VOU ATRÁS DE GAT quando ele sobe. Eu o sigo pelo longo corredor, pego em sua mão e trago
seus lábios para os meus.
É o que temo fazer, e faço.
Ele retribui o beijo. Seus dedos se entrelaçam nos meus e eu fico tonta e ele me levanta e
tudo fica claro e tudo é sublime de novo. Nosso beijo transforma o mundo em poeira. Só nós
existimos e nada mais importa.
Então Gat se afasta.
— Eu não devia fazer isso.
— Por que não? — A mão dele ainda segura a minha.
— Não é que eu não queira, é que…
— Achei que íamos começar de novo. Isso não é começar de novo?
— Estou confuso. — Gat recua e se encosta na parede. — Essa conversa é tão clichê. Não
sei mais o que dizer.
— Explique.
Uma pausa. E depois:
— Você não me conhece.
— Explique — digo novamente.
Gat coloca a cabeça entre as mãos. Ficamos lá parados, ambos encostados na parede, no
escuro.
— Certo. Aqui vai uma parte — ele finalmente sussurra. — Você não conhece minha mãe.
Você nunca foi ao meu apartamento.
Isso é verdade. Nunca vi Gat em nenhum outro lugar além de Beechwood.
— Você sente que me conhece, Cady, mas só conhece a versão que vem para cá — ele diz.
— Não é… Simplesmente não é tudo. Não conhece meu quarto com a janela sobre o duto de
ventilação, o curry que minha mãe faz, os caras da escola, a forma como comemoramos os
feriados. Só conhece a versão de mim que existe nessa ilha, onde todos são ricos, menos eu e
os empregados. Onde todos são brancos, menos eu, Ginny e Paulo.
— Quem são Ginny e Paulo?
Gat acerta a palma da mão com o punho.
— Ginny é a empregada. Paulo é o jardineiro. Você não sabe o nome deles, sendo que
trabalham aqui todo verão. Essa é uma parte do meu argumento.
Meu rosto fica quente de vergonha.
— Sinto muito.
— Mas você ao menos quer conhecer o resto? — Gat pergunta. — É capaz de entender?
— Você não vai saber até me dar uma chance — digo. — Não tenho notícias suas há um
tempão.
— Sabe o que sou para seu avô? O que sempre fui?
— O quê?
— Heathcliff. De O morro dos ventos uivantes. Você leu?
Faço que não com a cabeça.
— Heathcliff é um garoto cigano acolhido e criado por uma família impecável, os
Earnshaw. Ele se apaixona pela menina, Catherine. Ela o ama também, mas acha que ele não
serve para ela, devido à sua ascendência. E o resto da família concorda.
— Não é assim que me sinto.
— Não há nada que Heathcliff possa fazer para que os Earnshaw o considerem bom o
bastante. E ele tenta. Ele vai embora, estuda, vira um cavalheiro. Ainda assim, eles o
consideram um animal.
— E?
— Então, já que o livro é uma tragédia, Heathcliff se transforma no que pensam dele, sabe?
Ele se transforma em um homem bruto. O mal que há nele aflora.
— Achei que fosse um romance.
Gat sacode a cabeça.
— Aquelas pessoas são horríveis umas com as outras.
— Está dizendo que meu avô acha que você é Heathcliff?
— Eu tenho certeza disso — diz Gat. — Um bruto sob uma superfície agradável, traindo
sua gentileza de me deixar vir para sua ilha protegida todos os anos. Eu o traí seduzindo sua
Catherine, sua Cadence. E meu castigo é virar o monstro que ele sempre viu em mim.
Fico em silêncio.
Gat fica em silêncio.
Estendo o braço e toco nele. A mera sensação de seu antebraço sob o algodão fino da
camisa me faz ansiar por beijá-lo de novo.
— Sabe o que é horrível? — Gat pergunta, sem olhar para mim. — O que é horrível é que,
no fim das contas, ele está certo.
— Não, não está.
— Está, sim.
— Gat, espere.
Mas ele já entrou no quarto e fechou a porta.
Fico sozinha no corredor escuro.
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