terça-feira, 28 de abril de 2015

66



UMA NOITE, no verão dos quinze, Gat jogou pedrinhas na janela do meu quarto. Coloquei a
cabeça para fora e o encontrei parado entre as árvores, o luar refletindo em sua pele, os olhos
brilhantes.
Ele estava esperando por mim no último degrau da varanda.
— Estou com desejo de chocolate — ele sussurrou. — Vou invadir a despensa de
Clairmont. Quer vir?
Fiz que sim e andamos juntos pelo caminho estreito, dedos entrelaçados. Demos a volta
pela entrada lateral de Clairmont, que levava a um quartinho repleto de raquetes de tênis e
toalhas de praia. Com uma mão na porta de tela, Gat se virou e me puxou para mais perto.
Seus lábios quentes estavam junto aos meus,
nossas mãos ainda estavam dadas,
lá, na porta da casa.
Por um instante, nós dois estávamos sozinhos no planeta,
com toda a vastidão do céu e o futuro e o passado se espalhando à nossa volta.
Pisando na ponta dos pés, entramos no quartinho e depois na grande despensa que se abria
para a cozinha. O cômodo era antigo, com pesadas gavetas de madeira e prateleiras para
acomodar vidros de geleia e picles na época em que a casa foi construída. Agora armazenava
biscoitos, caixas de vinho, batatinhas, legumes, água com gás. Deixamos as luzes apagadas,
caso alguém entrasse na cozinha, mas sabíamos que apenas meu avô estava dormindo em
Clairmont. Ele não ouviria nada. Usava aparelho auditivo durante o dia.
Estávamos explorando quando ouvimos vozes. Eram as tias entrando na cozinha, com vozes
arrastadas e tom histérico.
— É por isso que as pessoas se matam — disse Bess com amargura. — Eu devia sair daqui
antes de fazer algo de que me arrependa.
— Você não está falando sério — disse Carrie.
— Não me diga o que pensar! — gritou Bess. — Você tem Ed. Não precisa de dinheiro
como eu.
— Você já colocou as garras na casa de Boston — disse minha mãe. — Deixe a ilha em
paz.
— Quem organizou o funeral da mamãe? — retrucou Bess. — Quem ficou ao lado do papai
durante semanas? Quem providenciou a papelada, falou com todos os que compareceram,
escreveu os bilhetes de agradecimento?
— Você mora perto dele — disse minha mãe. — Estava bem ali.
— Eu estava cuidando de uma casa com quatro crianças e tentando manter um emprego —
disse Bess. — Vocês não estavam fazendo nada.
— Um emprego de meio período — disse minha mãe. — E, se eu ouvir você falar quatro
crianças de novo, vou gritar.
— Eu também estava cuidando de uma casa — disse Carrie.
— Qualquer uma das duas podia ter ido passar uma semana ou duas com ele. Deixaram tudo
nas minhas costas — disse Bess. — Tive que lidar com papai o ano todo. Eu que corro para lá
quando ele precisa de ajuda. Eu que lido com sua caduquice e seu luto.
— Não fale assim — disse Carrie. — Você não sabe quantas vezes ele me liga. Não sabe o
que preciso engolir pra ser uma boa filha.
— Então é claro que quero aquela casa — continuou Bess, como se ela não tivesse
escutado. — Eu fiz por merecer. Quem levava a mamãe ao médico? Quem ficou ao lado da
cama dela?
— Não é justo — disse minha mãe. — Você sabe que fui até lá. Carrie foi também.
— Visitar — rebateu Bess.
— Você não precisava fazer tudo aquilo — disse minha mãe. — Ninguém pediu.
— Não tinha mais ninguém lá. Vocês me deixaram fazer, e nunca agradeceram. Estamos
apinhados em Cuddledown, que é a casa com a pior cozinha. Vocês nunca vão lá. Ficariam
surpresas com a situação em que está. Não tem quase valor nenhum. Mamãe arrumou a cozinha
de Windemere antes de morrer, e os banheiros de Red Gate, mas Cuddledown está como
sempre foi. E aqui estão vocês duas, me negando uma compensação por tudo o que fiz e
continuo fazendo.
— Você concordou com os projetos de Cuddledown — Carrie a censurou. — Queria a
vista. Tem a única casa de frente para a praia, Bess. E tem toda a aprovação e a devoção do
papai. Achei que bastasse. Só Deus sabe como é algo impossível para nós duas.
— Você prefere não ter — disse Bess. — Escolheu Ed; prefere viver com ele. Prefere
trazer Gat aqui todos os verões, quando sabe que ele não é um de nós. Sabe como papai pensa,
e não só continua com Ed como também traz o sobrinho dele para cá e fica desfilando como
uma garotinha rebelde com um brinquedo proibido. Seus olhos estiveram bem abertos o tempo
todo.
— Pare de falar do Ed! — gritou Carrie. — Cala essa boca, cala a boca.
Ouvimos um tapa. Carrie bateu na boca de Bess.
Bess saiu, batendo a porta.
Minha mãe saiu também.
Gat e eu ficamos sentados no chão da despensa, de mãos dadas. Tentando não respirar,
tentando não nos mover enquanto Carrie colocava os copos na lava-louças
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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