quinta-feira, 13 de agosto de 2015

CAPÍTULO XXVIII


Na quinta manhã, ou, melhor, na quinta tarde, ouvi passos diferentes aproximarem-se da porta — mais leves e mais curtos; dessa vez, a pessoa entrou no quarto. Era Zillah, envolta no seu xale escarlate, com um gorro de
seda preta na cabeça e uma cesta pendurada no braço.
— Ei, Sra. Dean! — exclamou. — Fala-se muito da senhora, em Gimmerton. Pensei que se tinha afogado no pântano de Blackhorse, e a
menina também, até que o patrão me contou que tinham sido encontradas e
que ele as tinha alojado aqui! Quanto tempo ficaram no pântano? Subiram
para uma ilha ou foi o patrão que as salvou, hein, Sra. Dean? Más não está
com mau aspecto. . . Não passou fome, passou?
— O seu patrão é um canalha! — repliquei. — Mas ele há de pagar por
tudo. Não precisava ter inventado essa mentira: a verdade acabará por vir à tona!
— Que quer dizer com isso? — perguntou Zillah. — Ele não inventou
nada: é o que dizem no povoado: que a senhora e a menina se perderam no
pântano. Mal cheguei a casa, chamei Earnshaw: "Ei, parece que aconteceu
uma desgraça, Sr. Hareton, durante a minha folga. Pobrezinha da menina e da
boa Nelly Dean!" Ele ficou me olhando. Pensei que não soubesse de nada e
contei-lhe o que tinha ouvido. O patrão escutou, sorriu e disse: "Se estiveram
perdidas no pântano, agora já estão salvas, Zillah. Nelly Dean está lá em cima,
no seu quarto. Pode-lhe dizer para sair, quando subir; aqui está a chave.
Bebeu muita água do pântano e queria correr para casa, mas não estava em  condições, de modo que resolvi impedi-la de sair enquanto não se acalmasse.
Pode dizer-lhe que vá imediatamente para a granja, se estiver em condições,
avisar que a sua jovem ama seguirá a tempo de assistir aos funerais do pai".
— Quer dizer que o Sr. Edgar ainda não morreu? — perguntei. — Oh,
Zillah, Zillah!
— Não, ainda não. Sente-se, minha boa Nelly — retrucou ela. —
Agora, sim, está com mau aspecto. Ele ainda não morreu; o Dr. Kenneth acha
que talvez dure mais um dia. Encontrei-o na estrada e perguntei-lhe.
Em vez de me sentar, peguei nas minhas coisas e desci correndo,
aproveitando a porta aberta. Ao entrar na sala, olhei em volta, à procura de
alguém que me informasse a respeito de Catherine. A porta estava
escancarada e o sol entrava por ela, mas ninguém parecia estar por perto. Eu
hesitava entre sair logo ou voltar em busca da minha ama, quando uma
tossezinha seca me fez virar para a lareira. Linton jazia no sofá, sozinho,
chupando um pedaço de açúcar-cande e seguindo os meus movimentos com
olhar apático. — Onde está a Srta. Catherine? — perguntei, com voz severa,
supondo que, por tê-lo apanhado assim, a sós, poderia, assustando-o, forçá-lo
a dar-me informações. Mas ele continuou a chupar o açúcar, com ar inocente.
— Ela já foi embora? — insisti.
— Não — respondeu ele. — Está lá em cima. Não vai embora; nós não
vamos deixar.
— Você não vai deixar, seu idiota! — exclamei. — Leve-me
imediatamente para junto dela, ou juro que o faço gritar.
— Papai é que ia fazer você gritar, se tentasse chegar junto dela —
retrucou ele. — Diz para eu não ser mole com Catherine: ela é minha mulher,
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e é uma vergonha querer abandonar-me. Diz que ela me odeia e quer que eu
morra, para ficar com o meu dinheiro; mas ela não há de tê-lo e não há de ir
para casa! Nunca! Pode chorar o quanto quiser e ficar doente, que nunca irá
para casa!
E pôs-se de novo a chupar, fechando os olhos, como se quisesse
dormir.
