terça-feira, 28 de abril de 2015

84



COMO SEMPRE, não vejo ninguém em Cuddledown até meus pés começarem a fazer barulho nos
degraus. Então Johnny aparece na porta, pisando com cuidado sobre o vidro quebrado.
Quando vê minha cara, ele para.
— Você lembrou — ele diz.
Confirmo com a cabeça.
— Você lembrou tudo?
— Não sabia se vocês ainda estariam aqui — digo.
Ele estende o braço para segurar minha mão. Parece quente e substancial, embora esteja
pálido, desbotado, com bolsas sob os olhos. E jovem.
Ele só tem quinze anos.
— Não podemos ficar por muito mais tempo — Johnny diz. — Está ficando cada vez mais
difícil.
Faço um gesto positivo com a cabeça.
— Mirren é quem está pior, mas Gat e eu estamos sentindo também.
— Para onde vocês vão?
— Quando formos embora?
— Ahã.
— Para o mesmo lugar que vamos quando não estamos aqui. O mesmo lugar em que
estávamos. É como… — Johnny para, coça a cabeça. — É como um descanso. É como um
nada, de certo modo. E, sinceramente, Cady, eu te amo, mas estou cansado pra caralho. Só
quero me deitar e acabar com isso. Tudo aconteceu muito tempo atrás, pra mim.
Olho para ele.
— Sinto muito, muito, meu querido Johnny — digo, sentindo as lágrimas bem no fundo dos
olhos.
— Não foi culpa sua — diz Johnny. — Quer dizer… nós todos fizemos aquilo, todos
enlouquecemos, temos que assumir a responsabilidade. Você não devia carregar todo o peso
— ele diz. — Fique triste, sinta pesar, mas não carregue isso nos ombros.
Entramos na casa e Mirren sai do quarto. Eu me dou conta de que ela provavelmente não
estava ali até pouco antes de eu passar pela porta. Ela me abraça. Seu cabelo cor de mel está
turvo e os cantos da boca parecem secos e rachados.
— Desculpe não ter feito melhor, Cady — ela diz. — Eu tive uma chance de estar aqui e,
sei lá, eu adiei as coisas, contei tantas mentiras.
— Está tudo bem.
— Quero ser uma pessoa tolerante, mas ainda sobrou tanta raiva. Imaginei que seria
piedosa e sábia, mas acabei com inveja de você, zangada com o resto da família. Estraguei
tudo e agora já foi — ela diz, enterrando o rosto em meu ombro.
Coloco meus braços em volta dela.
— Você foi você mesma, Mirren — digo. — Não quero nada além disso.
— Preciso ir agora — ela diz. — Não posso mais ficar aqui. Vou descer para o mar.
Não. Por favor.
Não vá. Não vá embora, Mirren, Mirren.
Preciso de você.
É o que quero dizer, gritar. Mas não faço isso.
E parte de mim quer sangrar pelo chão da sala ou derreter e virar uma poça de tristeza.
Mas também não faço isso. Não reclamo nem peço que tenham pena.
Em vez disso, choro. Choro e aperto Mirren e beijo seu rosto quente e tento memorizar sua
fisionomia.
Damos as mãos e nós três caminhamos até a praia pequena.
Gat está lá, esperando por nós. Seu perfil contrasta com o céu iluminado. Eu o verei para
sempre desse jeito. Ele se vira e sorri para mim. Corre e me levanta, balançando-me como se
houvesse algo para celebrar. Como se fôssemos um casal feliz e apaixonado na praia.
Não estou mais soluçando, mas lágrimas escorrem pelos meus olhos sem cessar. Johnny tira
a camisa e me entrega.
— Limpe sua cara melequenta — ele diz com delicadeza.
Mirren tira o vestido de verão e fica ali parada, de biquíni.
— Não acredito que você vestiu um biquíni para isso — diz Gat, ainda me abraçando.
— Louca — acrescenta Johnny.
— Eu amo esse biquíni — diz Mirren. — Comprei em Edgartown no verão dos quinze.
Lembra, Cady?
E eu descubro que lembro.
Estávamos extremamente entediadas; os pequenos haviam alugado bicicletas para participar
de um passeio em Oak Bluffs e não tínhamos ideia de quando voltariam. Precisávamos esperar
para levá-los de volta de barco. Então, sei lá, compramos doces, ficamos olhando o vento
agitar as birutas, e finalmente entramos em uma loja para turistas e experimentamos os
biquínis mais cafonas que encontramos.
— Está escrito “Vineyard é para os amantes” na bunda — digo a Johnny.
Mirren se vira e mostra.
— Um último momento de glória e tudo mais — ela diz com um quê de amargura.
Mirren se aproxima, dá um beijo no meu rosto e diz:
— Seja um pouco mais gentil do que precisa ser, Cady, e tudo vai ficar bem.
— E nunca coma nada maior do que sua bunda! — grita Johnny. Ele me dá um abraço
rápido e chuta os sapatos para longe. Os dois caminham na direção do mar.
Eu me viro para Gat.
— Você também vai?
Ele faz que sim com a cabeça.
— Sinto muito, Gat — eu digo. — Sinto tanto, tanto, e nunca serei capaz de compensar
você.
Ele me beija, posso sentir seu corpo tremendo e o envolvo com os braços como se eu fosse
capaz de impedir que desapareça, como se eu pudesse fazer esse momento durar, mas sua pele
está fria e molhada de lágrimas e eu sei que ele está partindo.
É bom ser amada, mesmo que não dure.
Era uma vez Gat e eu, e é bom saber disso.
Então ele vai embora, e eu não consigo suportar ficar longe dele, e penso que esse não pode
ser o fim. Não pode ser verdade que nunca mais ficaremos juntos, não quando nosso amor é
tão real. A história devia ter um final feliz.
Mas não.
Ele está me deixando.
Ele já está morto, é claro.
A história terminou há muito tempo.
Gat corre para o mar sem olhar para trás, mergulhando, de roupa e tudo, passando por baixo
das pequenas ondas.
Os Mentirosos saem nadando, passam pela borda da enseada e entram em mar aberto. O sol
está a pino e reflete sobre a água, tão brilhante, tão brilhante. E então eles afundam…
ou algo assim…
ou algo assim…
e desaparecem.
Eu fico, lá, na parte sul da ilha Beechwood. Estou na praia pequena, sozinha.
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Bem Vindos ao Livro teen


Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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