de cuidar e último rebento do velho ramo dos Earnshaw. Estávamos
juntando o feno, num campo distante, quando a garota que geralmente nos
trazia o desjejum chegou uma hora mais cedo, correndo pelos prados e
chamando por mim.
— Um bebê e tanto! — ofegou ela. — A mais bela criança que eu já vi!
Mas o médico diz que a patroa está muito mal: que há muitos meses que ela
está com a tísica. Ouvi-o falar com o Sr. Hindley. Disse-lhe que não há mais
nada a fazer e que ela vai morrer antes de chegar o inverno. Vá já para casa,
Nelly. Você é que vai ter de alimentá-lo, de lhe dar leite com açúcar e tomar
conta dele, dia e noite. Quem me dera estar no seu lugar, porque ele seria todo meu, quando a patroa se for!
— Mas ela está mesmo assim tão doente? — perguntei, largando o
ancinho e amarrando a minha touca.
— Acho que sim. Mas não parece — replicou a moça —, e fala como
se esperasse viver até ele ser homem. Está louca de alegria, ele é tão bonito!
Se eu fosse ela, tenho a certeza de que não morreria; ficaria melhor só de
olhar para o bebê, apesar do que o médico diz. Fiquei furiosa com ele. A Sra.
Archer levou o anjinho para o patrão vê-lo na sala, e o rosto dele estava se
abrindo num sorriso, quando o pássaro de mau agouro disse: "Earnshaw, é
uma sorte que sua esposa tenha podido lhe dar este filho. Quando ela chegou,
fiquei convencido de que não ia durar muito; e, agora, devo preveni-lo de que o inverno provavelmente dará cabo dela. Não se aflija demasiado! Nada se
pode fazer. Além do mais, você deveria ter tido o cuidado de não escolher
uma mulher tão fraquinha!"
— E que foi que o patrão respondeu? — perguntei.
— Acho que praguejou; mas não prestei atenção, só queria ver o bebê
— e começou a descrevê-lo, entusiasmada. Corri para casa, ansiosa por vê-lo;
mas estava muito triste por Hindley. No seu coração só havia lugar para dois
ídolos: a mulher e ele próprio. Adorava a mulher, e eu não podia imaginar
como ele iria suportar a perda.
Quando cheguei ao Morro dos Ventos Uivantes, lá estava ele, à porta.
Ao entrar, perguntei-lhe: — Que tal o menino?
— Daqui a pouco vai correr por aí, Nell — respondeu, com um sorriso.
— E a patroa? — atrevi-me a perguntar. — O médico diz que. . .
— Para o diabo com o médico! — interrompeu ele, corando. —
Frances está muito bem; daqui a uma semana vai estar perfeitamente. Você
vai subir? Diga-lhe que eu subirei, se ela prometer não falar. Saí do quarto
porque ela não queria ficar calada. Diga-lhe que o Dr. Kenneth mandou dizer
que ela tem de repousar.
Dei o recado à Sra. Earnshaw; ela parecia felicíssima e respondeu,
alegremente:
— Eu mal falei, Ellen, e ele saiu duas vezes do quarto, chorando. Bem,
diga-lhe que eu prometo não falar . . . mas isso não me impede de rir dele!
Pobrezinha! Até a semana da sua morte, o seu alegre coração nunca a
traiu e o marido persistiu, obstinadamente, ou melhor, furiosamente, em
afirmar que a saúde dela melhorava de dia para dia. Quando o Dr. Kenneth lhe disse que os remédios eram inúteis naquela fase da doença e que não
precisava gastar mais dinheiro com ele, Hindley retrucou:
— Bem sei que não é preciso. . . ela está bem e não necessita mais do
seu atendimento! Nunca esteve tísica. Foi só uma febre, mas já acabou. O
pulso dela está agora tão lento quanto o meu e as suas faces tão frescas
quanto as minhas.
Dizia a mesma coisa à esposa, e ela parecia acreditar nele; mas uma
noite, quando, apoiada ao ombro dele, ela lhe dizia que talvez pudesse
levantar-se no dia seguinte, um acesso de tosse, um acesso bem leve, sacudiua.
Ele a tomou ao colo, ela lhe enlaçou o pescoço, o rosto transfigurado, e,
coitadinha, morreu.
