UM GIGANTE EMPUNHA um serrote enferrujado. Ele se sente triunfante e cantarola enquanto
trabalha, fatiando minha testa e chegando à mente que há por baixo.
Tenho menos de quatro semanas para descobrir a verdade.
Meu avô me chama de Mirren.
As gêmeas estão roubando remédio para dormir e brincos de diamante.
Minha mãe discutiu com as tias a respeito da casa de Boston.
Bess odeia Cuddledown.
Carrie perambula pela ilha à noite.
Will tem pesadelos.
Gat é Heathcliff.
Gat acha que eu não o conheço.
E talvez tenha razão.
Tomo comprimidos. Bebo água. O quarto está escuro.
Minha mãe está parada na porta, olhando para mim. Não falo com ela.
Fico na cama durante dois dias. De vez em quando a dor aguda fica menos intensa. Aí, se
estou sozinha, sento e escrevo no amontoado de anotações acima da minha cama. Mais
perguntas do que respostas.
Na manhã em que me sinto melhor, meu avô vem cedo para Windemere. Está usando calça
de linho branca e uma jaqueta esportiva azul. Estou de shorts e camiseta, jogando a bola para
os cães no pátio. Minha mãe já está na nova Clairmont.
— Estou indo para Edgartown — diz meu avô, coçando as orelhas de Bosh. — Quer vir?
Se não se importar com a companhia de um velho.
— Não sei — brinco. — Estou tão ocupada com essa bola de tênis cheia de baba. Pode
levar o dia todo.
— Vou te levar até a livraria, Cady. Comprar presentes como costumava fazer.
— Que tal um doce?
Meu avô riu.
— Claro.
— Minha mãe te convenceu a isso?
— Não. — Ele coça o tufo de cabelo branco. — Mas Bess não quer que eu dirija o barco a
motor sozinho. Ela diz que posso ficar desorientado.
— Também não tenho permissão para dirigir o barco a motor.
— Eu sei — ele diz, segurando as chaves. — Mas Bess e Penny não mandam aqui. Eu
mando.
Decidimos tomar café da manhã na cidade. Queremos tirar o barco do cais de Beechwood
antes que as tias nos vejam.
EDGARTOWN É UMA VILA NÁUTICA ADORÁVEL em Martha’s Vineyard. São vinte minutos até lá. É
cheia de cerquinhas brancas e casas de madeira branca com jardins floridos. As lojas vendem
coisas para turistas, sorvetes, roupas caras, joias antigas. Barcos saem do porto para passeios
com pescaria e vistas deslumbrantes.
Meu avô parece como antes. Não para de gastar dinheiro. Tenta me agradar com café
expresso e croissants de uma pequena padaria com bancos altos junto à vitrine, depois tenta
comprar livros para mim na livraria de Edgartown. Quando recuso o presente, ele sacode a
cabeça diante do meu projeto de doações, mas não dá sermão. Em vez disso, pede minha ajuda
para escolher presentes para os pequenos e um livro sobre arranjo de flores para Ginny, a
empregada. Fazemos um pedido enorme na Murdick’s Fudge: chocolate, chocolate com nozes,
manteiga de amendoim e doce de leite.
Passeando por uma das galerias de arte, encontramos o advogado do meu avô, um sujeito
magro e grisalho chamado Richard Thatcher.
— Então esta é Cadence, a primeira — diz Thatcher, apertando minha mão. — Ouvi falar
muito a seu respeito.
— Ele cuida dos meus bens — diz meu avô, explicando quem é o homem.
— Primeira neta — diz Thatcher. — Nada se compara a esse sentimento.
— Ela tem a cabeça no lugar também — diz meu avô. — Sangue dos Sinclair dos pés à
cabeça.
Ele sempre fez essa coisa de falar frases de efeito. “Nunca reclame, nunca explique.” “Não
aceite não como resposta.” Mas é irritante quando ele usa para falar de mim. A cabeça no
lugar? A porra da minha cabeça está ferrada de inúmeras formas clinicamente diagnosticadas,
e metade de mim vem do lado infiel dos Eastman. Não vou para a faculdade ano que vem;
desisti de todos os esportes que costumava praticar e dos clubes de que fazia parte; estou
chapada de oxicodona na metade do tempo e não sou legal nem com meus primos pequenos.
Ainda assim, o rosto do meu avô fica radiante ao falar de mim, e pelo menos hoje ele sabe
que não sou Mirren.
— Ela se parece com você — diz Thatcher.
— Não parece? Só que ela é bonita.
— Obrigada — eu digo. — Mas se quiser que eu fique realmente parecida com ele, terei
que colocar uns tufos pra cima no cabelo.
Isso faz meu avô rir.
— É do barco — ele diz a Thatcher. — Não trouxe chapéu.
— Na verdade é sempre assim — digo a Thatcher.
— Eu sei — ele afirma.
Os homens se cumprimentam com um aperto de mão e meu avô me dá o braço ao sairmos da
galeria.
— Ele está cuidando muito bem de você — meu avô me diz.
— O sr. Thatcher?
Ele confirma.
— Mas não conte para sua mãe. Ela vai criar confusão de novo
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