terça-feira, 18 de agosto de 2015

NICK DUNNE OITO DIAS SUMIDA


Assim que encerrei a conversa com Tommy, telefonei para Hilary Handy. Se meu
“assassinato” de Amy era uma mentira, e o “estupro” de Amy por Tommy O’Hara era uma
mentira, por que não o “assédio” de Hilary Handy a Amy? Uma sociopata tem de começar em
algum lugar, como os austeros saguões de mármore da Wickshire Academy.
Quando ela atendeu, falei apressado:
— Aqui é Nick Dunne, marido de Amy Elliott. Preciso muito falar com você.
— Por quê?
— Eu realmente, realmente preciso de mais informações. Sobre sua...
— Não diga amizade — falou, e ouvi um sorriso raivoso em sua voz.
— Não. Não diria isso. Só quero ouvir o seu lado. Não estou ligando porque acho que você
tem alguma coisa, qualquer coisa, a ver com minha esposa, sua situação atual. Mas realmente
gostaria de saber o que aconteceu. A verdade. Porque acho que talvez você possa lançar uma luz
sobre um... padrão de comportamento de Amy.
— Que tipo de padrão?
— Quando coisas muito ruins acontecem às pessoas que a irritam.
Ela respirou pesado ao telefone.
— Há dois dias, eu não teria falado com você. Mas então eu estava tomando um drinque com
amigos, com a TV ligada, e você apareceu na tela, e era sobre Amy estar grávida. Todos os que
estavam comigo ficaram com tanta raiva de você. Odiaram você. E pensei, sei como é isso.
Porque ela não está morta, certo? Quero dizer, está apenas desaparecida? Nada de corpo?
— Isso mesmo.
— Então vou contar. Sobre Amy. E o ensino médio. E o que aconteceu. Espere.
Podia ouvir o barulho de desenhos animados passando do outro lado da linha — vozes
emborrachadas e música de órgão — e de repente não mais. Depois vozes chorosas. Vão ver lá
embaixo. Lá embaixo, por favor.
— Então, no primeiro ano. Eu era a garota de Memphis. Todo mundo era da Costa Leste,
juro. Era esquisito, diferente, sabe? Todas as garotas em Wickshire, era como se tivessem sido
criadas em uma comunidade: as gírias, as roupas, os cabelos. Não que eu fosse uma pária, era
só... insegura, certamente. Amy já era A Garota. Tipo, lembro que no primeiro dia todos já a
conheciam, todos falavam sobre ela. Ela era a Amy Exemplar — todas tínhamos lido aqueles
livros quando crianças —, e era simplesmente deslumbrante. Quer dizer, ela era...
— É, eu sei.
— Certo. E logo ela estava demonstrando interesse por mim, tipo, me colocando debaixo de
suas asas, sei lá. Ela tinha uma brincadeira em que ela era a Amy Exemplar, então eu era sua
parceira Suzy, e ela começou a me chamar de Suzy, e logo todo mundo estava fazendo isso. O que
por mim não era problema. Quer dizer, eu fazia tudo para agradar: pegue uma bebida para Amy
se ela estiver com sede, lave umas roupas se ela precisar de lingerie limpa. Espere.
Pude ouvir mais uma vez os cabelos dela roçando no telefone. Marybeth havia trazido todos
os álbuns de fotografia dos Elliott para o caso de precisarmos de mais fotos. Ela me mostrara
uma foto de Amy e Hilary, sorrisos e rostos colados. Então eu podia imaginar Hilary agora, os
mesmos cabelos louro-manteiga de minha esposa emoldurando um rosto mais banal, com olhos
castanho-claros.
— Jason, estou no telefone; dê uns picolés para eles, não é tão difícil assim, caramba.
Desculpe. Nossos filhos estão de férias e meu marido nunca, jamais cuida deles, então ele parece
meio confuso quanto ao que fazer nos dez minutos em que estou no telefone com você. Desculpe.
Então... Então, certo, eu era a pequena Suzy, e tínhamos essa brincadeira, e por alguns meses,
agosto, setembro, outubro, foi ótimo. Tipo amizade intensa, estávamos juntas o tempo todo.
Depois aconteceram algumas coisas estranhas de uma vez só, que eu sei que a incomodaram um
pouco.