Conforme a garota tinha antecipado, o pequenino Hareton ficou
inteiramente aos meus cuidados. Desde que o visse com saúde e não o
ouvisse chorar, o Sr. Earnshaw estava satisfeito quanto ao filho. Quanto a si
próprio, estava desesperado: o seu sofrimento era do tipo que não se lamenta.
Nem chorava nem rezava: amaldiçoava e desafiava, maldizia Deus e os
homens e entregava-se a todas as dissipações. Os criados não suportaram por
muito tempo o seu comportamento amargurado e tirânico. Joseph e eu fomos
os únicos a ficar. Eu, porque não tinha coragem de deixar o bebê e, além do
mais, fora criada com Hindley e sabia perdoar a sua conduta; Joseph, porque
podia mandar à vontade nos rendeiros e nos trabalhadores, e porque a sua
vocação era estar onde houvesse muita impiedade a censurar.
Os maus modos e as más companhias do patrão eram um péssimo
exemplo para Catherine e Heathcliff. A maneira como ele tratava este último
era suficiente para transformar um santo num demônio. E, na verdade, parecia que o rapaz estivesse possuído de algo demoníaco, durante esse
período. Comprazia-se em ver Hindley degradar-se cada vez mais; e dia a dia
se tornava mais conhecido pelo mau gênio e pela ferocidade. Não lhe posso
descrever o ambiente infernal que tínhamos em casa. O cura deixou de visitar-nos;
por fim, ninguém decente se aproximava de nós. A única exceção
eram as visitas que Edgar Linton fazia a Cathy. Aos quinze anos, ela era a
rainha da região; não havia moça que se comparasse a ela. Ela sabia disso e
tornava-se uma criatura altaneira e voluntariosa. Confesso que não gostava
dela, agora que já não era mais criança; censurava-a freqüentemente, tentando
corrigir-lhe a arrogância. . . mas ela nunca mostrou aversão por mim. Era
maravilhosamente fiel às velhas amizades; até mesmo Heathcliff conseguia
manter o mesmo lugar no seu coração;
e o jovem Linton, com toda sua
superioridade, achava difícil rivalizar com ele. Edgar Linton era o meu
falecido patrão; aí está o retrato dele, sobre a lareira. Antigamente, os retratos
dele e da esposa estavam pendurados lado a lado; mas o dela foi removido, o
que é uma pena, pois o senhor poderia fazer uma idéia de como ela era. Que
tal o acha?
A Sra. Dean ergueu a vela e distingui um rosto de feições suaves, muito
parecido ao da jovem que vira na casa do Morro, mas mais pensativo e de
expressão mais agradável. Era um belo homem. O cabelo, longo e louro,
encaracolava-se ligeiramente nas têmporas; os olhos eram grandes e sérios; a
silhueta, quase demasiado graciosa. Não me surpreendi de que Catherine
Earnshaw tivesse esquecido o seu primeiro amigo ao conhecer aquele rapaz.
O que me surpreendia, e muito, era que ele, com um espírito correspondente à sua pessoa, pudesse ter gostado de Catherine Earnshaw, tal como eu a
imaginava.
— Bonito retrato — comentei com a governanta. — É fiel?
— Muito — respondeu ela; — só que ele parecia melhor quando estava
animado. A expressão do quadro é a que ele tinha geralmente; faltava-lhe o
que se chama espírito.
Catherine conservara a amizade com os Linton, desde que passara em
casa deles aquelas cinco semanas; e, como não lhe interessava mostrar o seu
lado selvagem em presença deles e tinha juízo suficiente para se envergonhar
de ser malcriada diante de uma tão invariável cortesia, foi se impondo aos
velhos pela sua engenhosa cordialidade, ao mesmo tempo que conquistava a
admiração de Isabella e o coração do irmão; conquistas que desde o princípio
a lisonjeavam, pois era cheia de ambição e elas a levaram a adotar uma dupla
personalidade sem que exatamente pretendesse enganar ninguém. Na casa em
que ouvia Heathcliff ser chamado "um jovem e vulgar rufião" e "pior do que
uma besta", tinha o cuidado de não proceder como ele; mas, de volta ao lar,
mostrava-se pouco inclinada a afetar uma polidez que só iria provocar risos,
bem como a controlar a sua natural insubordinação, sem que isso lhe
trouxesse crédito ou elogios.
