quinta-feira, 20 de agosto de 2015

NICK DUNNE TRINTA DIAS APÓS O RETORNO


Amy acha que está no controle, mas está muito enganada. Ou: ela vai estar muito enganada.
Boney, Go e eu estamos trabalhando juntos. A polícia, o FBI, ninguém mais está
demonstrando interesse. Mas ontem, do nada, Boney telefonou. Ela não se identificou quando
atendi, apenas começou a falar, como uma velha amiga: Posso te pegar para um café? Apanhei
Go, e encontramos Boney na Pancake House. Ela já estava sentada quando chegamos, se levantou
e deu um sorriso um tanto débil. Estava sendo massacrada pela imprensa. Fizemos um
desajeitado movimento grupal de hesitação entre abraço e aperto de mão. Boney se contentou
com um aceno de cabeça.
A primeira coisa que me disse assim que recebemos a comida:
— Eu tenho uma filha. Treze anos. Mia. Por causa de Mia Hamm. Ela nasceu no dia em que
ganhamos a Copa do Mundo. Então, essa é minha filha.
Ergui as sobrancelhas: Que interessante. Conte mais.
— Você perguntou isso um dia, e eu não... Eu fui grosseira. Eu tinha certeza de que você era
inocente, mas... tudo dizia que você não era, então eu estava puta da vida. Por poder ter me
enganado tanto. Por isso não quis nem dizer o nome da minha filha para você.
Ela nos serviu café da garrafa térmica.
— É isso. Mia — falou ela.
— Bem, obrigado — respondi.
— Não, quer dizer... Merda — continuou, bufando para o alto, um sopro forte que agitou sua
franja. — O que quero dizer é que sei que Amy incriminou você. Sei que ela matou Desi
Collings. Eu sei disso. Só não posso provar.
— O que os outros estão fazendo enquanto você está de fato trabalhando no caso? —
perguntou Go.
— Não há um caso. Eles estão passando para outra. Gilpin está totalmente fora. Eu ouvi de
cima: Arquive essa merda. Arquive. Nós parecemos grandes caipiras idiotas na imprensa
nacional. Não posso fazer nada a não ser que consiga alguma coisa com você, Nick. Você tem
alguma coisa?
Dei de ombros.
— Tenho tudo o que você tem. Ela confessou para mim, mas...
— Ela confessou? Bem, caramba, Nick, vamos colocar uma escuta em você.
— Não vai funcionar. Não vai funcionar. Ela pensa em tudo, quer dizer, ela conhece os
procedimentos policiais de cor e salteado. Ela estuda, Rhonda.
Ela derramou uma calda azul-elétrico sobre suas panquecas. Eu enfiei os dentes do meu garfo
na gema mole do meu ovo e girei, borrando o sol.
— Fico louca quando você me chama de Rhonda.
— Ela estuda, Sra. Detetive Boney.
Ela soprou para o alto, sacudiu a franja novamente. Colocou um pedaço de panqueca na boca.
— De qualquer forma, eu não conseguiria uma escuta a esta altura.
— Vamos lá, tem de haver alguma coisa, pessoal — interrompeu Go. — Nick, por que diabo
você fica naquela casa se não está conseguindo nada?
— Leva tempo, Go. Tenho que fazer com que ela confie em mim de novo. Se ela começar a
me contar coisas relaxadamente, quando não estivermos completamente nus...
Boney esfregou os olhos e olhou para Go:
— Eu devo perguntar?
— Eles sempre têm as conversas nus, no chuveiro, com a água correndo — explicou Go. —
Você não pode grampear o chuveiro de alguma forma?
— Ela sussurra no meu ouvido, além do chuveiro aberto — contei.
— Ela estuda mesmo — observou Boney. — Mesmo. Examinei o carro no qual ela voltou, o
Jaguar de Desi. Mandei que averiguassem a mala, onde ela jurou que Desi a colocara quando a
sequestrou. Imaginei que não haveria nada lá, que a pegaríamos em uma mentira. Ela rolou o
corpo dentro da mala, Nick. O cheiro dela foi sentido por nossos cães. E encontramos três fios de
cabelo louro compridos. Fios louros compridos. Dela, de antes de cortar. Como ela fez isso...
— Antecipação. Tenho certeza de que ela tinha uma sacola cheia deles, caso precisasse
deixá-los em algum lugar para me ferrar.
— Meu Deus, consegue imaginar tê-la como mãe? Você nunca poderia contar uma mentirinha.
Ela estaria sempre três passos à sua frente.
— Boney, consegue imaginar tê-la como esposa?
— Ela vai errar — falou. — Em algum momento ela vai errar.
— Não vai — afirmei. — Não posso simplesmente testemunhar contra ela?
— Você não tem credibilidade — respondeu Boney. — Sua credibilidade vem de Amy. Com
uma única jogada, ela o reabilitou. E pode desfazer isso com uma única jogada. Se ela revelar a
história do anticongelante...
— Preciso encontrar o vômito — raciocinei. — Se eu me livrar do vômito e revelarmos mais
mentiras dela...
— Deveríamos ler o diário — sugeriu Go. — Sete anos de anotações? Tem de haver
discrepâncias.
— Pedimos a Rand e Marybeth que dessem uma olhada para ver se alguma coisa parecia
estranha — disse Boney. — Você pode imaginar como foi isso. Achei que Marybeth ia arrancar
meus olhos.
— E quanto a Jacqueline Collings, Tommy O’Hara ou Hilary Handy? — perguntou Go. —
Todos eles conhecem a verdadeira Amy. Tem de haver alguma coisa aí.
Boney balançou a cabeça.
— Acreditem em mim, não é suficiente. Todos têm menos credibilidade que Amy. É pura
opinião pública, mas neste instante é com isso que a polícia está preocupada: a opinião pública.