— O quê?
— Conhecemos um cara do internato masculino no baile do outono e no dia seguinte ele ligou
para mim, em vez de para Amy. Coisa que estou certa que ele fez porque Amy era muito
intimidadora, mas não importa... E então, alguns dias depois, saem nossas notas do primeiro
semestre, e as minhas são ligeiramente melhores, tipo quatro ponto um contra quatro ponto zero.
E pouco tempo depois, uma de nossas amigas me convida para passar o dia de Ação de Graças
com a família dela. Eu, não Amy. Mais uma vez, tenho certeza de que foi porque Amy intimidava
as pessoas. Não era fácil ficar perto dela, você sentia o tempo todo que precisava impressionar.
Mas notei as coisas mudando um pouco. Reparei que ela estava realmente irritada, embora não
admitisse.
“Em vez disso, ela começa a me botar para fazer coisas. Na época não percebo, mas ela
começa a criar uma armadilha para mim. Pergunta se posso pintar meus cabelos exatamente do
mesmo louro que o dela, porque o meu é mais escuro, e vai ganhar um tom brilhante tão legal. E
começa a reclamar dos pais. Quer dizer, ela sempre reclamou deles, mas agora realmente não
para de falar, sobre como eles só a amam como uma ideia, e não por quem ela realmente é, então
diz que quer sacanear os pais. Faz com que eu comece a passar trotes para sua casa dizendo aos
pais dela que sou a nova Amy Exemplar. Nós pegávamos o trem para Nova York alguns fins de
semana e ela me dizia para ficar de pé na frente da casa deles. Certa vez quis que eu corresse até
a mãe e dissesse que eu ia me livrar de Amy e ser a nova Amy ou alguma besteira assim.
— E você fez isso?
— Eram apenas coisas bobas que garotas fazem. Antes dos celulares e do assédio moral
cibernético. Uma forma de passar o tempo. Fazíamos coisas toda hora, apenas besteiras. Tentar
superar uma a outra em quão ousadas e esquisitas podíamos ser.
— E então?
— Então ela começa a se distanciar. Fica fria. E eu acho... Acho que ela não gosta mais de
mim. As garotas na escola começam a me olhar de um jeito estranho. Sou afastada do grupo das
garotas legais. Tudo bem. Mas então um dia sou chamada à sala da diretora. Amy tivera um
acidente horrível: tornozelo torcido, braço quebrado, costelas quebradas. Tinha caído de um
comprido lance de escadas e dizia que eu a havia empurrado. Espere um instante. Desçam daí
agora. Desçam. Daí. Desçam daíííí. Desculpe, voltei. Nunca tenha filhos.
— Então Amy disse que você a empurrou? — perguntei.
— É, porque eu era maluuuca. Era obcecada por ela, e queria ser Suzy, e então ser Suzy não
era o bastante: eu tinha de ser Amy. E ela tinha todas as provas que me fizera criar nos últimos
meses. Os pais dela, obviamente, haviam me visto rondando a casa. Eu teoricamente abordara
sua mãe. Meu cabelo tingido de louro e as roupas que eu comprara que eram iguais às de Amy;
roupas que comprara com ela, mas não podia provar isso. Todos os amigos dela apareceram para
dizer que no último mês Amy sentira muito medo de mim. A merda toda. Pareci totalmente louca.
Completamente louca. Os pais dela conseguiram uma medida cautelar impedindo que eu me
aproximasse. E eu continuava jurando que não tinha feito nada, mas àquela altura eu estava tão
infeliz que queria mesmo sair da escola. Então não lutamos contra a expulsão. Àquela altura, eu
queria me afastar dela. Quer dizer, a garota quebrou as próprias costelas. Eu estava assustada;
aquela garotinha de quinze anos tinha conseguido armar aquilo tudo. Enganou amigos, pais,
professores.
— E tudo isso por causa de um garoto, algumas notas e um convite para um jantar de Ação de
Graças?
— Cerca de um mês depois que me mudei de volta para Memphis, recebi uma carta. Não
estava assinada, era datilografada, mas obviamente era de Amy. Uma lista de todas as formas
pelas quais eu a decepcionara. Coisas loucas: Esqueceu de me esperar depois do inglês, duas vezes. Esqueceu que sou alérgica a morangos, duas vezes.
