terça-feira, 18 de agosto de 2015

NICK DUNNE OITO DIAS SUMIDA


Vasculhamos cada buraco da casa do meu pai, o que não levou muito tempo, já que ela está
tão pateticamente vazia. Os armários, os closets. Puxei os cantos de tapetes para ver se
levantavam. Espiei dentro da lavadora e da secadora dele, enfiei a mão pela chaminé. Até olhei
atrás das privadas.
— Muito Poderoso chefão da sua parte — disse Go.
— Se isso fosse muito Poderoso chefão, eu teria encontrado o que estávamos procurando e
sairia atirando.
Tanner estava de pé no centro da sala de estar do meu pai e puxava a ponta de sua gravata
verde-limão. Go e eu estávamos sujos de poeira e fuligem, mas de algum modo a camisa social
branca de Tanner continuava absolutamente brilhante, como se retivesse um pouco do glamour da
iluminação estroboscópica de Nova York. Estava olhando fixamente para o canto de um armário,
mordendo o lábio, puxando a gravata, pensando. O homem provavelmente passara anos
aperfeiçoando esse olhar: o olhar de Cale a boca, cliente, estou pensando.
— Não gosto disso — disse ele finalmente. — Temos muitas questões incontidas aqui, e não
vou procurar a polícia até que estejamos muito, muito contidos. Meu primeiro instinto é estar à
frente da situação, relatar aquelas coisas no depósito antes de sermos flagrados com elas. Mas se
não sabemos o que Amy quer que encontremos aqui, e não sabemos qual é o estado de espírito de
Andie... Nick, tem um palpite sobre o estado de espírito de Andie?
Dei de ombros.
— Puta da vida.
— Quer dizer, isso me deixa muito, muito nervoso. Basicamente estamos em uma situação
muito espinhosa. Precisamos contar à polícia sobre o depósito. Temos de estar à frente dessa
descoberta. Mas quero descrever a você o que acontecerá quando fizermos isso. E o que irá
acontecer é: eles irão atrás de Go. Será uma de duas possibilidades. Primeira: Go é sua
cúmplice, estava ajudando você a esconder essas coisas na propriedade dela, e muito
provavelmente sabe que você matou Amy.
— Espera aí, você não pode estar falando sério — interrompi.
— Nick, teríamos sorte com essa versão — disse Tanner. — Eles podem interpretar como
quiserem. Que tal esta: foi Go quem roubou sua identidade, quem conseguiu aqueles cartões de
crédito. Comprou toda aquela merda lá dentro. Amy descobriu, houve um confronto, Go matou
Amy.
— Então nos colocamos bem, bem à frente de tudo isso — falei. — Contamos a eles sobre o
depósito, e dizemos a eles que Amy está tentando me incriminar.
— Acho que essa é uma má ideia no geral, e neste momento é uma ideia muito ruim se não
tivermos Andie do nosso lado, porque teríamos de contar a eles sobre Andie.
— Por quê?
— Porque se vamos procurar a polícia com a sua história, de que Amy lhe deu um golpe...
— Por que você fica dizendo minha história, como se fosse algo que eu inventei?
— Ah. Bem observado. Se explicarmos à polícia como Amy está lhe dando um golpe, temos
de explicar por que ela está lhe dando um golpe. Por quê? Porque ela descobriu que você tem
uma namorada muito bonita e muito jovem por fora.
— Temos mesmo de contar isso a eles? — perguntei.
— Amy incriminou você pelo assassinato dela porque... ela estava... o que, entediada?
Eu retraí os lábios.
— Temos de dar a eles a motivação de Amy, senão não funciona. Mas o problema é que se
entregarmos Andie de bandeja para eles e eles não acreditarem na teoria do golpe, então teremos
dado a eles a sua motivação para o assassinato. Problemas financeiros, confere. Esposa grávida,
confere. Namorada, confere. É o triunvirato de um assassino. Você estará perdido. As mulheres
farão fila para rasgar você com as unhas — vaticinou, começando a andar de um lado para outro.
— Mas se não fizermos nada, e Andie os procurar ela mesma...
— Então o que fazemos? — perguntei.
— Acho que os policiais vão nos expulsar da delegacia às gargalhadas se dissermos agora
que Amy deu um golpe em você. É muito inconsistente. Eu acredito em você, mas é inconsistente.
