terça-feira, 18 de agosto de 2015

NICK DUNNE QUATORZE DIAS SUMIDA


Acordei no sofá de minha irmã com uma terrível ressaca e uma ânsia de matar minha esposa.
Isso era muito comum nos dias após o Interrogatório do Diário pela polícia. Eu imaginava
encontrar Amy escondida em um spa na Costa Oeste, tomando suco de abacaxi em um divã, suas
preocupações flutuando bem longe, acima de um céu de um azul perfeito, e eu, sujo, fedendo de
uma viagem urgente de carro pelo país, de pé na frente dela, bloqueando o sol até que ela
erguesse os olhos, e então minhas mãos ao redor de seu pescoço perfeito, com seus tendões e
suas depressões, e a pulsação, primeiro urgente, depois desacelerando, enquanto nos
encarávamos e finalmente chegávamos a um acordo.
Eu seria preso. Se não hoje, amanhã; se não amanhã, no dia seguinte. Eu interpretara o fato de
a polícia ter me deixado sair da delegacia como um bom sinal, mas Tanner me calara: “Sem um
cadáver, uma condenação é incrivelmente difícil. Eles estão apenas colocando os pingos nos is,
os traços nos tês. Aproveite esses dias para fazer o que precisar, porque, assim que houver a
prisão, ficaremos ocupados.”
* * *
Eu podia ouvir do lado de fora da janela o barulho de equipes de reportagem — homens
desejando bom-dia uns aos outros, como se estivessem batendo ponto na fábrica. Câmeras
estalavam sem parar como gafanhotos inquietos, disparando na frente da casa de Go. Alguém
vazara a descoberta de meu “recanto do guerreiro” cheio de mercadorias, na propriedade de
minha irmã, minha prisão iminente. Nenhum de nós ousava sequer espiar por uma cortina.
Go entrou na sala vestindo calças de pijama de flanela e sua camiseta da banda Butthole
Surfers do ensino médio, o laptop embaixo do braço.
— Todo mundo odeia você outra vez — disse.
— Babacas inconstantes.
— Ontem à noite alguém vazou a informação sobre o depósito, sobre a bolsa e o diário de
Amy. Agora é tudo Nick é um mentiroso, Nick é um assassino, Nick é um assassino mentiroso.
Sharon Schieber acabou de divulgar uma declaração dizendo que ficou muito chocada e
desapontada com o rumo que o caso estava tomando. Ah, e todos sabem sobre a pornografia:
Mate as piranhas.
— Machuque a piranha.
— Ah, desculpe — ironizou ela. — Machuque a piranha. Então Nick é um assassino
mentiroso-barra-sádico sexual. Ellen Abbott vai pirar de ódio. Ela é uma fanática
antipornografia.
— Claro que é — disse. — Tenho certeza de que Amy tem plena consciência disso.
— Nick? — chamou ela em sua voz de acorde agora. — Isso é ruim.
— Go, não importa o que os outros pensam, precisamos nos lembrar disso — enfatizei. — O
que importa neste instante é o que Amy está pensando. Se ela está amolecendo em relação a mim.
— Nick, você realmente acha que ela pode passar tão rápido de ódio total a paixão por você
novamente?
Era o quinto aniversário de nossa conversa sobre esse assunto.
— Go, é, eu acho. Amy nunca foi uma pessoa com nenhuma espécie de detector de mentira.
Se você dizia que ela estava linda, ela considerava um fato. Se você dizia que era brilhante, não
era bajulação, era o que ela merecia. Então é, eu acho que boa parte dela realmente acredita que
se eu pelo menos pudesse ver como estava agindo de forma errada, claro que me apaixonaria por
ela novamente. Porque, como, em nome de Deus, eu não me apaixonaria?
— E se por acaso ela tiver desenvolvido um detector de mentira?
— Você conhece Amy; ela precisa vencer. Ela está menos furiosa por eu tê-la traído do que
por eu ter escolhido alguém no lugar dela. Ela vai me querer de volta apenas para provar que
venceu. Não concorda? Será difícil para ela resistir ao me ver implorando para que ela volte de
modo que eu possa idolatrá-la devidamente. Você não acha?
— Acho que é uma ideia decente — disse, do modo como você desejaria a alguém sorte na
loteria.
— Ei, se tiver uma ideia melhor, fique à vontade.
Nós tínhamos passado a nos tratar assim. Nunca tínhamos feito isso antes. Depois que a
polícia descobriu o depósito, eles pressionaram Go, muito, como Tanner previra: Ela sabia? Ela
ajudou?
Esperei que ela voltasse para casa naquela noite com xingamentos e fúria, mas tudo o que
recebi foi um sorriso constrangido enquanto ela passava por mim em direção a seu quarto na casa
que hipotecara duas vezes para cobrir a remuneração de Tanner.
