ENCONTRO MINHA MÃE NA VARANDA de Windemere com os cachorros. Ela está fazendo um
cachecol azul-claro de lã.
— Você está sempre em Cuddledown — minha mãe reclama. — Não é bom ficar lá
embaixo o tempo todo. Carrie passou lá ontem, procurando alguma coisa, e disse que está uma
imundície. O que aconteceu?
— Nada. Desculpe pela bagunça.
— Se estiver realmente sujo, não podemos pedir para Ginny limpar. Você sabe disso, não
é? Não é justo com ela. E Bess vai ter um ataque se vir.
Não quero ninguém indo a Cuddledown. Quero a casa só para nós.
— Não se preocupe. — Eu sento e acaricio a doce cabeça amarela de Bosh. — Ei, mãe?
— O que foi?
— Por que você pediu para ninguém da família me contar do incêndio?
Ela solta o novelo e fica olhando para mim por um bom tempo.
— Você se lembra do incêndio?
— Ontem à noite eu me lembrei de repente. Não me lembro de tudo, mas, sim. Lembro que
o incêndio aconteceu. Lembro que vocês todos brigaram. E todo mundo foi embora da ilha. Eu
lembro que fiquei aqui com Gat, Mirren e Johnny.
— Você se lembra de mais alguma coisa?
— Lembro como o céu ficou. Com as chamas. O cheiro da fumaça.
Se minha mãe acha que tenho alguma culpa, ela nunca, nunca, vai me perguntar. Sei que não.
Ela não quer saber.
Mudei o curso da vida dela. Mudei o destino da família. Os Mentirosos e eu.
Foi uma coisa horrível de se fazer. Talvez. Mas foi alguma coisa. Não fiquei apenas
sentada, reclamando. Sou uma pessoa muito mais poderosa do que minha mãe jamais saberá.
Eu a desobedeci e a ajudei ao mesmo tempo.
Minha mãe acaricia meu cabelo. Tão melosa. Eu recuo.
— Só isso? — ela pergunta.
— Por que ninguém fala comigo sobre isso? — repito.
— Por causa da… por causa… — Minha mãe faz uma pausa, procurando palavras. — Por
causa da sua dor.
— Porque tenho dores de cabeça, porque não consigo me lembrar do acidente, não posso
lidar com a ideia de Clairmont ter pegado fogo?
— Os médicos nos pediram para não acrescentar estresse na sua vida — ela diz. —
Disseram que o fogo pode ter desencadeado as dores de cabeça, pela inalação de fumaça ou…
medo. — Ela termina de uma maneira ridícula.
— Não sou criança — digo. — Sou capaz de lidar com informações básicas sobre nossa
família. Durante todo o verão eu venho me esforçando para me lembrar do acidente e do que
aconteceu antes. Por que não podem me contar, mãe?
— Eu contei. Há dois anos. Contei várias vezes, mas você nunca lembrava no dia seguinte.
Quando falei com o médico, ele disse que não devia ficar te chateando desse jeito, não devia
ficar te pressionando.
— Você mora comigo! — eu grito. — Não tem nenhuma fé de que seu próprio julgamento
seja superior ao de um médico qualquer que mal me conhece?
— Ele é um especialista.
— O que faz você pensar que quero que toda a minha família guarde segredos de mim, até
mesmo as gêmeas, até mesmo Will e Taft, minha nossa, em vez de saber o que aconteceu? O
que faz você pensar que sou tão frágil a ponto de não poder saber de simples fatos?
— Você parece frágil para mim — diz minha mãe. — E, para ser sincera, não tenho certeza
de que poderia lidar com isso.
— Não tem ideia do quanto isso é ofensivo.
— Eu te amo — ela diz.
Não consigo mais olhar para sua cara de pena e de dona da razão
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