TODAS AS JANELAS DE CUDDLEDOWN estão abertas quando desço depois do almoço. Gat está
colocando música para tocar no som antigo. Meus velhos desenhos de lápis de cor estão
presos com ímãs na geladeira: meu pai no alto, minha avó com os cachorros embaixo. Minha
pintura está colada com fita adesiva em um dos armários da cozinha. Há uma escada e uma
caixa grande com papéis de presente no centro da sala.
Mirren empurra uma poltrona pelo chão.
— Nunca gostei do jeito que minha mãe arrumava esse lugar — ela explica.
Ajudo Gat e Johnny a mudar os móveis de lugar até Mirren ficar satisfeita. Tiramos as
aquarelas de paisagens de Bess e enrolamos os tapetes. Pilhamos o quarto dos pequenos em
busca de objetos divertidos. Quando terminamos, a sala está decorada com cofres de
porquinho e colchas de retalho, pilhas de livros infantis, uma luminária em forma de coruja.
Fitas grossas e brilhantes da caixa de papéis de presente cruzam o teto.
— Bess não vai ficar zangada por você estar redecorando a casa? — pergunto.
— Prometo que ela não vai colocar os pés em Cuddledown pelo resto do verão. Está
tentando sair desse lugar há anos.
— Do que está falando?
— Ah — diz Mirren sutilmente —, você sabe. Blá-blá-blá, filha menos querida, blá-blá-
blá, a cozinha é uma porcaria, por que o vovô não manda reformar?, e por aí vai.
— Ela pediu para ele?
Johnny ficou me olhando de um jeito estranho.
— Você não lembra?
— Ela perdeu a memória, Johnny! — grita Mirren. — Ela não se lembra, tipo… de metade
do verão dos quinze.
— Não? — Johnny diz. — Eu pensei…
— Não, não, cala a boca agora mesmo. — Mirren o repreende. — Você não prestou atenção
no que eu disse?
— Quando? — Ele pareceu perplexo.
— Aquela noite — diz Mirren. — Eu te contei o que tia Penny disse.
— Relaxa — diz Johnny, jogando uma almofada nela.
— Isso é importante! Como pode não prestar atenção nessas coisas? — Mirren parece
prestes a chorar.
— Desculpe, está bem? — Johnny diz. — Gat, você sabia que a Cadence não se lembra,
tipo, da maior parte do verão dos quinze?
— Sabia — ele responde.
— Está vendo? — diz Mirren. — Gat ouve.
Meu rosto está quente. Olho para o chão. Ninguém fala por um minuto.
— É normal perder parte da memória quando se bate a cabeça com muita força — digo
finalmente. — Minha mãe explicou?
Johnny ri de nervoso.
— Fico surpresa por minha mãe ter contado — eu continuo. — Ela odeia falar sobre isso.
— Ela disse que você devia ir com calma e se lembrar das coisas no seu próprio ritmo.
Todas as tias sabem — diz Mirren. — Vovô sabe. Os pequenos. Os empregados. Todas as
pessoas dessa ilha, menos Johnny, parece.
— Eu sabia — diz Johnny. — Só não sabia da história inteira.
— Não seja desagradável — diz Mirren. — Não é hora para isso.
— Tudo bem — digo a Johnny. — Você não é desagradável. Só teve um momento abaixo do
padrão. Tenho certeza de que será ótimo de agora em diante.
— Eu sempre sou ótimo — diz Johnny. — Só não sou tão ótimo quanto Mirren quer que eu
seja.
Gat sorri quando eu uso “abaixo do padrão” e dá um tapinha em meu ombro.
Começamos de novo.
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