— Mas as pistas da caça ao tesouro... — comecei.
— Nick, nem eu entendo essas pistas — disse Go. — Elas são jogadas pessoais entre você e
Amy. Só há a sua palavra de que elas estão levando você a... situações incriminativas. Quer
dizer, falando sério: jeans baratos e viseira significam Hannibal?
— Casinha marrom quer dizer a casa do seu pai, que é azul? — acrescentou Tanner.
Eu podia sentir a dúvida de Tanner. Eu precisava mostrar de verdade a ele o caráter de Amy.
Suas mentiras, sua atitude vingativa, sua competitividade. Precisava que outras pessoas
corroborassem... que minha esposa não era a Amy Exemplar, mas a Amy Vingativa.
— Vamos ver se conseguimos conversar com Andie hoje — disse Tanner finalmente.
— Não é um risco esperar? — perguntou Go.
Tanner confirmou com um gesto de cabeça.
— É um risco. Temos de agir rápido. Se surgir outra prova, se a polícia conseguir um
mandado de busca para o depósito, se Andie procurar a polícia...
— Ela não vai fazer isso — disse eu.
— Ela mordeu você, Nick.
— Não vai. Está furiosa agora, mas ela... Não posso acreditar que ela faria isso comigo. Ela
sabe que eu sou inocente.
— Nick, você disse que esteve com Andie por cerca de uma hora na manhã em que Amy
desapareceu, sim?
— Sim. De umas dez e meia até pouco antes do meio-dia.
— Então onde esteve entre sete e meia e dez? — perguntou Tanner. — Você disse que saiu
de casa às sete e meia, certo? Para onde foi?
Mordi a parte interna de minha bochecha.
— Aonde você foi, Nick? Preciso saber.
— Não é relevante.
— Nick! — cortou Go.
— Apenas fiz o que faço algumas manhãs. Fingi sair, então fui de carro até o ponto mais
deserto de nosso condomínio e eu... Uma das casas lá tem uma garagem destrancada.
— E? — perguntou Tanner.
— E li revistas.
— Perdão?
— Li números antigos da minha antiga revista.
Eu ainda sentia falta da minha revista — escondera exemplares como se fossem pornografia e
os lia em segredo, porque não queria que ninguém sentisse pena de mim.
Ergui os olhos, e tanto Tanner quanto Go sentiram muita, muita pena de mim.
* * *
Voltei para minha casa pouco depois do meio-dia, fui recebido por uma rua cheia de carros
de reportagem, repórteres acampados em meu gramado. Não consegui chegar à minha rampa, fui
obrigado a estacionar na frente da casa. Respirei fundo, então me joguei para fora do carro. Eles
se lançaram sobre mim como pássaros famintos, bicando e esvoaçando, saindo de formação e se
agrupando novamente. Nick, você sabia que Amy estava grávida? Nick, qual o seu álibi? Nick,
você matou Amy?
Consegui entrar, me tranquei do lado de dentro. Havia janelas dos dois lados da porta, então
tomei coragem e baixei as persianas, enquanto as câmeras disparavam na minha direção,
perguntas gritadas. Nick, você matou Amy? Assim que as persianas foram fechadas, foi como
cobrir um canário para a noite: o barulho do lado de fora parou.
Fui para o segundo andar e satisfiz minha vontade de tomar uma chuveirada. Fechei os olhos
e deixei o jato dissolver a sujeira da casa do meu pai. Quando os abri novamente, a primeira
coisa que vi foi a gilete rosa de Amy na saboneteira. Pareceu agourenta, malévola. Minha esposa
era louca. Eu estava casado com uma mulher louca. É o mantra de todo babaca: Eu me casei com
uma maluca psicótica. Mas tive uma pequena e nojenta pontada de gratificação: realmente me
casei com uma legítima, autêntica maluca psicótica. Nick, conheça sua esposa: a maior
manipuladora de mentes do mundo. Eu não era tão babaca quanto pensara. Babaca, sim, mas não
em escala grandiosa. A traição havia sido estratégia antecipada, uma reação inconsciente a cinco
anos preso a uma mulher louca: claro que iria me sentir atraído por uma garota descomplicada e
de boa índole da minha cidade natal. É como quando pessoas com deficiência de ferro anseiam
por carne vermelha.
