MEU QUARTO EM WINDEMERE é coberto de painéis de madeira pintados de creme. Há uma
colcha verde de retalhos sobre a cama. O tapete é como aqueles feitos de trapo que se vê em
pousadas do interior.
Você esteve aqui há dois verões, digo a mim mesma. Neste quarto, todas as noites. Neste
quarto, todas as manhãs.
É provável que estivesse lendo, jogando no iPad, escolhendo roupas. Do que se lembra?
Nada.
Belas gravuras de botânica ocupam as paredes, além de algumas obras de minha autoria:
uma aquarela da acerácea que costumava ocupar o gramado de Clairmont e dois desenhos
feitos com lápis de cor, um da vovó Tipper com seus cachorros, Príncipe Philip e Fatima, e
outro do meu pai. Arrasto o cesto de roupas de vime para fora do armário, tiro todas as
imagens e as enfio no cesto.
Há uma prateleira cheia de livros, infantojuvenis e de fantasia, que eu gostava de ler alguns
anos atrás. Histórias de criança que li centenas de vezes. Pego todos e empilho no corredor.
— Vai doar os livros? Você ama livros — minha mãe diz. Ela está saindo do quarto, usando
roupas limpas para o jantar. Batom.
— Podemos doar para alguma biblioteca — eu digo. — Ou para o Exército de Salvação.
Minha mãe se abaixa e folheia os livros.
— Lemos Vida encantada juntas, você lembra?
Faço que sim com a cabeça.
— E esse também: As vidas de Christopher Chant. Você tinha oito anos. Queria ler tudo,
mas ainda não sabia direito, então eu lia para você e para Gat durante horas e horas.
— E Johnny e Mirren?
— Eles não aguentavam ficar parados — disse minha mãe. — Não quer guardar esses?
Ela estica o braço e toca meu rosto. Eu recuo.
— Quero que tudo tenha um lar melhor — digo a ela.
— Esperava que você se sentisse diferente quando voltássemos para a ilha. Só isso.
— Você se livrou de todas as coisas do papai. Comprou um sofá novo, louça nova, joias
novas.
— Cady.
— Não tem nada na casa inteira que diga que ele já morou com a gente, exceto eu. Por que
você pode apagar meu pai e eu não posso…?
— Apagar você mesma? — minha mãe diz.
— Outras pessoas podem usar isso — respondo, apontando para a pilha de livros. —
Pessoas que realmente precisem. Você não pensa em fazer o bem?
Naquele momento, Poppy, Bosh e Grendel sobem as escadas correndo e ocupam todo o
corredor em que estamos, fuçando nossas mãos, abanando os rabos peludos na altura de
nossos joelhos.
Minha mãe e eu ficamos em silêncio.
Finalmente, ela diz:
— Não tem problema se você ficar vagando pela praia pequena, ou seja lá o que fez essa
tarde. Não tem problema se doar seus livros, já que sente tanta necessidade. Mas eu te espero
em Clairmont para o jantar em uma hora, com um sorriso no rosto para seu avô. Sem
discussão. Sem desculpa. Entendeu?
Faço que sim.
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