terça-feira, 28 de abril de 2015

28



SOBROU UM BLOCO de vários verões atrás, quando eu e Gat ficamos obcecados com papel
quadriculado. Fazíamos um desenho atrás do outro, preenchendo os quadradinhos com lápis
de cor para fazer retratos pixelados.
Encontro uma caneta e anoto todas as lembranças que tenho do verão dos quinze.
Sanduíches de marshmallow, nadar. O sótão, a interrupção.
A mão de Mirren, com esmalte dourado descascado, segurando um galão de gasolina para
os barcos.
Minha mãe com o rosto franzido, perguntando: “As pérolas negras?”.
Os pés de Johnny correndo pelas escadas de Clairmont até o ancoradouro.
Meu avô, segurando-se em uma árvore, o rosto iluminado pelo brilho de uma fogueira.
E nós, os quatro Mentirosos, rindo tanto a ponto de ficarmos tontos e enjoados.
Pego uma página separada para o acidente em si. O que minha mãe me disse e o que
imagino. Devo ter ido nadar sozinha na praia pequena. Bati a cabeça em uma pedra. Devo ter
lutado para voltar à costa. Tia Bess e minha mãe me deram chá. Fui diagnosticada com
hipotermia, problemas respiratórios e um traumatismo cranioencefálico que nunca apareceu
nas tomografias.
Colo as páginas na parede, acima da minha cama. Acrescento post-its com perguntas.
Por que entrei na água sozinha à noite?
Onde estavam minhas roupas?
Realmente tive traumatismo cranioencefálico nadando, ou aconteceu alguma outra coisa?
Alguém poderia ter me golpeado antes? Fui vítima de algum crime?
E o que aconteceu entre mim e Gat? Nós brigamos? Eu o ofendi?
Ele deixou de me amar e voltou para Raquel?
Decido que tudo o que descobrir nas quatro semanas seguintes vai ficar sobre minha cama
em Windemere. Vou dormir sob as anotações e as analisar todas as manhãs.
Talvez uma imagem se forme nos quadradinhos.
UMA BRUXA ESTÁ PARADA atrás de mim há algum tempo, esperando um momento de fraqueza.
Ela segura a estátua de um ganso em marfim. É minuciosamente esculpida. Eu me viro e a
admiro por um instante até que ela balança o objeto com uma força chocante. Ela me acerta,
abrindo um buraco na minha testa. Posso sentir o osso se soltar. A bruxa ataca com a estátua
mais uma vez e me atinge sobre a orelha direita, esmagando meu crânio. Desfere um golpe
atrás do outro, até pequenos flocos de osso espalharem-se sobre a cama e se misturarem com
pedacinhos lascados da estátua, antes tão bela.
Encontro meus remédios e apago a luz.
— Cadence? — minha mãe grita do corredor. — O jantar está servido na nova Clairmont.
Não posso ir.
Não posso. Não vou.
Minha mãe promete café para me ajudar a ficar acordada enquanto os medicamentos estão
em meu corpo. Diz que faz tempo que as tias não me veem, que os pequenos também são meus
primos, afinal. Eu tenho obrigações familiares.
Só consigo sentir a fratura em meu crânio e a dor no meu cérebro. Todo o resto é um pano
de fundo desbotado.
Finalmente, ela sai sem mim.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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