ficavam no galpão para usar nos barcos. Havia jornais e papelão no quartinho. Faríamos
pilhas de lixo reciclável e as encharcaríamos de gasolina. Encharcaríamos o piso de madeira
também. Tomaríamos distância. Colocaríamos fogo em um rolo de papel-toalha e o
arremessaríamos. Fácil.
Incendiaríamos todos os pisos, todos os cômodos, se possível, para garantir que Clairmont
queimasse completamente. Gat no porão, eu no térreo, Johnny no segundo andar e Mirren no
último.
— Os bombeiros chegaram tarde demais — diz Mirren.
— Duas equipes de bombeiros — diz Johnny. — A de Woods Hole e a de Martha’s
Vineyard.
— Estávamos contando com isso — digo, lembrando.
— Planejamos ligar para pedir ajuda — diz Johnny. — Naturalmente alguém tinha que ligar
ou ficaria parecendo um incêndio criminoso. Diríamos que estávamos em Cuddledown,
assistindo a um filme, e você sabe como as árvores cercam tudo. Não dá para ver as outras
casas a não ser do telhado. Então faria sentido demorar para ligar.
— Aquelas equipes de bombeiros são formadas praticamente por voluntários — diz Gat. —
Ninguém tinha a mínima ideia do que fazer. Velhas casas de madeira. Material inflamável.
— Se as tias e vovô suspeitassem de nós, nunca nos acusariam — acrescenta Johnny. — Era
fácil contar com isso.
É claro que não acusariam.
Ninguém aqui é criminoso.
Ninguém é viciado.
Ninguém é fracassado.
Senti um tremor ao pensar no que fizemos.
Meu nome completo é Cadence Sinclair Eastman e, ao contrário da bela família em que
cresci, sou uma incendiária.
Uma visionária, uma heroína, uma rebelde.
O tipo de pessoa que muda a história.
Uma criminosa.
Mas, se sou uma criminosa, sou então uma viciada? Sou então uma fracassada?
Minha mente está brincando com as palavras como sempre faz.
— Nós fizemos isso acontecer — eu digo.
— Depende do que você acha que isso é — diz Mirren.
— Nós salvamos a família. Eles começaram de novo.
— Tia Carrie fica perambulando pela ilha à noite — diz Mirren. — Minha mãe fica
esfregando pias limpas até ficar com as mãos em carne viva. Penny fica observando você
dormindo e anota tudo o que você come. Elas bebem pra caramba. Estão se embebedando até
as lágrimas escorrerem pelo rosto.
— Quando vocês foram até a nova Clairmont para ver isso? — pergunto.
— Eu subo lá de vez em quando — diz Mirren. — Você acha que resolvemos tudo, Cady,
mas acho que foi…
— Estamos aqui — eu insisto. — Sem aquele incêndio, não estaríamos aqui. É isso que
estou dizendo.
— Está bem.
— Vovô tinha tanto poder — digo. — E agora não tem mais. Mudamos um mal que víamos
no mundo.
Entendo muitas coisas que não estavam claras antes. Meu chá está quente, os Mentirosos
são lindos, Cuddledown é linda. Não importa se as paredes estão manchadas. Não importa se
tenho dores de cabeça, nem que Mirren esteja doente. Não importa se Will tem pesadelos e
Gat se odeia. Cometemos o crime perfeito.
— Vovô só não tem poder porque está caduco — diz Mirren. — Ele ainda torturaria todo
mundo se pudesse.
— Discordo — diz Gat. — A nova Clairmont parece um castigo para mim.
— O quê? — ela pergunta.
— Uma forma de se punir. Ele construiu uma casa que não é um lar. É propositalmente
desconfortável.
— Por que faria isso? — pergunto.
— Por que você doou todas as suas coisas? — Gat pergunta.
Ele está olhando fixamente para mim. Todos estão olhando fixamente para mim.
— Para ser caridosa — respondo. — Fazer algum bem para o mundo.
Faz-se um silêncio estranho.
— Odeio acumular coisas — digo.
Ninguém ri. Não sei como acabei virando objeto dessa conversa.
Nenhum dos Mentirosos fala nada por um bom tempo. Então Johnny diz:
— Não pressione, Gat.
E Gat diz:
— Fico feliz que tenha se lembrado do incêndio, Cadence.
E eu digo:
— É, bem, de uma parte dele.
E Mirren diz que não está se sentindo bem e volta para a cama.
Os meninos e eu ficamos deitados no chão da cozinha, olhando para o teto, por mais um
tempo, até que me dou conta, um pouco constrangida, de que os dois pegaram no sono.
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