Edgar raramente reunia coragem para ir abertamente ao Morro dos
Ventos Uivantes. Tinha pavor da reputação de Earnshaw e temia encontrar-se
com ele. Não obstante, era sempre recebido com os nossos melhores esforços
de cordialidade; mesmo o patrão evitava ofendê-lo, sabendo por que ele
vinha; se não conseguia ser gentil, pelo menos não se intrometia. Mas eu acho
que as visitas de Edgar não agradavam a Catherine; ela não era diplomática, não sabia coquetear, e era evidente que não gostava de que os seus dois
amigos se encontrassem; porque, quando Heathcliff expressava desprezo por
Linton na sua própria presença, ela não podia concordar, como fazia na
ausência dele; e quando Linton evidenciava antipatia e repugnância por
Heathcliff ela não ousava tratar os seus sentimentos com indiferença, como se
a depreciação do seu companheiro de infância fosse de pouca importância
para ela. Muitas vezes ria das suas perplexidades e dilemas secretos, que ela
em vão tentava esconder de mim. Isso parece pouco generoso da minha
parte; mas ela era tão orgulhosa, que era impossível sentir pena dela, enquanto
não aprendesse a ser um pouco mais humilde. Por fim passou a confiar em
mim, pois não havia outra pessoa a quem ela pudesse pedir conselhos.
Uma tarde em que o Sr. Hindley havia saído, Heathcliff resolveu
aproveitar para dar a si próprio uma folga. Contava, nessa altura, creio que
dezesseis anos, e, embora não tivesse feições más ou fosse de inteligência
deficiente, todo ele suscitava uma repulsa física e mental, que a sua atual
aparência não mais provoca. Em primeiro lugar, tinha, por esse tempo,
esquecido quase tudo o que aprendera: o trabalho duro e contínuo,
começando cedo e terminando tarde, extinguira nele toda a curiosidade que
antes mostrara quanto a aprender coisas novas, e todo o interesse que tinha
pelos livros ou por aprender. O seu antigo senso de superioridade, nele
instilado pela preferência do falecido Sr. Earnshaw, havia desaparecido.
Durante muito tempo, ele se esforçara por manter-se a par de Catherine nos
estudos, e acabara rendendo-se com um desgosto profundo, embora
silencioso; mas rendera-se completamente; e não havia como insistir com ele
para que lutasse por progredir, quando ele sentia que tinha afundado tanto. A sua aparência não tardou a acompanhar essa determinação mental: adquiriu
um andar encurvado e um aspecto ignóbil; a sua maneira de ser, já de si
reservada, tornou-se exageradamente e quase que estupidamente insociável;
além do quê, parecia ter um prazer estranho em provocar a aversão, e não a
estima das poucas pessoas que com ele tratavam.
Ele e Catherine continuavam a ser companheiros constantes, sempre
que Heathcliff tinha algum descanso do trabalho; mas ele cessara de expressar
por palavras a sua amizade por ela, e rechaçava, com ar de suspeita, os carinhos
que ela lhe fazia, como se consciente de que não podia haver satisfação
em mostrar-lhe tanto afeto. Na tarde já mencionada, entrou na sala para
anunciar a sua intenção de tirar uma folga, quando eu ajudava Cathy a se
arrumar. Ela não contara com essa idéia dele e, imaginando que ficaria a sós,
conseguira, não sei como, informar Edgar da ausência do irmão, e estava a
preparar-se para recebê-lo.
— Cathy, você vai fazer alguma coisa esta tarde? — perguntou
Heathcliff. — Vai a algum lugar?
— Não. Está chovendo — respondeu ela.
— Então para que botou esse vestido de seda? — insistiu ele. — Não
está esperando visita, espero. . .
— Não — gaguejou ela. — Mas você devia estar no campo, Heathcliff.
Já se passou uma hora desde o almoço. Pensei que você já tinha ido.
— Hindley não costuma livrar-nos da sua maldita presença —
observou o rapaz. — Vou aproveitar para não trabalhar mais hoje e ficar com
você.
— Oh, mas Joseph vai contar-lhe — disse ela. — É melhor você ir.
— Joseph está carregando lodo no extremo de Peniston Crag e não
voltará antes de escurecer.
