NO DIA SEGUINTE, Mirren e eu pegamos o barco a motor pequeno e vamos para Edgartown sem
permissão.
Os meninos não querem ir. Eles vão andar de caiaque.
Eu dirijo e Mirren coloca a mão na água.
Ela não está usando muita roupa: a parte de cima de um biquíni com estampa de margaridas
e uma minissaia de sarja. Caminha pelas calçadas de pedra de Edgartown falando sobre Drake
Loggerhead e como é ter “relações sexuais” com ele. Ela sempre usa essas palavras; as
respostas sobre o que sentiu têm a ver com o perfume das rosas japonesas misturado com
montanhas-russas e fogos de artifício.
Mirren também fala sobre quais roupas quer comprar para o primeiro ano em Pomona e
filmes que quer ver e projetos que quer fazer durante o verão, como encontrar um lugar em
Vineyard para andar a cavalo e voltar a fazer sorvete. Ela não para de tagarelar durante meia
hora.
Eu gostaria de ter a vida dela. Um namorado, planos, faculdade na Califórnia. Mirren vai
disparar em direção a seu futuro ensolarado enquanto eu vou voltar às aulas na Dickinson
Academy, em mais um ano de neve e asfixia.
Compro um saquinho de doce na Murdick’s, mesmo sabendo que sobrou um pouco de
ontem. Nos sentamos em um banco na sombra, e Mirren continua falando.
Outra lembrança surge.
VERÃO DOS QUINZE, Mirren sentada ao lado de Taft e Will nos degraus de nossa lanchonete de
frutos do mar preferida em Edgartown. Os meninos têm cata-ventos coloridos de plástico.
Estamos esperando Bess, porque ela está com os sapatos de Mirren. Não podemos entrar sem
eles.
Os pés de Mirren estavam sujos, as unhas pintadas de azul.
Estávamos esperando já havia um tempo quando Gat saiu da loja no fim do quarteirão. Ele
levava uma pilha de livros debaixo do braço. Correu na nossa direção a toda velocidade,
como se estivesse com muita pressa para nos alcançar, mesmo nós estando ali sentadas.
Então parou de repente. O primeiro livro era O ser e o nada de Sartre. Ele ainda tinha as
palavras escritas no dorso das mãos. Uma indicação do meu avô.
Gat se curvou como um tolo, um palhaço, e me presenteou com o livro que estava no fim da
pilha. Era um romance de Jaclyn Moriarty. Eu estava lendo aquela autora durante todo o
verão.
Abri o livro na folha de rosto. Havia uma dedicatória. Para Cady, com tudo, tudo. Gat.
— EU ME LEMBRO de ficarmos esperando seus sapatos para poder entrar na lanchonete de frutos
do mar — digo a Mirren. Ela tinha parado de falar e olhava para mim com expectativa. —
Cata-ventos — digo. — Gat me dando um livro.
— Então suas lembranças estão voltando — Mirren diz. — Isso é ótimo!
— As tias brigaram pela herança.
Ela dá de ombros.
— Um pouco.
— E o vovô e eu, nós tivemos uma discussão sobre estátuas de marfim.
— É. Conversamos sobre isso na época.
— Me diga uma coisa.
— O quê?
— Por que Gat desapareceu depois do acidente?
Mirren torce uma mecha de cabelo.
— Não sei.
— Ele voltou com Raquel?
— Não sei.
— Nós brigamos? Eu fiz alguma coisa errada?
— Eu não sei, Cady.
— Ele ficou chateado comigo outro dia. Por eu não saber o nome dos empregados. Por
nunca ter visto o apartamento dele em Nova York.
Faz-se um silêncio.
— Ele tem bons motivos para ficar zangado — diz Mirren, finalmente.
— O que eu fiz?
Mirren suspira.
— Não tem como você consertar.
— Por que não?
De repente Mirren começa a engasgar. A ter ânsia de vômito. Dobra o corpo para a frente,
suando, pálida.
— Você está bem?
— Não.
— Posso ajudar?
Ela não responde.
Eu lhe ofereço uma garrafa de água. Ela pega. Bebe devagar.
— Fiz muito esforço. Preciso voltar a Cuddledown. Agora.
Seus olhos estão opacos. Eu estendo a mão. Sua pele continua molhada de suor e ela parece
não conseguir se equilibrar direito. Andamos em silêncio até o porto, onde o pequeno barco a
motor está atracado.
MINHA MÃE NUNCA NOTOU que o barco havia desaparecido, mas ela vê o saco de doces quando
o entrego a Taft e Will.
Mais uma vez, blá-blá-blá. O sermão não é interessante.
Não posso sair da ilha sem permissão dela.
Não posso sair da ilha sem supervisão de um adulto.
Não posso operar um veículo motorizado enquanto estiver tomando remédio.
Não posso ser tão idiota quanto minhas ações, posso?
Peço as desculpas que minha mãe quer ouvir. Depois corro para Windemere e escrevo tudo
o que lembro — a lanchonete de frutos do mar, o cata-vento, os pés sujos de Mirren sobre os
degraus de madeira, o livro que Gat me deu — no papel quadriculado sobre minha cama.
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