— Meu Deus.
— Mas acho que o verdadeiro motivo nem estava na lista.
— Qual era o verdadeiro motivo?
— Acho que Amy queria que as pessoas acreditassem que ela era realmente perfeita. E
quando nos tornamos amigas, passei a conhecê-la. E ela não era perfeita. Sabe? Era brilhante,
encantadora e tudo mais, mas também controladora, obsessivo-compulsiva, dramática e um
pouco mentirosa. O que não era problema para mim. Era um problema apenas para ela. Ela se
livrou de mim porque eu sabia que ela não era perfeita. Isso me fez pensar em você.
— Em mim? Por quê?
— Amigos enxergam a maioria dos defeitos um do outro. Cônjuges enxergam cada horrível
pedacinho deles. Se ela puniu uma amiga de alguns meses se jogando de uma escada, o que faria
com um homem burro o bastante para se casar com ela?
* * *
Desliguei o telefone quando um dos filhos de Hilary pegou a extensão e começou a cantar
uma cantiga de ninar. Telefonei imediatamente para Tanner e relatei minhas conversas com
Hilary e Tommy.
— Então temos duas histórias, ótimo, isso vai ser realmente ótimo! — disse Tanner, em um
tom que indicava que na verdade não era tão ótimo. — Teve notícias de Andie?
Eu não tivera.
— Uma pessoa da minha equipe está esperando no prédio dela — informou ele. —
Discretamente.
— Não sabia que você tinha uma equipe.
— Nós precisamos mesmo é encontrar Amy — continuou ele, me ignorando. — Uma garota
como aquela, não consigo imaginar que conseguisse ficar escondida muito tempo. Você tem
alguma ideia?
Eu ficava imaginando Amy em uma luxuosa varanda de hotel perto do mar, enrolada em um
roupão branco grosso como um tapete, tomando um Montrachet muito bom enquanto
acompanhava minha ruína pela internet, TV a cabo e tabloides. Enquanto desfrutava a cobertura
interminável e a exultação de Amy Elliott Dunne. Indo ao seu próprio funeral. Perguntei-me se
ela era autoconsciente o bastante para perceber: ela roubara uma página de Mark Twain.
— Eu a imagino perto do mar — falei. Então parei, me sentindo um médium de fundo de
quintal. — Não, não tenho ideia. Ela pode estar literalmente em qualquer lugar. Acho que não a
veremos a não ser que decida voltar.
— Isso parece improvável — bufou Tanner, aborrecido. — Então vamos tentar encontrar
Andie e descobrir como está a cabeça dela. Estamos ficando sem margem de manobra.
* * *
Então era hora do jantar, e depois o sol se pôs e eu estava novamente só em minha casa malassombrada.
Estava pensando em todas as mentiras de Amy e me perguntei se a gravidez era uma
delas. Eu fizera as contas. Amy e eu havíamos feito sexo esporadicamente o bastante para que
fosse possível. Mas ela também saberia que eu faria as contas.
Verdade ou mentira? Se era mentira, era concebida para me arrasar.
Eu sempre imaginara que Amy e eu teríamos filhos. Era uma das razões pelas quais sabia que
iria me casar com ela, porque nos via tendo filhos juntos. Lembro-me da primeira vez que
imaginei isso, com menos de dois meses de namoro: estava caminhando de meu apartamento em
Kips Bay para um parquinho discreto que eu adorava ao longo do East River, um caminho que me
fazia passar pelo gigantesco bloco de Lego da sede das Nações Unidas, bandeiras de uma
miríade de países flutuando ao vento. Uma criança gostaria disso, pensei. Tantas cores
diferentes, o difícil jogo da memória de ligar cada bandeira ao seu país. Lá está a Finlândia, e
ali a Nova Zelândia. O sorriso de um olho só da Mauritânia. E então eu me dei conta de que não
era uma criança, mas nossa criança, minha e de Amy, que gostaria daquilo. Nosso filho, deitado
no chão com uma velha enciclopédia, exatamente como eu fizera, mas nosso filho não estaria
sozinho, pois eu estaria deitado ao lado dele. Ajudando em sua vexilologia nascente, o que soa
menos como o estudo de bandeiras do que como um estudo sobre aborrecimento, o que teria
correspondido à postura do meu pai em relação a mim. Mas não à minha em relação ao meu filho.
