-la em segurança, e, se algo acontecer, poderíamos partir juntos.
— E se sua mãe desconfiar, aparecer aqui e encontrar você me escondendo? Seria horrível.
A mãe dele. Eu morreria se a mãe dele aparecesse aqui, pois ela me denunciaria
imediatamente. A mulher me despreza, tudo por causa daquele incidente no ensino médio — tanto
tempo atrás, e ela ainda guarda rancor. Arranhei meu rosto e disse a Desi que ela me atacara (a
mulher era tão possessiva, e tão fria comigo, que bem poderia ter atacado). Não se falaram por
um mês. Certamente fizeram as pazes.
— Jacqueline não sabe a senha. Esta é minha casa no lago. — Faz uma pausa enquanto finge
pensar. — Eu realmente deveria me mudar para cá. Não é saudável para você passar tantas horas
sozinha.
Mas não estou sozinha, não tanto. Estabelecemos uma espécie de rotina em apenas duas
semanas. É uma rotina determinada por Desi, meu carcereiro elegante, meu cortejador mimado.
Desi chega pouco depois do meio-dia, sempre cheirando a algum almoço caro que devorou com
Jacqueline em algum restaurante com toalha de mesa branca, o tipo de lugar ao qual me levaria
caso nos mudássemos para a Grécia. (Esta é a outra opção que ele apresenta repetidamente:
poderíamos nos mudar para a Grécia. Por alguma razão, ele acredita que nunca serei identificada
em uma pequena aldeia de pescadores na Grécia onde ele passou muitos verões e onde sei que
nos imagina tomando vinho, fazendo um amor preguiçoso ao pôr do sol, as barrigas cheias de
polvo.) Ele cheira a almoço quando entra, ele o exala. Deve passar fígado de ganso atrás das
orelhas (assim como a mãe sempre teve um cheiro levemente vaginal — comida e sexo, o fedor
dos Collings, não é uma estratégia ruim.)
Ele entra e me faz salivar. O cheiro. Ele me traz algo bom para comer, mas não tão bom
quanto o que ele comeu: está me emagrecendo, ele sempre preferiu suas mulheres diáfanas. Então
ele me traz adoráveis carambolas verdes, alcachofras pontudas, caranguejos espinhosos,
qualquer coisa que demande uma preparação elaborada e ofereça pouco em troca. Estou quase
com meu peso normal novamente, e meus cabelos estão crescendo. Eu os uso presos com uma
faixa que ele me trouxe, e os pintei de louro novamente, graças a uma tinta que ele também trouxe
para mim.
— Acho que irá se sentir melhor consigo mesma quando começar a parecer mais consigo
mesma, querida — diz ele.
Sim, é tudo pelo meu bem-estar, não pelo fato de que ele quer que eu tenha exatamente a
mesma aparência de antes. Amy circa 1987.
Eu almoço enquanto ele paira ao meu redor, esperando os elogios. (Nunca ter de dizer essa
palavra — obrigada — novamente. Não me lembro de Nick jamais ter parado para me permitir
— me obrigar — a lhe agradecer.) Termino o almoço e ele arruma as coisas o melhor que pode.
Somos duas pessoas desacostumadas a arrumar e limpar as coisas que usamos; o lugar começa a
parecer habitado — manchas estranhas nos balcões, poeira nas janelas.
Uma vez o almoço encerrado, Desi brinca um pouco comigo: meus cabelos, minha pele,
minhas roupas, minha mente.
— Olhe só para você — comenta, colocando meus cabelos para trás das orelhas do modo
como ele gosta, desabotoando uma casa de minha camisa e a afrouxando no pescoço para poder
olhar para o vazio em minha clavícula. Ele coloca o dedo na pequena depressão, enchendo o
vazio. É obsceno. — Como Nick pode ter machucado você, não tê-la amado, ter traído você?
Ele sempre toca nesses pontos, cutucando verbalmente a ferida.
— Não seria adorável simplesmente esquecer Nick, esses cinco anos medonhos, e seguir em
frente? Você tem essa chance, sabe, de recomeçar totalmente com o homem certo. Quantas
pessoas podem dizer isso?
Quero recomeçar com o homem certo, o Novo Nick. As coisas estão parecendo feias para
ele, horríveis. Apenas eu posso salvar Nick de mim. Mas estou presa.
— Se você um dia saísse daqui e eu não soubesse para onde foi, teria de procurar a polícia
— diz ele. — Não teria escolha. Precisaria ter certeza de que você está segura, de que Nick não
está... prendendo você em algum lugar contra a sua vontade. Violando você.
Uma ameaça disfarçada de preocupação.
Agora olho para Desi com uma aversão absoluta. Às vezes sinto que minha pele deve estar
quente de nojo e do esforço de esconder esse nojo. Eu me esquecera de como ele era. A
manipulação, a persuasão ronronante, o tormento delicado. Um homem que acha a culpa erótica.
E se ele não tiver as coisas do seu jeito, puxará algumas alavancas e colocará a punição em
andamento. Ao menos Nick foi homem o bastante para enfiar seu pau em alguma coisa. Desi
empurra e empurra com seus dedos lustrosos e finos até eu dar a ele o que deseja.
Achei que poderia controlar Desi, mas não posso. Sinto que algo muito ruim está prestes a
acontecer.
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