Estava me enxugando quando a campainha tocou. Empurrei a porta do banheiro e ouvi as
vozes dos repórteres acelerando novamente: Você acredita em seu genro, Marybeth? Como é
saber que será avô, Rand? Você acha que Nick matou sua filha, Marybeth?
Eles estavam lado a lado no meu degrau da frente, a expressão austera, as costas rígidas.
Havia mais ou menos uma dúzia de jornalistas, paparazzi, mas o barulho que faziam era digno do
dobro. Você acredita em seu genro, Marybeth? Como é saber que será avô, Rand? Os Elliott
entraram com olás murmurados e olhos baixos, e bati a porta para as câmeras. Rand colocou a
mão em meu braço e imediatamente a tirou sob o olhar de Marybeth.
— Desculpem, eu estava no banho.
Meu cabelo ainda pingava, molhando os ombros de minha camiseta. Os cabelos de Marybeth
estavam oleosos, suas roupas, murchas. Ela olhou para mim como se eu fosse louco.
— Tanner Bolt? Sério? — perguntou.
— O que quer dizer?
— Quero dizer, Nick: Tanner Bolt, sério? Ele só representa pessoas culpadas — afirmou,
inclinando-se para a frente, agarrando meu queixo. — O que é isso na sua bochecha?
— Urticária. Estresse — menti, e virei o rosto. — Isso sobre o Tanner não é verdade,
Marybeth. Não é. Ele é o melhor no ramo. Preciso dele neste momento. Tudo o que a polícia está
fazendo é olhar para mim.
— Certamente parece ser o caso — concordou ela. — Parece uma marca de mordida.
— É urticária.
Marybeth deu um suspiro aborrecido e se virou para entrar na sala de estar.
— Foi aqui que aconteceu? — perguntou. Seu rosto desabara em uma série de pontas
pelancudas: bolsas sob os olhos e bochechas caídas, lábios voltados para baixo.
— Achamos que sim. Alguma espécie de... altercação, confronto, também aconteceu na
cozinha.
— Por causa do sangue — completou Marybeth tocando o divã, testando-o, erguendo-o
alguns centímetros e o deixando cair. — Gostaria que você não tivesse arrumado tudo. Fez
parecer que não aconteceu nada aqui.
— Marybeth, ele tem de morar aqui — afirmou Rand.
— Ainda não entendo como... Quer dizer, e se a polícia não encontrou tudo? E se... Não sei.
Parece que eles desistiram. Se simplesmente deixaram a casa para lá? Aberta para qualquer um?
— Estou certo de que fizeram tudo — comentou Rand, apertando a mão dela. — Por que não
perguntamos se podemos dar uma olhada nas coisas de Amy para você escolher alguma
lembrança especial? — sugeriu, e olhou para mim. — Tudo bem fazermos isso, Nick? Seria um
consolo ter algo dela. — Ele se voltou novamente para a esposa: — Aquele suéter azul que Nana
tricotou para ela.
— Não quero o maldito suéter azul, Rand!
Ela empurrou a mão dele e começou a circular pela sala, pegando coisas. Empurrou o divã
com um dedo do pé.
— Este é o divã, Nick? O que eles disseram que estava virado, mas não deveria?
— Esse é o divã.
Ela parou de andar, chutou-o novamente e o viu permanecer de pé.
— Marybeth, estou certo de que Nick está exausto — afirmou Rand, olhando para mim com
um sorriso significativo. — Assim como todos estamos. Acho que devemos fazer o que viemos
fazer e...
— Foi para isso que eu vim aqui, Rand. Não para pegar um suéter idiota de Amy ao qual me
agarrar como se tivesse três anos de idade. Quero minha filha. Não quero as coisas dela. As
coisas dela não significam nada para mim. Quero que Nick nos diga que diabo está acontecendo,
porque a coisa toda está começando a feder. Eu nunca, nunca, nunca me senti tão tola em toda a
minha vida. — Começou a chorar, limpando as lágrimas, visivelmente furiosa consigo mesma
por estar chorando. — Nós confiamos nossa filha a você. Confiamos em você, Nick.
Simplesmente nos diga a verdade!
Ela apontou um indicador trêmulo para o meu nariz.