Imaginei Amy se juntando a nós no chão, de bruços, os pés para cima, apontando para Palau, o
ponto amarelo à esquerda do centro sobre o fundo azul-claro, que certamente seria sua preferida.
A partir de então, o garoto se tornou real (e algumas vezes uma garota, mas quase sempre um
garoto). Ele era inevitável. Eu sofria de regulares e insistentes dores paternais. Meses após o
casamento, tive um estranho momento diante do armário de remédios, fio dental entre os dentes,
em que pensei: Ela quer filhos, certo? Eu deveria perguntar. Claro que deveria perguntar .
Quando coloquei a questão — dando voltas, vago — ela disse Claro, claro, um dia, mas toda
manhã ainda se colocava na frente da pia e engolia sua pílula. Durante três anos ela fez isso toda
manhã, enquanto eu volteava em torno do tema, mas não conseguia realmente dizer as palavras:
quero um filho.
Depois das demissões, pareceu que poderia acontecer. De repente, havia um espaço
incontestável em nossas vidas, e certo dia no café da manhã Amy ergueu os olhos da torrada e
disse: Parei de tomar pílula. Assim. Ela havia parado de tomar a pílula três meses antes e nada
acontecera, e pouco depois da mudança para o Missouri ela marcou uma consulta para que
começássemos a intervenção médica. Quando Amy iniciava um projeto, ela não gostava de
perder tempo. “Vamos dizer a eles que estamos tentando há um ano”, ela falou. Tolamente, eu
concordei — já mal nos tocávamos na época, mas ainda achávamos que um filho faria sentido.
Claro.
“Você também terá de fazer sua parte, você sabe”, disse ela durante a viagem para St. Louis.
“Terá de doar sêmen.”
“Eu sei. Por que você está dizendo isso assim?”
“Só imaginei que você teria orgulho. Vergonha e orgulho.”
Eu era um coquetel bastante ruim dessas duas características, mas entrei obedientemente na
salinha estranha dedicada ao prazer solitário do centro de fertilização: um lugar em que centenas
de homens haviam entrado sem outro objetivo que não tocar uma punheta, descabelar o palhaço,
fazer um cinco contra um, colocar o careca para chorar, bater uma bronha, descascar a banana,
fazer justiça com as próprias mãos.
(Eu às vezes uso humor como defesa pessoal.)
A sala continha uma poltrona revestida de vinil, uma TV e uma mesa com uma coletânea de
pornografia e uma caixa de lenços de papel. A pornografia era do começo dos anos noventa, a
julgar pelos cabelos das mulheres (sim: em cima e embaixo) e a ação era leve. (Outro bom
ensaio: Quem seleciona a pornografia para centros de fertilidade? Quem avalia o que fará os
homens gozarem sem ser degradante demais para todas as mulheres do lado de fora da sala do
gozo, as enfermeiras, médicas, e as esposas esperançosas entupidas de hormônios?)
Visitei a sala em três ocasiões diferentes — eles gostam de ter muita reserva — enquanto
Amy não fazia nada. Ela devia começar a tomar comprimidos, mas não o fez, e depois não o fez
mais um pouco. Era ela quem ficaria grávida, ela quem entregaria o corpo ao bebê, então adiei o
momento de atormentá-la por alguns meses, ficando de olho no frasco de comprimidos para ver
se o volume diminuía. Finalmente, após algumas cervejas em uma noite de inverno, subi as
escadas de nossa casa, tirei minhas roupas cobertas de neve e me enrolei junto a ela na cama,
meu rosto perto do seu ombro, sentindo o cheiro dela, aquecendo a ponta de meu nariz em sua
pele. Sussurrei as palavras — Vamos, Amy, vamos ter um filho — e ela disse não. Eu estava
esperando nervosismo, cautela, preocupação — Nick, eu serei uma boa mãe? —, mas recebi um
seco e frio não. Um não sem ambiguidades. Nada de dramático, nada demais, simplesmente era
algo em que ela não estava mais interessada. “Porque me dei conta de que eu ficaria condenada a
todas as coisas difíceis”, raciocinou. “Todas as fraldas, consultas médicas e toda a disciplina, e
você apenas chegaria e seria o Papai Divertido. Eu teria todo o trabalho para fazer deles pessoas
boas, e você desfaria tudo, e eles amariam você e me detestariam.”