Ela estava certa. Jacqueline Collings aparecera em alguns programas na TV a cabo,
insistindo na inocência do filho. Sempre começava equilibrada, mas seu amor de mãe trabalhava
contra ela: logo passava a imagem de uma mulher de luto, desesperada para acreditar no melhor
do filho, e quanto mais os apresentadores sentiam pena dela, mais ela mordia e rosnava, e mais
antipática se tornava. Ela foi descartada rapidamente. Tanto Tommy O’Hara quanto Hilary Handy
telefonaram para mim, furiosos por Amy ainda não ter sido punida, determinados a contar suas
histórias, mas ninguém queria saber de dois desequilibrados ex-alguma coisa. Fiquem firmes,
estamos trabalhando nisso, disse a eles. Hilary, Tommy, Jacqueline, Boney, Go e eu teremos
nosso momento. Disse a mim mesmo que acreditava nisso.
— E se pelo menos tivéssemos Andie? — perguntei. — E se a fizéssemos depor dizendo que
todo lugar onde Amy escondera uma pista era um lugar onde nós... você sabe, transamos? Andie
tem credibilidade; as pessoas a adoram.
Andie voltara a ser aquela pessoa alegre que era, depois do retorno de Amy. Eu só sabia
disso por fotos eventuais em tabloides. Por eles, sabia que estava namorando um cara da idade
dela, um garoto bonito, desgrenhado, com fones de ouvido sempre pendurados no pescoço.
Ficavam bem juntos, jovens e saudáveis. A imprensa os adorava. O melhor título: O amor
encontra Andie Hardy, um trocadilho com um filme de Mickey Rooney, de 1938, que apenas
umas vinte pessoas iriam entender. Mandei uma mensagem de texto para ela: Desculpe. Por tudo.
Não tive resposta. Bom para ela. Digo isso com sinceridade.
— Coincidência — falou Boney, dando de ombros. — Quero dizer, coincidência esquisita,
mas... não é suficientemente impressionante para avançar. Não neste clima. Você precisa fazer
com que sua esposa conte algo útil, Nick. Você é nossa única chance agora.
Go bateu com sua xícara de café na mesa.
— Não acredito que estamos tendo esta conversa — desabafou. — Nick, não quero mais
você naquela casa. Você não é um policial disfarçado, sabia? Não é seu trabalho. Você está
vivendo com uma assassina. Vá embora, que droga. Desculpe, mas quem se importa que ela tenha
matado Desi? Eu não quero que ela mate você. Quer dizer, um dia você vai queimar o queijo
quente dela, e então meu telefone vai tocar e você terá tido uma terrível queda do telhado ou
alguma outra merda. Vá embora.
— Não posso. Não ainda. Ela nunca vai me deixar ir embora de verdade. Gosta demais do
jogo.
— Então pare de jogar.
* * *
Não posso. Estou me tornando tão melhor nele... Vou ficar perto dela até conseguir derrubá-
la. Sou o único que resta capaz de fazer isso. Um dia ela vai escorregar e me contar algo que eu
possa usar. Há uma semana me mudei para nosso quarto. Não fazemos sexo, mal nos tocamos,
mas somos marido e mulher em uma cama de casal, o que por ora apazigua Amy. Eu acaricio os
cabelos dela. Pego um cacho entre o indicador e o polegar, deslizo até a ponta e puxo, como se
estivesse tocando um sino, e ambos gostamos disso. O que é um problema.
Fingimos estar apaixonados, e fazemos as coisas que gostamos de fazer quando estamos
apaixonados; algumas vezes parece quase amor, porque estamos seguindo a coisa muito à risca.
Ressuscitando a memória muscular do romance inicial. Quando esqueço — algumas vezes posso
me esquecer brevemente de quem minha esposa é —, gosto de fato de ficar com ela. Ou o ela que
ela está fingindo ser. O fato é que minha esposa é uma assassina que às vezes é realmente
divertida. Posso dar um exemplo? Certa noite mandei vir lagosta de avião, como nos velhos
tempos, e ela fingiu me perseguir com aquilo, e eu fingi me esconder, e então ambos fizemos ao
mesmo tempo uma piada sobre Noivo neurótico, noiva nervosa, e foi tão perfeito, tão do modo
como deveria ser, que tive de sair da sala por um segundo. Meu coração latejava em meus
ouvidos. Eu tive de repetir meu mantra: Amy matou um homem, e irá matá-lo se você não for
muito, muito cuidadoso. Minha esposa, a assassina muito divertida e linda, me fará mal caso eu a
desagrade. Eu me vejo nervoso em minha própria casa: estou fazendo um sanduíche, de pé na
cozinha no meio do dia, lambendo a manteiga de amendoim da faca, então me viro e vejo Amy no
mesmo cômodo que eu — aqueles pezinhos silenciosos de gato — e estremeço. Eu, Nick Dunne,
o homem que costumava esquecer tantos detalhes, é agora o cara que repassa conversas para ter
certeza de que não a ofendeu, ter certeza de que não a magoou. Anoto tudo sobre o dia dela, seus
gostos e desgostos, caso ela me interrogue. Sou um ótimo marido porque tenho muito medo que
ela me mate.
Nunca tivemos uma conversa sobre minha paranoia, pois estamos fingindo estar apaixonados,
e estou fingindo não estar com medo dela. Mas ela mencionou isso algumas vezes, de passagem:
Sabe, Nick, você pode dormir na cama comigo, tipo dormir de verdade. Vai ficar tudo bem. Eu
prometo. O que aconteceu com Desi foi um incidente isolado. Feche os olhos e durma.
Mas sei que nunca mais dormirei novamente. Não posso fechar os olhos quando estou perto
dela. É como dormir com uma aranha.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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