— É verdade? Você não queria o bebê? Você não ama mais Amy? Você a machucou?
Eu quis bater nela. Marybeth e Rand haviam educado Amy. Ela era fruto do trabalho deles.
Eles a haviam criado. Queria dizer as palavras Sua filha é o monstro nesse caso, mas não podia
— não até termos contado à polícia —, então permaneci perplexo, tentando pensar no que
poderia dizer. Mas parecia que eu estava me recusando a cooperar.
— Marybeth, eu nunca iria...
— Eu nunca iria, eu nunca poderia, é tudo o que ouço de sua maldita boca. Sabe, odeio até
olhar para você agora. Odeio mesmo. Há algo de errado com você. Falta algo dentro de você,
para agir do modo como tem agido. Mesmo que seja provado que você é totalmente inocente,
nunca irei perdoá-lo pela forma descontraída como recebeu tudo. Parece que perdeu um maldito
guarda-chuva! Depois de todas as coisas de que Amy abriu mão por você, depois de tudo o que
fez por você, é isso que ela recebe em troca. Isso... Você... Eu não acredito em você, Nick. Foi o
que eu vim aqui lhe informar. Não acredito em você. Não mais.
Ela começou a soluçar, deu as costas e saiu rapidamente pela porta da frente enquanto os
cinegrafistas excitados a filmavam. Entrou no carro e dois repórteres grudaram na janela,
batendo, tentando fazer com que ela dissesse algo. Na sala, podíamos ouvi-los repetindo seu
nome. Marybeth... Marybeth...
Rand permaneceu, mãos nos bolsos, tentando descobrir qual papel interpretar. A voz de
Tanner — temos de manter os Elliott do nosso lado — era um coro grego em meu ouvido.
Rand abriu a boca, eu o interrompi.
— Rand, me diga o que posso fazer.
— Apenas diga, Nick.
— Dizer o quê?
— Não quero perguntar, e você não quer responder. Entendo. Mas preciso ouvir você dizer.
Você não matou nossa filha.
Ele riu e chorou ao mesmo tempo.
— Jesus Cristo, eu não consigo manter a cabeça no lugar — admitiu. Ele estava ficando rosa,
corado, uma queimadura de sol nuclear. — Não consigo entender como isso está acontecendo.
Não consigo entender!
Ele continuava a sorrir. Uma lágrima deslizou por seu queixo e caiu no colarinho da camisa.
— Apenas diga, Nick.
— Rand, eu não matei Amy ou a feri de forma alguma. — Ele manteve os olhos fixos em
mim. — Você acredita em mim, que não a feri fisicamente?
Rand riu de novo.
— Sabe o que estava prestes a dizer? Estava prestes a dizer que não sei mais no que
acreditar. E então pensei: essa fala é de outra pessoa. É uma fala de um filme, não algo que eu
deveria estar dizendo, e por um segundo me pergunto: será que estou em um filme? Posso não
estar mais nesse filme? Então sei que não. Mas por um segundo, você pensa: vou dizer algo
diferente, e tudo isso vai mudar. Mas não vai, não é?
Com um rápido aceno de cabeça à Jack Russel, ele se virou e seguiu a esposa para dentro do
carro.
Em vez de ficar triste, fiquei alarmado. Antes mesmo de os Elliott terem saído da minha rua,
eu estava pensando: Temos de procurar a polícia rapidamente, logo . Antes que os Elliott
começassem a discutir publicamente sua falta de confiança, eu precisava provar que minha
esposa não era quem fingia ser. Não Amy Exemplar, mas Amy Vingativa. Telefonei para Tommy
O’Hara — o cara que ligara três vezes para o telefone de denúncias, o cara que Amy acusara de
estuprá-la. Tanner conseguira algumas informações sobre ele: não era o irlandês machão que eu
imaginara pelo nome, não um bombeiro ou policial. Escrevia para um site de humor do Brooklyn,
um site decente, e sua foto de colaborador mostrava que era um magricela com óculos de
armação escura e um volume desconfortável de cabelos pretos grossos, com um sorriso irônico e
uma camiseta de uma banda chamada Bingos.
Ele atendeu no primeiro toque.
— Sim?
— Aqui é Nick Dunne. Você me ligou sobre minha esposa. Amy Dunne. Amy Elliott. Tenho
de falar com você.