Eu disse a Amy que não era verdade, mas ela não acreditou em mim. Eu disse que não apenas
queria um filho, eu precisava de um filho. Tinha de saber que podia amar uma pessoa
incondicionalmente, que podia fazer uma criaturinha se sentir sempre bem-vinda e querida, não
importava o que acontecesse. Que eu podia ser um tipo de pai diferente do meu. Que podia criar
um garoto que não fosse como eu.
Implorei a ela. Amy permaneceu inabalável.
Um ano depois, recebi um aviso pelo correio: a clínica iria se livrar do meu sêmen se não
tivesse notícias nossas. Deixei a carta na mesa da sala de jantar, uma censura clara. Três dias
depois, a vi no lixo. Foi nossa última comunicação sobre o assunto.
Na época, eu já estava saindo com Andie em segredo havia meses, então não tinha o direito
de ficar chateado. Mas isso não encerrou minhas dores, e não me impediu de sonhar acordado
com nosso filho, meu e de Amy. Eu me apegara a ele. O fato era que Amy e eu faríamos um ótimo
filho.
* * *
As marionetes me observavam com olhos negros alarmados. Espiei pela janela, vi que os
carros de reportagem tinham se recolhido, então saí para a noite quente. Hora de caminhar.
Talvez um solitário repórter de tabloide estivesse me seguindo; se estava, eu não me importava.
Caminhei pelo condomínio, depois quarenta e cinco minutos pela River Road, depois para a
estrada que passava pelo meio de Carthage. Trinta minutos barulhentos e enfumaçados —
passando por lojas de carros com picapes exibidas de forma apelativa como sobremesas, por
lanchonetes, lojas de bebidas, minimercados e postos de gasolina — até chegar à saída para o
centro. Eu não encontrara uma só pessoa a pé o tempo todo, apenas borrões sem rosto passando
por mim em disparada nos carros.
Era quase meia-noite. Passei pel’O Bar, tentado a entrar mas dissuadido pela multidão.
Devia haver um repórter ou dois acampando ali dentro. Era o que eu faria. Mas eu queria estar
em um bar. Queria estar cercado de pessoas, me divertindo, aliviando a pressão. Caminhei mais
quinze minutos até o outro lado da cidade, para um bar mais vagabundo, agitado, jovem, onde os
banheiros sempre estavam sujos de vômito nas noites de sábado. Era um bar a que a turma de
Andie iria, e talvez, quem sabe, arrastasse Andie. Seria uma sorte vê-la ali. Pelo menos avaliar
seu humor, do outro lado do salão. E se ela não estivesse lá eu tomaria uma merda de um drinque.
Fui o mais fundo no bar que consegui — nada de Andie, nada de Andie. Meu rosto estava
parcialmente coberto por um boné. Ainda assim, senti alguns trancos enquanto passava por
grupos de pessoas bebendo: cabeças se virando abruptamente na minha direção, os olhos
arregalados com a identificação. Aquele cara! Certo?
Meados de julho. Eu me perguntei se ficaria tão execrável até outubro a ponto de ser a
fantasia de Halloween de mau gosto de algum rapaz de fraternidade: cachos de cabelos louros,
um livro Amy Exemplar enfiado sob uma axila. Go dissera que havia recebido meia dúzia de
telefonemas perguntando se O Bar tinha uma camiseta oficial à venda. (Não tínhamos, graças a
Deus.)
Sentei-me e pedi um scotch ao barman, um cara mais ou menos da minha idade que me
encarou durante um tempo um pouco longo demais, decidindo se iria me servir. Finalmente, de
má vontade, ele colocou um pequeno copo na minha frente, as narinas se expandindo e
contraindo. Quando peguei minha carteira, ele ergueu uma palma da mão alarmada para mim.
— Não quero seu dinheiro, cara. Não mesmo.
Deixei o dinheiro de qualquer maneira. Babaca.