— Sr. Heathcliff — insisti —, será que já esqueceu tudo o que
Catherine lhe fez no inverno passado, quando lhe declarou que a amava e ela
lhe trouxe livros e lhe cantou baladas e muitas vezes desafiou o vento e a neve
para o vir visitar? Chorava, quando não podia vir, não querendo decepcioná-
lo; e você dizia que ela era demasiado boa; agora, porém, acredita nas
mentiras que o seu pai diz, embora saiba que ele detesta ambos. E põe-se do
lado dele, contra ela. Bela gratidão, não acha?
Os cantos da boca de Linton descaíram e ele tirou o açúcar-cande de
entre os lábios.
— Ela veio até aqui porque o odiava? — continuei. — Pense por si
mesmo! Quanto ao seu dinheiro, ela nem sabe que ele existe. Diz que ela está
doente, mas deixa-a sozinha, numa casa estranha! Deveria saber o que é ser
abandonado à própria sorte! Mas não, só sabe compadecer-se dos seus
próprios sofrimentos; ela também se compadecia, mas ninguém se
compadece dela! Derramei lágrimas, Sr. Heathcliff, como vê (eu, uma mulher
de meia-idade e simples criada), enquanto você, depois de fingir afeto e de ter
razões de sobra para idolatrá-la, poupa as lágrimas para si mesmo e fica aí
deitado, como se nada estivesse acontecendo. Ah, você não passa de um
rapaz egoísta e sem coração!
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— Não posso ficar junto dela — replicou ele, irritado. — Não agüento
ficar com ela. Chora sem parar e não há meio de se calar, mesmo que eu diga
que vou chamar o meu pai. Chamei-o uma vez e ele ameaçou estrangulá-la, se
ela não ficasse quieta; mas ela recomeçou a chorar assim que ele saiu do
quarto e passou a noite gemendo e chorando, embora eu gritasse que não
podia dormir.
— O Sr. Heathcliff saiu? — perguntei, percebendo que a infeliz criatura
não tinha capacidade de solidarizar-se com a prima.
— Está no pátio — respondeu ele —, falando com o Dr. Kenneth, que
lhe disse ser verdade que o meu tio está morrendo. Fico satisfeito, porque
passarei a dono da granja. Catherine sempre se referiu a ela como sendo a
casa dela. Mas não é dela, é minha: papai diz que tudo o que ela tem é meu. Os
seus belos livros são meus; ela disse que os dava a mim e os passarinhos e o
pônei, Minny, se eu fosse buscar a chave do nosso quarto e a deixasse sair;
mas eu respondi que ela não me podia dar nada, pois era tudo meu. Então ela
chorou e tirou um camafeu do pescoço e disse que me daria aquilo: dois
retratos dentro de um camafeu de ouro, de um lado a mãe, do outro o meu
tio, quando eram jovens. Isso foi ontem; disse-lhe que aquilo também era
meu e tentei arrancar-lhe o camafeu. Mas a terrível criatura não me deixou:
empurrou-me e machucou-me. Gritei (isso a assusta), ela ouviu papai se
aproximar e partiu o camafeu ao meio, ficando-me o retrato da mãe dela na
mão; ela tentou esconder a outra metade, mas papai perguntou de que se
tratava e eu disse. Ele tirou a minha metade e ordenou-lhe que me desse a
dela; Catherine recusou-se e aí ele. . . ele a jogou ao chão com um tapa,
arrancou o medalhão da corrente e esmagou-o com o pé.
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— E você gostou de vê-lo bater-lhe? — perguntei, com a intenção de
encorajá-lo a falar.
— Estremeci — respondeu ele. — Estremeço, sempre que vejo meu
pai bater num cão ou num cavalo; bate com tanta força! A princípio gostei;
ela merecia isso por me haver empurrado. Mas, quando papai se foi, ela me
fez chegar à janela e mostrou-me o lábio cortado, contra os dentes, e a boca
enchendo-se de sangue; depois juntou os pedaços do retrato do pai e sentouse
com o rosto para a parede, e desde então nunca mais falou comigo: às
vezes penso que ela não pode falar de dor. Não gosto de pensar nisso; mas ela
é insuportável, chorando sem parar; e está tão pálida, que até parece louca e
eu sinto medo dela.
