TODO MUNDO VAI para a nova Clairmont, me deixando sozinha com minha mãe em Windemere
para desfazer as malas. Deixo a minha de lado e vou procurar os Mentirosos.
De repente, eles estão em cima de mim como cachorrinhos. Mirren me abraça e me gira.
Johnny abraça Mirren, Gat abraça Johnny. Estamos todos abraçados, pulando. Depois estamos
separados novamente, indo para Cuddledown.
Mirren fala sem parar sobre como está feliz porque Bess e os pequenos vão passar o verão
com o vovô. Ele agora precisa ficar com alguém. Fora isso, é impossível ficar perto de Bess e
sua compulsão por limpeza. E ainda mais importante: os Mentirosos vão ter Cuddledown só
para si. Gat diz que vai fazer um chá, porque é seu novo vício. Johnny o chama de idiota
arrogante. Acompanhamos Gat até a cozinha. Ele coloca água para ferver.
É um redemoinho, todos falando ao mesmo tempo, discutindo com alegria, exatamente como
nos velhos tempos. Gat quase não olhou para mim, no entanto.
Não consigo parar de olhar para ele.
Ele é tão lindo. Tão Gat. Conheço o arco de seu lábio inferior, a força de seus ombros. O
modo como enfia a camisa mais ou menos dentro da calça jeans, como seus sapatos são
desgastados no calcanhar, como ele toca a cicatriz que tem na sobrancelha sem nem perceber.
Estou tão zangada. E tão feliz em vê-los.
Ele deve ter seguido com a vida, como qualquer pessoa equilibrada faria. Gat não tinha
passado os últimos dois anos em uma carapaça de dor de cabeça e autopiedade. Está saindo
com meninas de Nova York que usam sapatilha, levando-as para comer comida chinesa e
assistir shows. Se não estiver com Raquel, provavelmente tem uma namorada, ou até mais, no
lugar onde mora.
— Seu cabelo mudou — Johnny me diz.
— É.
— Mas você ficou bonita — diz Mirren, com doçura.
— Ela está tão alta — diz Gat, ocupando-se com caixas de chá preto e de jasmim, entre
outros. — Você não era tão alta, era, Cady?
— A gente cresce — eu digo. — Não é culpa minha. — Há dois verões, Gat era vários
centímetros mais alto do que eu. Agora estamos quase da mesma altura.
— Sou a favor do crescimento — diz Gat, ainda sem olhar na minha cara. — Só não fique
mais alta do que eu.
Ele está me paquerando?
Está.
— Johnny sempre me deixa ser o mais alto — Gat continua. — Nunca reclama disso.
— Como se eu tivesse outra opção — resmunga Johnny.
— Ela ainda é nossa Cady — diz Mirren com devoção. — Também devemos estar
diferentes para ela.
Mas não estão. Estão iguais. Gat usando uma camiseta verde desbotada de dois verões
atrás. Com seu sorriso espontâneo, o modo como se inclina para a frente, o nariz grande.
Johnny com seus ombros largos, vestindo jeans e uma camisa xadrez cor-de-rosa tão velha
que as bordas estão esfiapadas; unhas roídas, cabelo curto.
Mirren, como uma pintura pré-rafaelita, aquele queixo quadrado dos Sinclair. Cabelo longo
e fios grossos enrolados no alto da cabeça, usando a parte de cima de um biquíni e shorts.
É reconfortante. Eu os amo.
Será que vão se importar com o fato de eu não conseguir me lembrar nem de acontecimentos
básicos envolvendo o acidente? Perdi tanta coisa do que fizemos juntos no verão dos quinze.
Fico me perguntando se as tias ficaram falando a meu respeito.
Não quero que olhem para mim como se eu estivesse doente. Ou como se minha cabeça não
estivesse funcionando.
— Conte da faculdade — diz Johnny. Ele está sentado sobre a bancada da cozinha. — Em
qual você vai estudar?
— Nenhuma ainda. — Essa é uma verdade que não posso evitar. Estou surpresa por eles
não estarem sabendo.
— O quê?
— Por quê?
— Não terminei a escola. Perdi muita aula depois do acidente.
— Ah, que droga! — grita Johnny. — Isso é terrível. Não pode fazer aulas de recuperação?
— Só se eu não viesse para cá. Além disso, terei mais chances de entrar na faculdade
depois de cursar todas as matérias direito.
— O que você vai estudar? — Gat pergunta.
— Vamos falar sobre outra coisa.
— Mas nós queremos saber — diz Mirren. — Todos queremos.
— É sério — eu digo. — Vamos mudar de assunto. Como anda sua vida amorosa, Johnny?
— Uma droga.
Ergo as sobrancelhas.
— Quando se é tão lindo como eu, nunca é tranquilo — ele ironiza.
— Tenho um namorado chamado Drake Loggerhead — afirma Mirren. — Ele entrou na
faculdade de Pomona, assim como eu. Tivemos relações sexuais várias vezes, mas sempre
com proteção. Ele me dá rosas amarelas toda semana e tem belos músculos.
Johnny cospe o chá. Gat e eu rimos.
— É sério? — Johnny pergunta.
— Sim — responde Mirren. — Qual é a graça?
— Nenhuma. — Johnny sacode a cabeça.
— Estamos saindo há cinco meses — diz Mirren. — Ele está passando o verão em um
programa de treinamento ao ar livre, assim vai ter mais músculos da próxima vez que nos
encontrarmos!
— Você só pode estar brincando — diz Gat.
— Só um pouco — diz Mirren. — Mas eu o amo.
Aperto a mão dela. Estou feliz porque tem alguém para amar.
— Depois vou perguntar sobre as relações sexuais — eu a alerto.
— Quando os meninos não estiverem aqui eu conto tudo — ela diz.
Deixamos as xícaras de chá na cozinha e descemos para a praia pequena. Tiramos os
sapatos e afundamos os dedos na areia. Há conchas minúsculas e afiadas.
— Não vou jantar na nova Clairmont — diz Mirren de maneira conclusiva. — Nem tomar
café da manhã. Este ano não.
— Por que não? — pergunto.
— Eu não aguento — ela diz. — As tias. Os pequenos. Vovô. Ele está meio lelé, sabia?
Confirmo com a cabeça.
— É muita gente junta. Só quero ser feliz com vocês, aqui — diz Mirren. — Não vou ficar
naquela casa nova e fria. Eles estão bem sem mim.
— Digo o mesmo — diz Johnny.
— Eu também — diz Gat.
Percebo que eles discutiram a ideia antes de eu chegar
0 comentários:
Postar um comentário