Eu colocara minha irmã em perigo financeiro e legal por causa das minhas decisões de
merda. Toda a situação deixava Go ressentida e a mim envergonhado, uma combinação letal para
duas pessoas presas num espaço apertado.
Tentei outro assunto.
— Estive pensando em telefonar para Andie agora que...
— É, isso seria brilhante, Nick. Então ela pode aparecer outra vez no Ellen Abbott...
— Ela não apareceu no Ellen Abbott. Ela deu uma coletiva que Ellen Abbott transmitiu. Ela
não é má, Go.
— Ela deu a coletiva porque estava puta com você. Eu meio que preferia que você tivesse
continuado a trepar com ela.
— Legal.
— O que você iria dizer a ela?
— Iria pedir desculpas.
— Você definitivamente precisa pedir desculpas, puta merda — murmurou ela.
— Eu só... odeio o modo como terminou.
— Na última vez em que você viu Andie, ela mordeu você — lembrou Go com uma voz
exageradamente paciente. — Não acho que vocês tenham mais nada a dizer um ao outro. Você é o
principal suspeito em uma investigação de assassinato. Perdeu o direito a um rompimento
cordial. Puta merda, Nick.
Estávamos ficando cansados um do outro, algo que eu nunca achei que poderia acontecer. Era
mais do que simples estresse, mais do que o perigo que eu colocara junto à porta de Go. Aqueles
dez segundos há apenas uma semana, quando eu abrira a porta do depósito esperando que como
sempre Go lesse minha mente, e o que Go lera era que eu matara minha esposa: eu não poderia
superar isso, nem ela. Eu a flagrava olhando para mim às vezes com o mesmo calafrio severo
com que olhava para nosso pai: apenas mais um homem de merda ocupando espaço. Suponho que
eu às vezes olhasse para ela através dos olhos infelizes de nosso pai: apenas outra mulherzinha
ressentida.
Soltei o ar de uma vez, me levantei e apertei a mão dela, e ela apertou a minha.
— Acho que é melhor eu ir para casa — falei. Senti uma onda de náusea. — Não aguento
mais isso. Ficar esperando a prisão, não aguento.
Antes que ela pudesse me deter, agarrei minhas chaves, escancarei a porta e as câmeras
começaram a disparar, os gritos vindo de uma multidão ainda maior do que eu temera: Ei, Nick,
você matou sua esposa? Ei, Margo, você ajudou seu irmão a esconder provas?
— Bando de merdas — cuspiu Go.
Ela ficou junto a mim em solidariedade, com sua camiseta da Butthole Surfers e sua calça de
flanela. Alguns manifestantes levavam cartazes. Uma mulher com cabelos louros pegajosos e
óculos escuros sacudia um cartaz: Nick, onde está AMY?
Os gritos ficaram mais altos, frenéticos, provocando minha irmã: Margo, seu irmão é um
assassino? Nick matou a esposa e o bebê? Margo, você é considerada suspeita? Nick matou a
esposa? Nick matou o bebê?
Resisti, fincando pé, recusando-me a recuar de volta para casa. De repente, Go estava se
agachando atrás de mim, abrindo o registro perto dos degraus. Ela apertou o gatilho da mangueira
até o fim — um jato duro e constante — e acertou todos os cinegrafistas, manifestantes e
jornalistas bonitos em seus ternos de TV, molhou-os como animais.
Ela estava me oferecendo fogo de cobertura. Disparei para meu carro e fui embora, e os
deixei pingando no gramado da frente, Go rindo estridentemente.
* * *
Demorei dez minutos para passar com o carro da rampa para dentro da minha garagem,
abrindo caminho lentamente, lentamente para a frente, dividindo o oceano raivoso de seres
humanos — havia pelo menos vinte manifestantes em frente à minha casa, além das equipes de
reportagem. Minha vizinha Jan Teverer era uma delas. Fizemos contato visual, e ela apontou seu
cartaz para mim: ONDE ESTÁ AMY, NICK?
Finalmente entrei, e a porta da garagem baixou. Eu me sentei no calor do concreto, ofegante.
Todo lugar parecia uma prisão — portas se abrindo e fechando, se abrindo e fechando e eu
nunca me sentindo seguro.
* * *
Passei o resto do dia imaginando como iria matar Amy. Eu só conseguia pensar nisso:
encontrar uma forma de acabar com ela. Eu esmagando o cérebro superativo de Amy. Eu tinha de
dar o crédito a ela: eu podia ter estado adormecido nos últimos anos, mas estava totalmente
desperto agora. Estava de novo elétrico, como fora nos primeiros dias do nosso casamento.
Eu queria fazer algo, fazer algo acontecer, mas não havia nada a fazer. No final da noite, as
equipes de reportagem tinham partido, embora eu não pudesse me arriscar a sair de casa. Eu
queria caminhar. Contentei-me em andar de um lado para outro da casa. Eu estava tenso como um
elástico perigosamente esticado.
