A CAMINHO DE CASA, uma lembrança surge.
Verão dos quinze, uma manhã do início de julho. Meu avô preparava um expresso na
cozinha de Clairmont. Eu comia pão torrado com geleia à mesa. Estávamos só nós dois.
— Adoro aquele ganso — eu disse, apontando. Havia uma estátua de ganso cor de creme no
aparador.
— Está lá desde que você, Johnny e Mirren tinham três anos — disse meu avô. — Foi o ano
em que Tipper e eu fizemos aquela viagem para a China. — Ele riu. — Ela comprou muitos
objetos de arte lá. Tínhamos uma guia de turismo, uma especialista em arte. — Ele foi até a
torradeira e pegou o pedaço de pão que eu estava preparando para mim.
— Ei! — protestei.
— Shhh, eu sou o avô. Posso pegar a torrada quando quiser. — Ele sentou com o expresso e
passou manteiga no pão. — Essa garota, especialista em arte, nos levou a lojas de
antiguidades e nos ajudou a circular pelas casas de leilão — ele disse. — Ela falava quatro
línguas. Não dava para imaginar ao olhar para ela. Uma chinesinha tão magrinha.
— Não diga chinesinha! Céus!
Ele me ignorou.
— Tipper comprou joias e queria comprar esculturas de animais para as casas daqui.
— Isso inclui o sapo de Cuddledown?
— Claro, o sapo de marfim — disse meu avô. — E sei que compramos dois elefantes.
— Esses estão em Windemere.
— E macacos em Red Gate. São quatro macacos.
— Marfim não é ilegal? — perguntei.
— Ah, em alguns lugares. Mas dá para conseguir. Sua avó amava marfim. Ela viajou para a
China quando era criança.
— É presa de elefante?
— Ou de rinoceronte.
Lá estava ele, meu avô. Com o cabelo branco ainda espesso, as linhas de expressão
profundas devido a todos aqueles dias velejando. O queixo quadrado como o de um artista de
cinema de antigamente.
Pode ficar com ela, ele disse sobre a estátua de marfim.
Um de seus lemas: não aceite não como resposta.
Sempre me pareceu um jeito ousado de viver. Ele dizia isso quando nos aconselhava a ir
atrás de nossas ambições. Quando encorajava Johnny a treinar para uma maratona, ou quando
eu não consegui ganhar o prêmio de leitura no sétimo ano. Era algo que ele dizia quando
falava sobre suas estratégias de negócios e sobre como convencera minha avó a se casar com
ele. “Pedi quatro vezes até ela dizer sim”, ele sempre dizia, recontando uma de suas lendas
favoritas da família Sinclair. “Eu a venci pelo cansaço. Ela disse sim para me fazer ficar
quieto.”
Agora, à mesa do café da manhã, observando-o comer meu pão torrado, “Não aceite não
como resposta” parecia a atitude de um sujeito privilegiado que não se importava com quem
fosse se ferir, contanto que sua esposa tivesse as lindas estátuas que queria exibir em suas
casas de veraneio.
Fui até lá e peguei o ganso.
— As pessoas não deviam comprar marfim — eu disse. — É ilegal por um motivo. Gat
estava lendo outro dia sobre…
— Não me diga o que aquele menino está lendo — retrucou meu avô. — Sou muito bem
informado. Recebo todos os jornais.
— Desculpe. Mas ele me fez parar para pensar sobre…
— Cadence.
— Você podia leiloar as estátuas e depois doar o dinheiro para alguma instituição de
proteção à vida selvagem.
— Aí eu ficaria sem as estátuas. Tipper tinha muito apreço por elas.
— Mas…
Meu avô gritou:
— Não me diga o que fazer com meu dinheiro, Cady. Ele não é seu.
— Está bem.
— Não é você quem diz que destino dar ao que é meu, está claro?
— Está.
— Nunca.
— Sim, vovô.
Senti o ímpeto de pegar aquele ganso e arremessá-lo para o outro lado da sala.
Ele quebraria quando atingisse a lareira? Ele estilhaçaria?
Fechei as mãos em punho.
Era a primeira vez que falávamos sobre vovó Tipper desde sua morte.
MEU AVÔ ENCOSTA o barco no cais e o amarra.
— Ainda sente falta da vovó? — pergunto a ele conforme nos aproximamos da nova
Clairmont. — Porque eu sinto. Nunca falamos sobre ela.
— Uma parte de mim morreu — ele diz. — E era a melhor parte.
— Acha mesmo? — pergunto.
— É tudo o que tenho a dizer sobre isso — afirma meu avô.
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