sábado, 8 de agosto de 2015

CAPÍTULO VI



O Sr. Hindley voltou a casa para os funerais; e — coisa que nos
surpreendeu e provocou os mexericos dos vizinhos — trouxe consigo uma
esposa. De que família era e onde nascera, ele nunca nos disse; provavelmente
não tinha nem nome, nem fortuna, ou ele não teria escondido o casamento do pai.
Mas ela parecia ter bom gênio. Tudo quanto viu, desde que entrou em
casa, pareceu deleitá-la, bem como tudo o que acontecia à sua volta, exceto os
preparativos para o sepultamento e a presença das pessoas enlutadas. Achei
que ela era meio boba, pela sua maneira de se comportar: correu para o
quarto e fez-me ir com ela, embora estivesse na hora de eu vestir as crianças,
e lá ficou, tremendo e torcendo as mãos, e perguntando, repetidamente: — O
enterro já saiu? — Depois pôs-se a descrever, com histérica emoção, o efeito
que o fato de ver luto produzia nela; e começou novamente a tremer e acabou
por chorar. Quando lhe perguntei por que chorava, respondeu que não sabia,
mas que tinha tanto medo de morrer! Pareceu-me que ela tinha tanta
probabilidade de morrer quanto eu própria. Era magrinha, mas jovem, com
pele fresca e olhos que brilhavam como diamantes. Reparei, é verdade, que ao
subir as escadas ela ficava sem fôlego, que qualquer barulho inesperado a fazia
estremecer e que às vezes tossia de maneira estranha; mas não sabia o que
esses sintomas queriam dizer e não me sentia impelida a simpatizar com ela.
Nós aqui não costumamos ligar-nos aos forasteiros, Sr. Lockwood, a menos
que eles se liguem primeiro a nós.

 O jovem Earnshaw mudara consideravelmente nos três anos que
estivera fora. Estava mais magro, perdera as boas cores e falava e se vestia de
maneira bem diferente; no mesmo dia em que voltou, disse-nos, a Joseph e a
mim, que dali em diante nos retirássemos para os fundos da cozinha,
deixando a sala para ele e a família. Expressou, mesmo, a intenção de mandar
atapetar e forrar uma pequena saleta; mas a esposa mostrou-se tão encantada
com o chão branco e a enorme lareira, com os pratos de estanho e de
porcelana, com o lugar dos cães e a amplidão, que ele resolveu deixar tudo
como estava.
Ela também se mostrou encantada em encontrar uma irmã; tagarelava
com Catherine, beijava-a, corria de um lado para outro com ela e dava-lhe
quantidades de presentes, a princípio. Mas o seu afeto logo se esgotou, e,
quando ela começou a ficar mal-humorada, Hindley tornou-se tirânico.
Bastou que ela fizesse um comentário, evidenciando desagrado por
Heathcliff, para despertar nele o seu velho ódio pelo rapaz. Afastou-o da
companhia da família para a dos criados, privou-o das lições do cura e insistiu
para que ele passasse a trabalhar nos campos, igual a qualquer outro
empregado da fazenda.
