sexta-feira, 4 de setembro de 2015

CAPÍTULO I


A 24 de maio de 1863, um domingo, meu tio, o professor Lidenbrock, voltou precipitadamente para sua casinha no número 19 da Königstrasse, uma das ruas
mais antigas do velho bairro de Hamburgo.
A boa Marthe deve ter achado que estava muito atrasada, pois o jantar mal
começara a chiar no fogão da cozinha.
"Bem", pensei, "se estiver com fome, meu tio, que é o mais impaciente dos
homens, vai dar gritos de aflição".
- O senhor Lidenbrockjá chegou! - exclamou Marthe, estupefata, entreabrindo a
porta da sala de jantar.
- Já, Marthe; mas o jantar tem o direito de não estar pronto, pois não são nem
duas horas. Acabou de dar a meia hora em São Miguel.
- Então por que o senhor Lidenbrock está de volta?
- Logo saberemos por ele mesmo.
- Ei-lo! Vou sumir, senhor Axel; o senhor se encarregue de fazer com que se
mostre razoável.
E a boa Marthe desapareceu em seu laboratório culinário.
Fiquei sozinho. Fazer com que o mais irascível dos professores se mostrasse
razoável era algo que o meu temperamento um tanto indeciso não permitia.
Preparava-me para voltar ao meu quartinho no último andar quando as
dobradiças da porta rangeram; a escada de madeira estalou sob os grandes pés, e
o dono da casa, depois de atravessar a sala de jantar, precipitou-se
imediatamente para seu gabinete de trabalho.
Durante a rápida passagem jogara num canto sua bengala com um quebra-nozes
na ponta, seu grande chapéu de pêlos arrepiados na mesa, e as seguintes palavras
retumbantes a seu sobrinho:
- Axel, siga-me!
Eu mal tivera tempo de me mexer, e o professor já gritava num tom vivo de
impaciência:
- Vamos! Por que ainda não está aqui?
Corri para o gabinete de meu temível mestre.
Tenho de convir que Otto Lidenbrocknão era um homem mau; mas, a não ser
que ocorressem mudanças improváveis, morreria como um terrível excêntrico.
Era professor no Johannaeum, onde dava um curso de mineralogia, durante o
qual se enraivecia pelo menos duas vezes.
Não que se preocupasse com a assiduidade ou a atenção dos alunos, nem com o
seu sucesso depois de formados; eram detalhes nos quais nem pensava. Ele
lecionava "subjetivamente", para empregar uma expressão da filosofia alemã,
para si, e não para os outros. Era um cientista egoísta, um poço de ciência cuja
roldana guinchava quando alguém tentava extrair algo dele: em suma, um avaro.
Há alguns professores assim na Alemanha.
Infelizmente, meu tio não tinha grande facilidade de expressão, nem na
intimidade, quanto mais quando falava em público, o que era um lamentável
defeito em um orador. De fato, em suas palestras no Johannaeum, muitas vezes o
professor parava de falar de repente. Lutava com uma palavra recalcitrante que
não queria sair de sua boca, uma dessas palavras que resistem, incham e acabam
saindo sob a forma pouco científica de um palavrão. Daí grandes acessos de
cólera.
Ora, em mineralogia, há muitas denominações semigregas, semilatinas, difíceis
de pronunciar, nomes rudes que esfolariam os lábios de um poeta. Não que eu
queira falar mal dessa ciência.
Longe de mim. Mas quando estamos diante de cristalizações romboédricas, de
resinas retinasfálticas, de guelenitas, de fangasitas, de molibdênio de chumbo, de
tungstato de manganésio, de titanato de zircônio, até as línguas mais bem
treinadas perdem o prumo.
De qualquer forma, digo e repito, meu tio era um verdadeiro cientista. Apesar de
quebrar por vezes suas amostras pela sua brusquidão, reunia a visão do
mineralogista ao gênio do geólogo.
Com seu martelo, seu buril de aço, sua agulha imantada, seu maçarico e seu
frasquinho de ácido nítrico, era um grande profissional. Pela fratura, pelo
aspecto, pela dureza, pela fusibilidade, pelo som, pelo cheiro ou pelo gosto, era
capaz de classificar sem hesitação um mineral qualquer entre as seiscentas
espécies com que a ciência conta hoje em dia.
O nome Lidenbrock resplandecia com honra nos ginásios e associações
nacionais. Quando passaram por Hamburgo, Humphry Davy, de Humboldt e os
capitães Franklin e Sabine fizeram questão de encontrar-se com ele. Becquerel,
Ebelmen, Brewster, Dumas, Milne-Edwards, Sainte-Claire-Deville gostavam de
consultá-lo a respeito das descobertas mais palpitantes da química, que lhe devia
umas tantas das descobertas, e em 1853 foi publicado em Leipzig um Tratado de
cristalografia transcendente do professor Otto Lidenbrock, grande in-fólio com
ilustrações, que infelizmente não cobriu seus custos. Acrescentarei que meu tio
era o conservador do museu mineralógico de Struve, embaixador da Rússia,
preciosa coleção, célebre em toda a Europa. Eis, portanto, o personagem que me
interpelava com tanta impaciência. Imaginem um homem alto, magro, saúde de
ferro, lourice juvenil, que fazia com que parecesse um quarentão e não o
cinqüentão que era. Seus olhos grandes não paravam atrás dos óculos
consideráveis. Seu nariz comprido e fino parecia uma lâmina afiada. Os
mexeriqueiros até pretendiam que era imantado e atraía limalha de ferro. Pura
calúnia: só atraía tabaco, mas em grande abundância, para ninguém dizer que
sou mentiroso.
Se eu acrescentar que os passos de meu tio mediam matematicamente
meiatoesa' e se disser que, ao caminhar, mantinha os punhos solidamente
fechados, sinal de um temperamento impetuoso, terei dito o bastante para
ninguém se mostrar ansioso por sua companhia.
Morava em sua casinha da Königstrasse, de madeira e tijolos, empena rendada,
que dava para um dos canais sinuosos que se cruzam no meio do bairro mais
antigo de Hamburgo, respeitado, felizmente, pelo incêndio de 1842.
É verdade que a velha casa era um pouco inclinada e mostrava a barriga aos
transeuntes. Seu teto inclinava-se sobre a orelha, como o boné de um estudante
da Tugendbund. O aprumo de suas linhas deixava a desejar, mas, em suma,
conseguia sustentar-se graças a um velho olmo engastado com vigor na fachada,
cujos brotos em flor penetravam na primavera pelos vidros das janelas.
Meu tio até que era rico para um professor alemão. Tudo na casa, conteúdo e
continente, pertencia-lhe. O conteúdo consistia em sua afilhada Grauben, jovem
Virlandesa de dezessete anos, a boa Marthe e eu. Em minha dupla qualidade de
sobrinho e órfão, tornei-me auxiliar-assistente em suas experiências.
Confesso que me entreguei com grande apetite às ciências geológicas. Tinha
sangue de mineralogista nas veias e nunca me entediei na companhia de meus
preciosos pedregulhos.
Em suma, era possível viver feliz na casinha da Königstrasse apesar da
impaciência de seu proprietário, pois, embora agisse com um pouco de
brutalidade, meu tio não deixava de me amar. Contudo, era um homem que não
sabia esperar e mais apressado que o normal.
Quando, em abril, plantava, nos vasos de porcelana da sala, seus pés de resedá ou
volubilis, ia, todas as manhãs, puxar-lhes as folhas para apressar seu crescimento. A única forma de lidar com um excêntrico daqueles era obedecerlhe.
Precipitei-me para o seu gabinete.

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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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