— E você pode apanhar a chave quando quiser? — perguntei.
— Posso, quando subir — respondeu ele. — Mas agora não vou subir.
— Em que quarto ela está? — insisti.
— Ora — exclamou ele —, não lhe vou dizer onde é! Ninguém, nem
Hareton, nem Zillah, pode saber. É segredo! Pronto, você me cansou. . . Vá-
se embora, vá! — E, apoiando o rosto no braço, fechou novamente os olhos.
Achei melhor sair sem falar com o Sr. Heathcliff e trazer socorros da
granja para a menina. Ao chegar à granja, o espanto dos outros criados e a sua
alegria de me ver foram enormes; e, quando ouviram dizer que a sua jovem
ama estava bem, dois ou três quiseram logo subir a gritar a boa nova à porta
do Sr. Edgar — mas eu própria me encarreguei de lhe dar a notícia. Como o
achei mudado, no decorrer daqueles poucos dias! Era a imagem da tristeza e
da resignação, à espera da morte. Parecia muito jovem; embora a sua idade
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real fosse de trinta e nove anos, dava a impressão de ter dez a menos. Pensava
em Catherine, pois murmurou o seu nome. Toquei-lhe na mão e sussurrei:
— Catherine já vem, querido patrão! Está viva e bem; espero que volte
esta noite mesmo.
Tremi, ante a sua primeira reação à notícia: ele se soergueu, olhou
ansiosamente em volta e desmaiou. Tão logo recobrou os sentidos, narrei-lhe
a nossa visita forçada e a nossa detenção no Morro dos Ventos Uivantes.
Disse-lhe que Heathcliff me obrigara a entrar — o que não era bem verdade.
Falei o menos possível contra Linton e não lhe descrevi a conduta brutal do
pai dele, pois não queria amargurá-lo e afligi-lo ainda mais.
Ele adivinhava que um dos propósitos do seu inimigo era apoderar-se
da sua fortuna pessoal e da propriedade para o filho, ou antes, para si próprio;
por que razão não esperava que ele morresse era algo que intrigava o meu
amo, que ignorava estar o sobrinho tão perto da morte quanto ele mesmo.
Contudo, achou que devia alterar o seu testamento: em vez de deixar a
fortuna de Catherine à sua disposição, resolveu confiá-la a depositários para
seu usufruto enquanto ela vivesse e para o dos filhos, se os tivesse, depois que
morresse. Dessa maneira, não poderia cair nas mãos de Heathcliff, caso
Linton falecesse.
Assim que recebi essas ordens, mandei um criado buscar o advogado e
outros quatro empregados, todos armados, salvarem a minha ama da sua
prisão. Tanto um quanto os outros demoraram muito a voltar. O criado que
fora a Gimmerton regressou primeiro, dizendo que o Sr. Green, o advogado,
não estava, quando ele chegara à sua casa, e que tivera de esperar duas horas
para que voltasse; e que depois o Sr. Green lhe dissera que tinha um caso
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urgente a resolver no povoado, mas que iria à Granja Thrushcross antes que
amanhecesse. Os quatro homens também voltaram desacompanhados,
anunciando que Catherine estava doente, demasiado doente para sair do seu
quarto, e que o Sr. Heathcliff não os deixara vê-la. Passei-lhes uma boa
descompostura por terem dado crédito a tal história, que não poderia
transmitir ao meu amo, e resolvi, assim que rompesse o dia, levar uma tropa
ao Morro e ameaçar invadir a casa, a menos que nos entregassem a
prisioneira. "O pai há de voltar a vê-la", jurei, "mesmo que aquele demônio
seja morto ao tentar barrar-nos a entrada!"
Felizmente, Deus quis poupar-me a viagem e as dificuldades. Eu tinha
descido, às três da manhã, para buscar um jarro de água e estava passando
pelo hall com ele na mão, quando umas fortes pancadas na porta principal
quase me fizeram derramar a água. "Ora, deve ser Green", pensei, serenando.
