terça-feira, 28 de abril de 2015

18



SE EU PESQUISAR no Google “traumatismo cranioencefálico”, a maioria dos sites me diz que
amnésia seletiva é uma consequência. Quando há dano cerebral, não é incomum um paciente
esquecer coisas. Será incapaz de reconstituir um relato coerente do trauma.
Mas não quero que as pessoas saibam que sou assim. Que ainda sou assim, depois de todas
as consultas, todas as tomografias e todos os medicamentos.
Não quero ser rotulada. Não quero mais remédios. Não quero médicos ou professores
preocupados. Só Deus sabe como já tive médicos suficientes.
O que me lembro do verão do acidente:
Me apaixonar por Gat na porta da cozinha de Red Gate.
A rosa japonesa que ele pegou para Raquel e minha noite regada a vinho, girando de raiva.
Agir normalmente. Fazer sorvete. Jogar tênis.
Sanduíches de marshmallow de três andares e Gat zangado quando o mandamos calar a
boca.
Nadar à noite.
Beijar Gat no sótão.
Ouvir a história da pipoca doce e ajudar meu avô a descer as escadas.
O balanço de pneu, a trilha da costa. Gat e eu abraçados.
Gat me vendo sangrar. Fazendo perguntas. Fazendo curativos nas minhas feridas.
Não me lembro de muito mais.
Posso ver a mão de Mirren, seu esmalte dourado descascado, segurando um galão de
gasolina para os barcos.
Minha mãe com o rosto franzido, perguntando: “As pérolas negras?”.
Os pés de Johnny correndo pelas escadas de Clairmont até o ancoradouro.
Meu avô, segurando-se em uma árvore, o rosto iluminado pelo brilho de uma fogueira.
E nós, os quatro Mentirosos, rindo a ponto de ficarmos tontos e enjoados. Mas o que era tão
engraçado?
O que era, e onde estávamos?
Não sei.
Costumava perguntar à minha mãe quando não me lembrava do resto do verão dos quinze.
Meu esquecimento me assustava. Eu sugeria parar com os remédios, tentar outros, outro
médico. Implorava para saber o que tinha esquecido. Então, um dia no fim do outono — o
outono que passei fazendo exames para doenças fatais —, minha mãe começou a chorar.
— Você me pergunta sem parar. Nunca se lembra do que eu digo.
— Desculpe.
Ela se serviu de uma taça de vinho enquanto falava.
— Começou a perguntar no dia em que acordou no hospital. “O que aconteceu? O que
aconteceu?” Contei a verdade, Cadence, sempre contei. E você repetia para mim. Mas, no dia
seguinte, perguntava de novo.
— Desculpe — eu disse novamente.
— Você ainda me pergunta quase todos os dias.
É verdade, eu não tenho lembranças do acidente. Não me lembro do que aconteceu antes e
depois. Não me lembro das consultas médicas. Sei que devem ter acontecido, porque é claro
que aconteceram — e cá estou com um diagnóstico e medicamentos —, mas quase todo o meu
tratamento médico é um vazio.
Olhei para minha mãe. Para seu rosto zangado e preocupado, seus olhos molhados, o
relaxamento vacilante de sua boca.
— Você precisa parar de perguntar — ela disse. — Os médicos acham mesmo que é melhor
você lembrar sozinha.
Obriguei-a a me contar uma última vez e anotei as respostas para poder consultar quando
quisesse. É por isso que consigo contar sobre o acidente quando fui nadar à noite, as rochas, a
hipotermia, dificuldade respiratória, e o não confirmado traumatismo cranioencefálico.
Nunca mais perguntei nada a ninguém. Tem muita coisa que não entendo, mas assim ela
permanece sóbria.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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