Andie tinha me sacaneado, Marybeth se virara contra mim, Go perdera uma dose crucial de
fé. Boney preparara uma armadilha para mim. Amy me destruíra. Servi-me de uma bebida. Tomei
um gole, apertei os dedos ao redor das curvas do copo e o arremessei contra a parede, vi o vidro
explodir como fogos de artifício, ouvi o barulho tremendo, senti o cheiro da nuvem de bourbon.
Fúria em todos os cinco sentidos. Aquelas piranhas desgraçadas.
Durante a vida inteira eu tentara ser um sujeito decente, um homem que amava e respeitava as
mulheres, um cara sem problemas psicológicos. E ali estava eu, pensando coisas horríveis sobre
minha gêmea, minha sogra, minha amante. Estava imaginando esmagar o crânio de minha esposa.
Houve uma batida na porta, um alto e furioso bang-bang-bang que me arrancou do pesadelo
que era o meu cérebro.
Abri a porta, escancarei-a, cumprimentando fúria com fúria.
Era meu pai, de pé no meu umbral como um espectro medonho convocado por meu ódio. Ele
respirava pesadamente e suava. A manga da camisa estava rasgada e seus cabelos, bagunçados,
mas os olhos tinham a habitual atenção soturna que o fazia parecer cruelmente são.
— Ela está aí? — disparou.
— Quem, pai, quem você está procurando?
— Você sabe quem — disse, passando por mim, marchando pela sala de estar, levando lama
nos pés, os punhos cerrados, o centro de gravidade, deslocado para a frente, o obrigando a
continuar andando ou cair, murmurando piranhapiranhapiranha. Ele cheirava a hortelã. Hortelã
de verdade, não processada, e eu vi uma mancha verde em suas calças, como se tivesse
pisoteado o jardim de alguém.
Putinha, aquela putinha, continuava murmurando. Passando pela sala de jantar, entrando na
cozinha, acendendo a luz. Uma barata subiu a parede correndo.
Eu o segui, tentando acalmá-lo, Pai, pai, por que não se senta, pai, quer um copo d’água,
pai... Ele desceu as escadas pisando duro, torrões de lama caindo de seus sapatos. Meus punhos
se cerraram. Claro que aquele desgraçado iria aparecer e tornar as coisas ainda piores.
— Pai! Caramba, pai! Não há ninguém aqui além de mim. Sou só eu.
Ele escancarou a porta do quarto de hóspedes, depois voltou para a sala de estar, me
ignorando.
— Pai!
Eu não queria tocar nele. Tinha medo de bater nele. Tinha medo de chorar.
Eu o impedi quando tentou subir para o quarto. Coloquei uma das mãos na parede, outra na
grade da escada, uma barricada humana.
— Pai! Olhe para mim.
As palavras saíram dele em uma fúria de perdigotos.
— Diga a ela, diga à putinha feia, que não acabou. Ela não é melhor que eu, diga a ela. Ela
não é boa demais para mim. Ela não tem direito de dar uma opinião. Aquela piranha feia vai ter
que aprender...
Juro que vi um vazio branco por um segundo, um instante de total e chocante clareza. Parei de
tentar bloquear a voz do meu pai pela primeira vez e a deixei latejar em meus ouvidos.
Eu não era aquele homem: eu não odiava e temia todas as mulheres. Eu era um misógino de
uma só mulher. Se desprezasse apenas Amy, concentrasse toda minha fúria, meu ódio e meu
veneno na única mulher que os merecia, isso não me transformava em meu pai. Isso me tornava são.
Putinha, putinha, putinha.
Nunca odiara meu pai mais do que por me fazer realmente amar aquelas palavras.
Piranha desgraçada, piranha desgraçada.
Eu o agarrei pelo braço com força, e o conduzi até o carro, bati a porta. Ele repetiu a
ladainha durante todo o caminho até a Comfort Hill. Eu entrei de carro na casa de repouso pela
entrada reservada para ambulâncias, fui até o lado dele, escancarei a porta, arranquei-o pelo
braço e o coloquei do lado de dentro.
Depois dei as costas e fui para casa.
                                                                         * * *
Piranha desgraçada, piranha desgraçada.
Mas não havia nada que eu pudesse fazer além de implorar. A piranha da minha esposa me
deixara sem nada além de meu triste pau na mão, implorando que ela voltasse para casa. Por
escrito, na internet, pela TV, onde fosse, tudo o que eu podia fazer era esperar que minha esposa
me visse interpretando o marido bonzinho, dizendo as palavras que ela queria que eu dissesse:
capitulação, total. Você está certa e eu estou errado, sempre. Volte para casa, para mim (sua
vagabunda desgraçada). Volte para casa para que eu possa matá-la.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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