Inicialmente, Heathcliff suportou muito bem a sua degradação, porque
Cathy ia lhe ensinando o que aprendia e trabalhava ou brincava com ele nos
campos. Ambos prometiam crescer como dois selvagens, pois o patrão não
queria saber de como eles se comportavam e do que faziam, desde que não o
aborrecessem. Não teria sequer cuidado de que eles fossem aos domingos à
igreja, não fosse Joseph e o cura censurarem a sua negligência, quando as crianças faltavam; isso fazia com que ele mandasse dar uma surra em

Heathcliff e privar Catherine do jantar ou da ceia. Mas um dos maiores
prazeres que eles tinham era correr para a charneca, de manhã bem cedo, e lá
ficar todo o dia; o castigo que se seguia era uma coisa risível. O cura podia
mandar Catherine decorar quantos capítulos quisesse e Joseph podia surrar
Heathcliff até ficar com o braço doendo; eles esqueciam tudo assim que se
apanhavam novamente juntos e concebiam algum plano de vingança; sei lá
quantas vezes chorei às escondidas, vendo-os ficarem dia a dia mais atrevidos
e não ousando falar nada, com medo de perder a pouca ascendência que ainda
retinha sobre aquelas crianças sem amigos. Numa noite de domingo, eles
foram expulsos da sala, por fazerem barulho ou coisa parecida; e, quando fui
chamá-los para jantar, não os encontrei por nenhum lado. Procuramos por
toda a casa, em cima e embaixo, no pátio e nas cavalariças; pareciam ter se
tornado invisíveis. Finalmente, Hindley mandou-nos trancar as portas e jurar
que ninguém os deixaria entrar essa noite. A criadagem foi para a cama, mas
eu, demasiado aflita para me deitar, abri a janela e pus a cabeça de fora,
embora chovesse, resolvida a abrir-lhes a porta, apesar da proibição. Não
tardou que ouvisse passos pela estrada e a luz de uma lanterna atravessar o
portão. Joguei um xale por cima da cabeça e corri para abrir, antes que eles
acordassem o Sr. Earnshaw. Deparei apenas com Heathcliff; levei um susto ao vê-lo só.
— Onde está Catherine? — exclamei, assustada. — Não lhe aconteceu
nada, não é? — Está na Granja Thrushcross — respondeu ele —, e eu
também devia estar lá, se eles tivessem tido a gentileza de me convidar para ficar.

— Bem, é para você aprender! — disse eu. — Que idéia foi essa de ir
até a Granja Thrushcross? — Deixe-me tirar essas roupas molhadas, Nelly —
respondeu ele —, que depois eu lhe conto. — Preveni-o de que tivesse
cuidado para não acordar o patrão, e ele, após ter mudado de roupa,
começou: — Eu e Cathy fugimos e, vendo ao longe as luzes da granja,
achamos boa idéia chegar até lá e ver se os Linton passavam as noites de
domingo de castigo nos cantos, enquanto os pais comiam e bebiam, cantavam
e riam e estavam no bem-bom da lareira. Você pensa que com eles é assim?
Que eles ficam tremendo de frio num canto, ou lendo sermões, ou sendo
catequizados por algum criado e obrigados a aprender de cor uma coluna de
nomes das Escrituras quando não respondem tudo certo? — Não, acho que
não — respondi. — Sem dúvida são crianças bem-comportadas e não
merecem o tratamento que vocês recebem. — Ora, não aborreça, Nelly —
retrucou ele.
— Corremos do alto do morro para o parque, sem parar. . . Catherine
ficou sem os sapatos. Você vai ter de ir procurá-los amanhã, no lodo.
Entramos por uma abertura na cerca, encontramos o caminho e subimos
num vaso, bem debaixo da janela da sala. A luz vinha de lá; não tinham
fechado as gelosias e as cortinas não haviam sido corridas. Eu e Cathy nos
agarramos ao peitoril e olhamos. . . Ah, que beleza! Vimos uma sala
maravilhosa, toda atapetada de vermelho, com poltronas também vermelhas e
o teto branco, orlado a ouro, com um chuveiro de gotas de cristal pendendo
do centro e brilhando com pequeninas velas. O Sr. e a Sra. Linton não
estavam lá; Edgar e a irmã tinham a sala só para eles. Que felicidade, você não
acha? Nós nos teríamos sentido no paraíso! Pois imagine o que as suas crianças bem-comportadas estavam fazendo. . . Isabella. . . deve ter uns onze
anos, ou seja, um ano menos do que Cathy. . . estava deitada no chão, no
fundo da sala, berrando como se a estivessem espetando com agulhas em
brasa. Edgar estava junto da lareira, chorando baixinho, e no meio da mesa
estava um cachorrinho, sacudindo a pata e ganindo, que, pelas acusações que
os dois faziam um ao outro, eles quase tinham esquartejado, puxando cada
um por uma extremidade. Os idiotas! Brigar por causa de uma bola de pêlo e
depois chorar e nenhum dos dois querer pegar no bicho! Rimos deles:
crianças mimadas! Quando é que você me viu chorar por querer o que
Catherine também queria? Ou quando é que você nos viu gritar, soluçar e
rolar pelo chão, um de cada lado da sala? Eu nunca trocaria a minha vida aqui
pela de Edgar Linton, na Granja Thrushcross. . . nunca, se pudesse ter o
privilégio de jogar Joseph do alto do telhado e de pintar a fachada da casa
com o sangue de Hindley!