Ouvi uma pausa, esperei que desligasse na minha cara como Hilary Handy.
— Ligue para mim de novo em dez minutos.
Fiz isso. O ambiente ao fundo era um bar, eu conhecia o som bastante bem: o murmúrio de
pessoas bebendo, o chacoalhar de cubos de gelo, os estranhos surtos de ruído de gente pedindo
bebidas ou chamando amigos. Tive uma onda de saudade do meu próprio bar.
— Certo, obrigado — disse ele. — Eu precisava ir a um bar. O papo parecia pedir um
scotch.
A voz dele foi ficando cada vez mais próxima, mais densa. Podia imaginá-lo se curvando
protetoramente sobre um drinque, colocando a mão em concha no telefone.
— Então — comecei —, recebi seus recados.
— Certo. Ela ainda está desaparecida, certo? Amy?
— Sim.
— Posso perguntar o que você acha que aconteceu? Com Amy?
Foda-se, eu queria um drinque. Entrei na minha cozinha — a segunda melhor opção depois do
meu bar — e me servi de um. Estava tentando tomar mais cuidado com o álcool, mas a sensação
era boa demais: o sabor de um scotch, um cômodo escuro com o sol ofuscante do lado de fora.
— Posso perguntar por que você ligou? — retruquei.
— Tenho acompanhado a cobertura — explicou ele. — Você está fodido.
— Estou. Queria falar com você porque achei... interessante que você tenha tentado entrar em
contato. Considerando... a acusação de estupro.
— Ah, você soube disso — falou.
— Sei que houve uma acusação de estupro, mas não necessariamente acredito que você seja
um estuprador. Queria ouvir o que tinha a dizer.
— É. — Ouvi enquanto ele dava um gole no scotch, acabar com ele, chacoalhar os cubos de
gelo. — Vi a matéria no noticiário certa noite. Sua história. A de Amy. Estava na cama, comendo
comida tailandesa. Cuidando da minha vida. Fodeu com a minha cabeça. Ela, depois de todos
esses anos.
Ele chamou o barman e pediu outro.
— Meu advogado disse que eu não devia falar com você de jeito algum, mas... O que posso
dizer? Sou legal demais, porra. Não posso deixar você se dar mal. Caramba, como eu gostaria
que ainda se pudesse fumar nos bares. Esta conversa merece scotch e cigarro.
— Conte. Sobre a acusação de agressão. O estupro.
— Como disse, cara, eu vi a cobertura, a imprensa está jogando merda em você. Quer dizer,
você é o cara. Então eu deveria manter distância; não preciso daquela garota de volta na minha
vida. Mesmo que tangencialmente. Mas, que merda. Gostaria que alguém tivesse me feito esse
favor.
— Então me faça o favor — disse eu.
— Para começar, ela retirou a queixa... Você sabe disso, certo?
— Sei. Você era culpado?
— Vá se foder. Claro que não. Você é culpado?
— Não.
— Bem.
Tommy pediu outro scotch.
— Deixe-me perguntar: seu casamento estava bem? Amy estava feliz?
Fiquei em silêncio.
— Não precisa responder, mas vou chutar que não. Amy não estava feliz. Pouco importa a
razão. Nem vou perguntar. Posso imaginar, mas não vou perguntar. Mas sei que você deve saber
disto: Amy gosta de brincar de Deus quando não está feliz. O Deus do Velho Testamento.
— Ou seja?
— Ela distribui punições. Brabas — falou, rindo ao telefone. — Quer dizer, você tinha que
me ver. Não pareço um estuprador macho alfa. Pareço um otário. Sou um otário. Minha música
de caraoquê é “Sister Christian”, pelo amor de Deus. Choro com Poderoso chefão II. Toda vez.
Ele tossiu após um gole. Pareceu um bom momento para tentar relaxá-lo.
— Fredo? — perguntei.
— Fredo, cara, é. Pobre Fredo.
— Deixado de lado.
A maioria dos homens tem o esporte como língua franca da camaradagem. Aquilo era o
equivalente de aficionados por cinema discutindo alguma grande jogada de uma famosa partida
de futebol. Ambos conhecíamos a fala, e o fato de que ambos a conhecíamos eliminava um bom
dia de papo furado de nós somos excelentes?.