Quando tentei acenar para pedir outra bebida, ele olhou na minha direção, balançou a cabeça
e se inclinou na direção da mulher com quem conversava. Alguns segundos depois, ela olhou
discretamente para mim, fingindo que estava se alongando. Sua boca se curvou para baixo
enquanto ela balançava a cabeça em um gesto positivo. É ele. Nick Dunne. O barman não voltou.
Você não pode gritar, não pode usar a força: Ei, imbecil, vai me dar uma maldita bebida ou
não? Você não pode ser o babaca que acham que você é. Tem de ficar sentado e engolir. Mas eu
não ia embora. Fiquei sentado com o copo vazio na minha frente fingindo pensar seriamente.
Verifiquei meu celular descartável, só para o caso de Andie ter ligado. Não tinha. Então peguei
meu telefone de verdade e joguei uma partida de paciência, fingindo estar muito absorto. Minha
esposa fizera isso comigo, me transformara em um homem que não conseguia uma bebida na
própria cidade. Deus, como a odiava.
— Era scotch?
Uma garota mais ou menos da idade de Andie estava de pé na minha frente. Asiática, cabelos
negros à altura dos ombros, bonita no estilo escritório.
— Como?
— O que você estava bebendo? Scotch?
— É. Estou tendo dificuldade para conseguir...
Ela desapareceu, foi até o final do bar, e estava entrando na linha de visão do barman com um
grande sorriso de me ajude, uma garota acostumada a se fazer notar, e então voltou com um
scotch em um copo de gente grande.
— Tome — insistiu, e eu peguei o copo. — Saúde.
Ela ergueu própria bebida clara, efervescente. Brindamos.
— Posso me sentar?
— Na verdade não vou ficar muito tempo... — disse, olhando ao redor, garantindo que
ninguém estava apontando um celular com câmera para nós.
— Então tudo bem — disse, sorrindo despreocupada. — Eu poderia fingir que não sei que
você é Nick Dunne, mas não vou insultá-lo. Estou torcendo por você, inclusive. Você está sendo
injustiçado.
— Obrigado. É, hã, um momento esquisito.
— Falando sério. Sabe como eles falam, no tribunal, sobre o efeito CSI? Tipo, todo mundo
no júri viu tanto CSI que acredita que a ciência pode provar qualquer coisa?
— Sei.
— Bem, acho que há um efeito Marido do Mal. Todos viram tantos programas de crimes
reais em que o marido é sempre, sempre o assassino que as pessoas automaticamente supõem que
o marido é o vilão.
— É exatamente isso — falei. — Obrigado. É exatamente isso. E Ellen Abbott...
— Foda-se Ellen Abbott — disse minha nova amiga. — Ela é uma perversão do sistema
judiciário e uma odiadora de homens encarnada em uma mulher que anda e fala.
Ela ergueu seu copo novamente.
— Qual é o seu nome? — perguntei.
— Outro Scotch?
— Que nome lindo.
* * *
O nome dela, descobri, era Rebecca. Ela tinha um cartão de crédito a postos e jeito para a
bebida. (Outro? Outro? Outro? ) Era de Muscatine, Iowa (outra cidade no rio Mississippi), e se
mudara para Nova York depois da faculdade para ser jornalista (também como eu). Fora
assistente editorial em três revistas diferentes — uma revista para noivas, uma para mães que
trabalham fora e uma para meninas adolescentes —, todas tendo fechado nos últimos anos, então
ela estava no momento trabalhando para um blog de crime chamado Whodunnit, e estava (risos)
na cidade para tentar conseguir uma entrevista comigo. Porra, eu tinha de apreciar a audácia
daquela garota faminta: Apenas me mandem para Carthage; as maiores redes de TV não
conseguiram, mas tenho certeza de que eu consigo!
— Tenho esperado em frente à sua casa com o resto do mundo, depois na delegacia, e então
decidi que precisava de uma bebida. E aí você entra. É perfeito demais. Estranho demais, não é?
— falou.
Usava pequenas argolas de ouro com as quais ficava brincando, os cabelos atrás das orelhas.
— É melhor eu ir embora — comentei.
Minhas palavras estavam grudentas, o começo de um enrolar de língua.