— Chh! — interrompi. — Mas você ainda não me disse, Heathcliff. . .
o que aconteceu com Catherine?
— Bem, já lhe disse que rimos — respondeu ele. — Os Linton
ouviram-nos e correram, como flechas, para a porta, gritando: "Oh, mamãe,
mamãe! Papai! Mamãe, venha cá! Papai, socorro!" Gritavam como loucos.
Procuramos assustá-los ainda mais, fazendo barulhos horríveis, e depois
pulamos do peitoril da janela, porque ouvimos passos e achamos melhor
fugir. Eu estava puxando Cathy pela mão e dizendo-lhe para correr mais
depressa, quando, de repente, ela caiu. "Corra, Heathcliff, corra!", murmurou
ela. "Soltaram o buldogue e ele está me segurando!" O diabo do cão tinha lhe
agarrado o tornozelo, Nelly. Ouvia-o grunhir. Mas ela não gritou. Não, ela não gritaria nem se estivesse sendo atravessada pelos chifres de um touro.
Mas eu gritei! Amaldiçoei o bicho como se fosse o Demônio; peguei numa
pedra e meti-a entre os dentes do cão, procurando fazer com que ele a
engolisse. Uma besta de criado apareceu, finalmente, com uma lanterna,
gritando: "Agüenta firme, Skulker, agüenta firme!" Mas mudou de tom
quando viu o cão, com a enorme língua roxa meio palmo para fora da boca e
os lábios babando sangue. O homem tomou Cathy ao colo; ela estava pálida,
não de medo, disso eu tenho a certeza, mas de dor. Levou-a para dentro, e eu
fui atrás, murmurando pragas e prometendo vingança. "Que foi que ele
pegou, hein, Ro-bert?", perguntou Linton, da porta. "Skulker pegou uma
menina, meu senhor", respondeu o criado, "e tem também um garoto",
acrescentou, puxando-me pelo braço, "que parece um cigano! Acho que os
ladrões botaram os dois na janela para eles abrirem as portas para a quadrilha,
depois que todo o mundo estivesse dormindo, e poderem nos matar à
vontade. Cale a boca, seu ladrão descarado! Você ainda vai acabar na forca.
Sr. Linton, não largue a espingarda." "Não, não, Robert", disse o bobo do
velho. "Os safados sabiam que ontem foi o meu dia de receber a renda e
pensaram que a ocasião era boa para me assaltar. Pois que venham: estou
pronto para recebê-los. John, tranque a porta. Jenny, dê água a Skulker.
Assaltar um magistrado na sua própria casa e no domingo, ainda por cima!
Até onde chegará o atrevimento deles? Oh, Mary, veja só! Não tenha medo, é
apenas um garoto — mas pela cara já se vê o que ele é; não seria prestar um
serviço ao país enforcá-lo de uma vez, antes que ele se torne um criminoso?"
Puxou-me para debaixo do lustre, e a Sra. Linton colocou os óculos e ergueu
ao ar as mãos, horrorizada. As covardes crianças também se aproximaram.

Isabella dizendo: "Que coisa pavorosa! Tranque-o no porão, papai. É
igualzinho ao filho do cigano que roubou o meu faisão domesticado. Não é,
Edgar?"
"Enquanto me examinavam, Cathy apareceu; ouviu a última frase e riu.