"Só pode ser." E continuei a andar, decidida a mandar que outra pessoa
abrisse a porta. Mas as batidas continuavam, não com tanta força, mas
insistentes. Pousei o jarro e corri a abrir eu mesma. O luar brilhava, lá fora.
Não era o advogado. A minha queridinha pulou-me para o pescoço,
soluçando:
— Ellen! Ellen! Papai ainda está vivo?
— Está! — falei. — Está, sim, meu anjo. Deus seja louvado por você
estar de novo conosco, sã e salva!
Ela queria correr, mesmo exausta como estava, escada acima, para o
quarto do Sr. Linton; mas eu insisti para que se sentasse, fi-la beber uma
xícara de chá e lavei-lhe o rosto pálido, esfregando-o depois com o meu
avental, até lhe avivar um pouco a cor. Depois convenci-a a deixar-me subir
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primeiro, a fim de anunciar a sua chegada, e implorei-lhe que dissesse ao pai
que seria muito feliz com o jovem Heathcliff. Ela olhou para mim, mas logo
compreendeu por que razão eu a aconselhava a mentir e garantiu-me que não
se queixaria.
Não tive forças para assistir ao encontro deles. Fiquei do lado de fora
do quarto uns bons quinze minutos e só depois me aventurei a me aproximar
da cama. Mas não precisava preocupar-me: o desespero de Catherine era tão
silencioso quanto a alegria do pai. Ela o sustentava calmamente, na aparência;
e ele fixava nas feições dela os seus olhos erguidos, que pareciam dilatados
pelo êxtase.
Morreu feliz, Sr. Lockwood. Beijando-lhe a face, murmurou:
— Vou ter com ela; e você, minha querida, um dia irá ter conosco! —
Depois, não mais falou nem se mexeu, mas continuou a olhá-la daquela
maneira extasiada, radiante, até seu pulso parar imperceptivelmente e a sua
alma partir. Ninguém poderia dizer o exato minuto da sua morte, tão
tranqüila ela foi.
Fosse porque Catherine já tivesse gasto todas as suas lágrimas, fosse
porque a sua dor era demasiado grande para chorar, o certo é que ficou
sentada, sem uma lágrima, até o sol nascer; continuou sentada até o meio-dia
e mais tempo ficaria ainda ao lado da cama onde o pai jazia morto, se eu não
insistisse para que descansasse um pouco. Ainda bem que consegui convencê-
la, pois à hora do almoço apareceu o advogado, após ter ido ao Morro pedir
instruções sobre como proceder. Vendera-se ao Sr. Heathcliff: essa fora a
causa da sua demora em atender ao chamado do meu amo. Felizmente, após a
chegada da filha, ele não pensara mais em nada.

O Sr. Green tomou a casa e os seus habitantes a seu cargo. Deu ordem
a todos os criados, menos a mim, para se irem embora e teria levado a sua
autoridade ao ponto de insistir para que Edgar Linton não fosse enterrado ao
lado da esposa, e sim na capela, com o resto da sua família. Mas havia o
testamento e os meus protestos contra qualquer infração dos seus
dispositivos. O funeral foi apressado; Catherine, agora Sra. Linton Heathcliff,
teve permissão para permanecer na granja até a saída do corpo do pai.
Contou-me ela que a sua aflição levara, por fim, Linton a correr o risco
de soltá-la. Ouvira os homens que eu tinha mandado discutir à porta e
deduzira o sentido da resposta de Heathcliff. Aquilo a desesperara. Linton,
que fora chamado à saleta pouco depois de eu ter saído, de tal maneira ficara
com medo dela que fora buscar a chave antes que o pai subisse. Tivera a
esperteza de passar a chave na fechadura, sem contudo fechar a porta; e, à
hora de ir para a cama, pedira para dormir no quarto de Hareton e seu pedido
fora satisfeito, dessa vez. Catherine fugira antes do raiar do dia. Não ousara
sair pela porta, com medo de que os cães latissem; entrou nos quartos vazios
e examinou as janelas; por sorte, ao chegar ao quarto que fora da sua mãe,
passou facilmente pela janela e daí para o chão, ajudada pelos galhos do
abeto. Seu cúmplice não escapara ao castigo, apesar da tímida colaboração.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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