Assim dizendo, aproximou-se da lareira e sentou-se. Catherine pensou
um instante, as sobrancelhas franzidas; achava necessário aplainar as surpresas
de uma intrusão. — Isabella e Edgar Linton falaram que talvez viessem cá,
esta tarde — disse ela, ao cabo de um minuto de silêncio. — Como está
chovendo, não os espero; mas talvez eles resolvam vir assim mesmo, e, se
vierem, você corre o risco de ser escorraçado.
— Diga a Ellen para avisá-los de que você está ocupada, Cathy —
insistiu ele. — Não me troque pelos idiotas dos seus amigos! Às vezes chego
a ter vontade de me queixar de que eles. . . mas, não. . .
— De que eles o quê? — exclamou Catherine, olhando para ele com ar
preocupado. — Oh, Nelly! — acrescentou, com petulância, tirando a cabeça
das minhas mãos.
— Você me desmanchou os cachos todos! Chega, deixe-me! De que é
que você sente vontade de se queixar, hein, Heathcliff?
— De nada. Olhe só para a folhinha que está naquela parede. — E
apontou para uma folhinha perto da janela, dizendo: — As cruzes marcam as
tardes e as noites que você passou com os Linton, os pontos as que passou
comigo. Está vendo? Marquei todos os dias!
— Sim. . . uma idiotice; como se eu reparasse nisso!
— replicou Catherine, em tom caprichoso. — E para que tudo isso?
— Para mostrar que eu reparo nisso — respondeu Heathcliff.
— Quer dizer que eu devia ficar sempre com você?
— perguntou ela, cada vez mais irritada. — Que vantagem eu teria? De
que é que você fala? Até parece que você é idiota ou um bebê, pelo que fala
comigo!
— Você nunca me disse que eu falava pouco ou que a minha
companhia não lhe agradava, Cathy! — exclamou Heathcliff, agitado.
— Não é companhia nenhuma a de uma pessoa que nada sabe e nada
diz — murmurou ela.
Heathcliff levantou-se, mas não teve tempo de retrucar, pois as patas de
um cavalo ressoaram no pátio, e, após ter batido de leve na porta, o jovem
Linton entrou, o rosto resplandecente de satisfação pelo chamado inesperado
quê recebera. Sem dúvida, Catherine reparou na diferença entre os dois
amigos, um entrando e o outro saindo. O contraste lembrava o que existe
entre uma região anda, de minas de carvão, e um belo e fértil vale, e a voz e a maneira de cumprimentar do recém-chegado contrastavam igualmente com as
de Heathcliff. Tinha um modo de talar suave e agradável e pronunciava as
palavras como o senhor faz, ou seja, mais suavemente do que é costume aqui.
— Não cheguei cedo demais, cheguei? — perguntou ele, lançando-me
um olhar. Eu começara a limpar e a arrumar umas gavetas do aparador.
— Não — respondeu Catherine. — Que é que você está fazendo aí,
Nelly?
— O meu trabalho, senhorita — repliquei. (O Sr. Hindley dera-me
ordens para estar sempre presente durante as visitas que Linton fizesse.)
Ela se aproximou de mim e sussurrou, irritada: — Ponha-se daqui para
fora, você e mais os seu espanadores! Quando há visitas na sala, os criados
não têm nada que limpar!
— Estou aproveitando que o patrão não está em casa — respondi, em
voz alta. — Ele detesta ver-me limpar na sua presença. Tenho a certeza de
que o Sr. Edgar vai me desculpar.
— Pois eu também detesto ver você limpar na minha presença! —
exclamou a jovem imperativamente, não dando ao rapaz oportunidade de
responder; ainda não recuperara a calma, após a sua discussão com Heathcliff.
— Lamento muito, senhorita — respondi; e continuei com o que
estava fazendo.
Supondo que Edgar não a pudesse ver, Catherine arrancou-me a flanela
da mão e beliscou-me, com toda a fúria, no braço. Já lhe disse que não
gostava dela e sentia satisfação em mortificá-la, de vez em quando; além disso,
o beliscão doeu muito. Levantei-me e gritei: — Oh, senhorita, isso não se faz!
Não tem o direito de me beliscar, e não vou tolerar isso!