— Mas você ainda não me contou por que está aqui — disse Rebecca. — Devo dizer que é
preciso muita coragem, acho, para você sair sem um amigo ou algum tipo de apoio. Aposto que
recebeu muitos olhares feios.
Dei de ombros: Nada demais.
— As pessoas julgando tudo o que você faz sem sequer conhecê-lo. Como você com a foto de
celular no parque. Quero dizer, você provavelmente é como eu: foi criado para ser educado. Mas
ninguém quer a história de verdade. Eles querem o... Peguei você. Sabe?
— Estou só cansado de pessoas me julgando porque me encaixo em um determinado modelo.
Ela ergueu as sobrancelhas; os brincos sacudiram.
Pensei emAmy sentada em seu misterioso centro de controle, onde quer que fosse a porra do
lugar, me avaliando de todos os ângulos, vendo defeitos no meu comportamento mesmo de longe.
Haveria algo que ela pudesse ver que a levasse a encerrar essa loucura?
Prossegui:
— Quer dizer, as pessoas acham que estávamos em um casamento com problemas, mas na
verdade, logo antes de desaparecer, ela preparou uma caça ao tesouro para mim.
Amy iria querer uma de duas coisas: que eu aprendesse minha lição e fosse para a cadeira
elétrica como o menino mau que era; ou que aprendesse minha lição e a amasse do modo como
ela merecia, e fosse um garotinho bom, obediente, castigado, castrado.
— Uma maravilhosa caça ao tesouro — disse eu, sorrindo.
Rebecca balançou a cabeça com a testa franzida em forma de V.
— Minha esposa sempre preparava uma caça ao tesouro para nosso aniversário de
casamento. Uma pista leva a um lugar especial onde eu encontro a pista seguinte, e assim por
diante. Amy... — Tentei levar lágrimas aos olhos, mas me contentando em enxugá-los. O relógio
acima da porta marcava meia-noite e trinta e sete. — Antes de desaparecer, ela escondeu todas
as pistas. Deste ano.
— Antes de desaparecer no aniversário de casamento de vocês.
— E é isso que tem me mantido inteiro. Fez com que me sentisse mais próximo dela.
Rebecca pegou uma câmera portátil.
— Deixa eu entrevistar você. Para a câmera.
— Péssima ideia.
— Vou contextualizar — disse ela. — É exatamente do que você precisa, Nick, juro.
Contexto. Você precisa muito disso. Vamos lá, só algumas palavras.
Balancei a cabeça negativamente.
— Perigoso demais.
— Diga o que acabou de dizer. Estou falando sério, Nick. Sou o oposto de Ellen Abbott. A
anti-Ellen Abbott. Você precisa de mim na sua vida.
Ela ergueu a câmera, a luzinha vermelha me encarando.
— Sério, desligue isso.
— Ajude uma pobre garota. Se eu conseguir a entrevista com Nick Dunne, minha carreira está
feita e você fez sua boa ação do ano. Por favoooor? Não fará mal nenhum, Nick, um minuto. Só
um minuto. Juro que vou passar uma boa imagem de você.
Ela apontou para um reservado próximo onde ficaríamos fora das vistas de intrometidos.
Confirmei com um gesto de cabeça, e mudamos de lugar, aquela luzinha vermelha apontada para
mim o tempo todo.
— O que você quer saber? — perguntei.
— Fale sobre a caça ao tesouro. Parece romântico. Tipo, um romântico peculiar, incrível.
Assuma o controle da história, Nick. Para o público com P maiúsculo e a esposa com P
maiúsculo. Neste exato momento, pensei, sou um homem que ama a esposa e vai encontrá-la.
Sou um homem que ama a esposa e sou o cara bom. Sou aquele por quem torcer. Sou um
homem que não é perfeito, mas minha esposa é, e serei muito, muito obediente daqui para a
frente.
Eu podia fazer isso mais facilmente do que fingir tristeza. Como disse, eu funciono à luz do
sol. Ainda assim, senti minha garganta se apertar enquanto me preparava para dizer as palavras.
— Minha esposa... ela é a garota mais legal que já conheci. Quantos caras podem dizer isso?
Eu me casei com a garota mais legal que já conheci.
Suapiranhadesgraçadasuapiranhadesgraçadasuapiranhadesgraçada. Venha para casa
para que eu possa matar você.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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