Após olhá-la bem, Edgar Linton recuperou suficientemente o sangue-frio
para reconhecê-la. Eles costumavam ver-nos na igreja, você sabe, embora
raramente noutro lugar. 'Essa aí é Catherine Earnshaw!', sussurrou ele para a
mãe. 'Veja como Skulker a mordeu... Como o pé está sangrando!'
" 'Catherine Earnshaw? Bobagem!', exclamou a senhora. 'Catherine
Earnshaw andando pelo campo com um cigano! Mas, é verdade, ela está de
luto. . . claro que está. . . e talvez possa ficar para sempre aleijada!'
" 'Que terrível negligência, a do irmão dela!', falou o Sr. Linton,
voltando-se para Catherine. 'Ouvi Shielders dizer' (era o cura, Sr. Lockwood)
'que ele a deixa crescer no mais absoluto paganismo. Mas quem é o garoto?
Onde terá ela arranjado tal companhia? Oh! Creio que se trata do estranho
achado que o meu falecido vizinho trouxe há anos para casa, uma vez que foi
a Liverpool. . . um mestiçozinho, americano ou espanhol.'
" 'De qualquer maneira, um garoto horrível', observou a velha senhora,
'que não devia pôr os pés numa casa decente! Reparou na linguagem dele?
Lamento que as crianças o tenham ouvido praguejar!'
"Recomecei a praguejar — não se zangue, Nelly —, e Robert recebeu
ordens para me levar dali. Recusei-me a ir sem Cathy; ele me arrastou para o
jardim, pôs-me a lanterna na mão, disse-me que o Sr. Earnshaw seria informado
da minha conduta e, mandando que eu fosse logo embora, fechou a
porta atrás de mim. As cortinas ainda estavam presas dos lados e voltei ao meu lugar de espreita; se Catherine tivesse mostrado vontade de sair dali, eu
pretendia quebrar as vidraças da sala em pedacinhos para ir buscá-la. Mas ela
estava calmamente sentada no sofá. A Sra. Linton tirou-lhe a capa cinzenta
que tínhamos tomado emprestada da leiteira, abanando a cabeça e ralhando
com ela, suponho; faziam uma grande distinção no tratamento que nos
davam, a ela e a mim. Depois, a criada trouxe uma bacia com água quente e
lavou-lhe os pés; o Sr. Linton deu-lhe um copo de sangria e Isabella colocoulhe
um prato de bolinhos no colo, enquanto Edgar ficava a olhá-la, boquiaberto.
Em seguida, secaram e pentearam-lhe o belo cabelo e trouxeramlhe
um par de enormes chinelas, levando-a para perto do fogo. Deixei-a, feliz
da vida, dividindo os bolinhos com o cachorrinho e com Skulker, que ela
acariciava enquanto comia, e acendendo uma centelha de espírito nos vazios
olhos azuis dos Linton — um pálido reflexo do seu rosto encantador. Vi que
a contemplavam com um ar de estúpida admiração; ela é tão imensamente
superior a eles — a todo o mundo, aliás, não é, Nelly?"
— Tudo isso que você me contou ainda vai dar pano para mangas —
respondi, apagando a lanterna. — Você é incorrigível, Heathcliff. O Sr.
Hindley vai ser obrigado a tomar medidas drásticas, você vai ver. — Minha
previsão deu mais certo do que eu desejava. Earnshaw ficou furioso. O Sr.
Linton veio visitar-nos no dia seguinte e fez um tal sermão ao nosso jovem
patrão sobre a maneira negligente como ele guiava a família, que o obrigou a
tomar mesmo medidas. Heathcliff não levou surra, mas Hindley lhe disse que,
se o visse falar com Catherine, seria posto fora de casa. Por seu lado, a Sra.
Earnshaw encarregou-se de manter a cunhada sob controle, quando ela voltasse para casa — empregando astúcia e não força, pois pela força nada
conseguiria.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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