— Eu não lhe toquei, sua mentirosa! — retrucou ela, os dedos prontos
para me beliscar de novo e as orelhas vermelhas de raiva. Nunca conseguia
esconder as suas fúrias, ficava sempre rubra como um pimentão.
— Que é isto, então? — repliquei, mostrando a marca roxa que ela me
fizera no braço.
Ela bateu com o pé, hesitou um momento e, depois, impelida pela ira,
esbofeteou-me. . . uma bofetada que fez com que as lágrimas me viessem aos
olhos.
— Catherine, meu bem! Catherine! — interveio Linton, chocado com a
demonstração de mentira e violência que o seu ídolo fizera.
— Saia da sala, Ellen! — repetiu ela, tremendo dos pés à cabeça.
O pequeno Hareton, que me seguia para todo lado e estava sentado
perto de mim, no chão, vendo as minhas lágrimas, começou a chorar e a
soluçar contra a "má tia Cathy", o que atraiu a fúria dela para cima do
inocente: Cathy pegou-o pelos ombros e sacudiu-o até a criança ficar lívida de
medo. Edgar correu a lhe agarrar as mãos, para obrigá-la a soltá-lo. Conseguiu
soltar uma, mas o atônito jovem não tardou a senti-la cair, com toda a força,
no seu próprio ouvido. Recuou, consternado. Tomei Hareton ao colo e dirigime
com ele para a cozinha, deixando a porta aberta, pois estava curiosa de ver
como acabaria aquilo. O insultado visitante aproximou-se do lugar onde
deixara o chapéu, pálido e com o lábio trêmulo.
"Ótimo!", pensei comigo mesma. "Aceite o aviso e vá-se embora! Foi
uma sorte ter tido a oportunidade de ver como ela é, na realidade!"
— Aonde é que você vai? — perguntou Catherine, avançando para a
porta.
Ele se desviou dela e tentou passar.
— Você não pode ir embora! — exclamou ela, com energia.
— Vou, sim! — replicou ele, num fio de voz.
— Não! — insistiu ela, agarrando a maçaneta. — Não pode ir já, Edgar
Linton. Sente-se. Você não pode deixar-me neste estado. Passarei toda a noite
sem dormir, e não quero ficar sem dormir por sua culpa!
— Mas como é que eu posso ficar se você me bateu?
— perguntou Linton.
Catherine não respondeu.
— Fez-me sentir medo e vergonha de você, Catherine
— continuou ele. — Não voltarei mais aqui!
Os olhos dela começaram a brilhar e as pálpebras a tremular.
— Além disso, você mentiu deliberadamente! — acusou ele.
— Não! — exclamou ela, recobrando a fala. — Não fiz nada
deliberadamente. Está bem, vá-se embora, se quiser. . . vá logo! Deixe-me
chorar, agora. . . deixe-me chorar até adoecer!
Deixou-se cair de joelhos perto de uma cadeira e começou a chorar
desconsoladamente. Edgar persistiu na sua decisão até chegar ao pátio; lá,
pareceu hesitar. Resolvi encorajá-lo.
— Ela é terrivelmente caprichosa — disse-lhe. — Pior do que uma
criança mimada. É melhor o senhor voltar logo para casa, ou ela adoecerá só
para nos preocupar.
O pobre rapaz olhou pela janela: tinha tanta força de vontade quanto
um bebê recém-nascido. "Ah", pensei, "não há mais salvação para ele: está
condenado, irremediavelmente!" E assim foi: voltou-se abruptamente, correu
para a casa e fechou a porta atrás de si; quando eu entrei na sala, pouco
depois, para avisá-los de que Earnshaw voltara bêbedo, perdido e disposto a
brigar com todo o mundo (sua reação habitual, quando embriagado), percebi
que a contenda resultara apenas numa maior intimidade. Rompera toda a
timidez e permitira-lhes pôr de lado o disfarce da amizade e confessarem a
sua condição de enamorados.
A notícia de que o Sr. Hindley tinha chegado fez com que Linton
corresse para o seu cavalo e Catherine para o quarto. Por minha parte, corri a
esconder o pequeno Hareton e a tirar as balas da caçadeira do patrão, que
costumava dispará-la a esmo, quando ébrio, pondo em risco a vida de quem
se metesse na sua frente ou mesmo lhe atraísse demasiado a atenção.
0 comentários:
Postar um comentário