Ele tomou outro gole.
— Foi absurdo para cacete.
— Conte.
— Você não está gravando isso ou algo assim, está? Não tem alguém escutando? Porque não
quero isso.
— Só nós. Estou do seu lado.
— Bom, conheci Amy em uma festa, há uns sete anos, e ela foi tão legal... Hilária e esquisita
e... legal. Tivemos um clique, sabe, e eu não costumo ter cliques com muitas garotas, pelo menos
não garotas com a aparência de Amy. Então achei... Bem, primeiro achei que estava sendo
sacaneado. Tipo, qual é a armadilha, sabe? Mas começamos a namorar, e namoramos alguns
meses, dois, três meses, e então descobri a armadilha: ela não era a garota que eu achava que
estava namorando. Ela era capaz de citar coisas engraçadas, mas na verdade não gostava de
coisas engraçadas. Pelo menos preferia não rir. Na verdade, preferia que eu também não risse, ou
fosse engraçado, o que era desconfortável, já que é meu trabalho, mas para ela tudo aquilo era
perda de tempo. Quer dizer, não conseguia nem entender por que ela começara a me namorar,
porque parecia muito claro que nem sequer gostava de mim. Isso faz sentido?
Eu balancei a cabeça em um gesto positivo, tomei um gole do scotch.
— Sim. Faz.
— Então comecei a dar desculpas para não passar tanto tempo com ela. Eu não terminei,
porque sou um idiota, e ela era linda. Tinha esperanças de que a coisa mudasse. Mas sabe, estava
dando desculpas com muita regularidade: estou preso no trabalho, o prazo está apertado, estou
com um amigo na cidade, meu macaco está doente, qualquer coisa. E comecei a sair com outra
garota, meio que sair com ela, nada sério, nada demais. Ou foi o que eu pensei. Mas Amy
descobriu... Como, ainda não faço ideia, ela podia estar vigiando meu apartamento até onde sei.
Mas... Merda...
— Beba algo.
Ambos tomamos um gole.
— Daí Amy aparece certa noite na minha casa... Eu estava saindo com a outra garota havia
um mês, e Amy aparece e se comporta como antes, como costumava ser. Estava com uma cópia
pirata em DVD de um comediante de que eu gosto, uma apresentação underground em Durham,
hambúrgueres, e assistimos ao DVD, ela joga a perna sobre a minha, depois se aconchega em
mim, e... desculpe. Ela é sua esposa. O importante é: a garota sabia como me manipular. E
acabamos...
— Vocês fizeram sexo.
— Sexo consensual, sim. E ela foi embora e estava tudo certo. Beijo de despedida na porta,
a coisa toda.
— E então?
— Quando eu vejo, há dois policiais à minha porta, e eles fizeram um exame de estupro em
Amy, e ela tinha “ferimentos consistentes com estupro forçado”. E tinha marcas de corda nos
pulsos, e então, quando vasculham meu apartamento, acham na cabeceira da minha cama duas
gravatas enfiadas junto ao colchão, e as gravatas são, citando, “consistentes com as marcas de
corda”.
— Você a havia amarrado?
— Não, o sexo não foi sequer tão... tão, entende? Fui pego desprevenido. Ela deve ter
amarrado ali quando levantei para mijar ou alguma coisa assim. Quer dizer, a merda era séria. A
situação estava feia para mim. E então, de repente, ela retirou as acusações. Duas semanas
depois, recebi um bilhete, anônimo, datilografado, dizendo: Talvez da próxima vez você pense
duas vezes.
— E você nunca mais soube dela?
— Nunca mais soube dela.
— E não tentou prestar queixa contra ela nem nada?
— Hã, não. Não, porra. Eu estava feliz simplesmente por ela ter ido embora. Então, semana
passada, estou comendo minha comida tailandesa sentado na cama, vendo o noticiário. Sobre
Amy. Sobre você. Esposa perfeita, aniversário de casamento, nada de corpo, uma grande merda.
Juro, comecei a suar. Pensei: É Amy, ela subiu de nível para assassinato. Puta merda. Estou
falando sério, cara, aposto que o que quer que ela tenha armado para você, foi muito bem
planejado. Você deveria estar morrendo de medo.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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