sexta-feira, 12 de junho de 2015

Capítulo 11


Parecia que Ben tinha se recuperado pouco desde que Thomas o vira na Sede. Não usava
outra coisa a não ser um calção, a pele para lá de branca esticada sobre os ossos como um
lençol envolvendo um punhado de varetas. As veias, parecidas com cordas, corriam pelo seu
corpo, verdes, pulsando, mas menos pronunciadas que no dia anterior. Os olhos injetados de
sangue fitavam Thomas como se estivessem olhando para a sua próxima refeição.
Ben agachou-se, decidido a partir para um novo ataque. A certa altura mostrou uma faca,
que segurava com força na mão direita. Thomas estava tomado de um medo nauseante, sem
acreditar que aquilo estivesse mesmo acontecendo.
- Ben !
Thomas olhou na direção da voz, surpreso em ver Alby em pé à entrada do cemitério, um
mero fantasma na semi-escuridão. O seu alívio foi imediato - Alby segurava um grande arco,
uma flecha pronta para ser disparada, apontada para Ben.
- Ben - repetiu Alby. - Pare agora mesmo, ou não vai ver o dia de amanhã.
Thomas olhou de volta para Ben, que espreitava Alby maliciosamente, a língua se
projetando entre os lábios para umedecê-los. "O que poderia haver de errado com esse
garoto?", pensou Thomas. Ele se transformara em um monstro. Por quê?
- Se me matar - guinchou Ben, projetando gotas de saliva venenosa pela boca, longe
demais para atingir o rosto de Thomas -, vai acabar com o garoto errado. - Ele dardejou o
olhar na direção de Thomas. - Esse é o trolho que você quer matar. - A voz soava
desequilibrada.
- Não seja imbecil, Ben - disse Alby, a voz calma enquanto continuava a apontar a flecha.
- Thomas mal acabou de chegar aqui... Não há nada com que se preocupar. Você ainda está
sentindo os efeitos da Transformação. Nunca deveria ter deixado a sua cama.
- Ele não é um de nós! - gritou Ben. - Eu o vi... ele... ele é mau. Precisamos matá-lo!
Deixe-me arrancar as tripas dele!
Sem querer, Thomas deu um passo para trás, horrorizado com o que Ben dissera. O que
estava querendo dizer, que o vira? Por que pensava que fosse mau?
Alby não movera a sua arma nem um centímetro, ainda apontando para Ben.
- Deixe isso comigo e com os Encarregados, nós resolvemos, cara de mértila. - Tinha as
mãos perfeitamente seguras enquanto manejava o arco, quase como se o tivesse apoiado sobre
um ramo de árvore. - Dê meia-volta agora mesmo com o seu traseiro esquelético e vá para a
Sede.
- Ele vai querer nos levar para casa - disse Ben. - Ele vai querer que deixemos o
Labirinto. Melhor seria todos saltarmos do Penhasco! Melhor se nós arrancássemos as tripas
de todos!
- Do que você está falando? - começou Thomas.
- Cale a boca! - gritou Ben. - Cale essa boca horrível de traidor!
- Ben - disse Alby calmamente. - Vou contar até três.
- Ele é mau, ele é mau, ele é mau... - agora Ben sussurrava, quase cantando. Oscilava para
frente e para trás, passando a faca de uma das mãos para a outra, os olhos grudados em
Thomas.
- Um.
- Mau, mau, mau, mau, mau... - Ben sorriu; seus dentes pareceram brilhar, esverdeados à
pouca luz.
Thomas quis desviar o olhar, sair dali. Mas não conseguia se mover; também estava
hipnotizado, assustado demais.
- Dois. - A voz de Alby soou mais alta, num tom de advertência.
- Ben - disse Thomas, tentando dar um sentido a tudo aquilo. - Não sou... nem mesmo sei o
que...
Ben gritou, um gorgolejo estrangulado de loucura, e saltou no ar, desferindo um golpe
rasante com a lâmina.
- Três! - Alby gritou.
Ouviu-se um estalido seco. O ruído instantâneo de um objeto cortando o ar. Seguido de um
som oco do encontro no alvo. A cabeça de Ben pendeu violentamente para a esquerda, girando
o corpo até que ele caiu sobre a barriga, os pés apontados na direção de Thomas. Ele não deu
nem um gemido.
Cambaleante, Thomas aproximou-se dele. A haste comprida da flecha projetava-se da
bochecha de Ben, o sangue escasso, menos do que Thomas esperava, mas vazando do mesmo
jeito. Preto na escuridão, como petróleo. O único movimento era do dedo mínimo da mão
direita de Ben, que se repuxava. Thomas lutou contra a ânsia de vômito. Ben teria sido morto
por causa dele? Era culpa dele?
- Vamos - disse Alby. - Os Embaladores cuidarão dele amanhã.
"O que aconteceu aqui?", pensou Thomas, o mundo girando ao redor dele enquanto olhava
para o corpo sem vida. "O que foi que fiz para esse garoto?"
Levantou os olhos, querendo respostas, mas Alby já tinha ido, um galho agitado conto o
único indício de que estivera ali.
Quando saiu da floresta, Thomas comprimiu os olhos em reação à luz cegante do sol.
Estava mancando, o tornozelo latejava de dor, embora não se lembrasse de tê-lo machucado.
Mantinha uma das mãos cuidadosamente sobre a região onde tinha sido mordido; a outra
segurava o estômago, como se pudesse impedir o que agora sentia como um vômito inevitável.
A imagem da cabeça de Ben saltava na sua mente, caída, projetada em um ângulo bizarro, o
sangue escorrendo pela haste da flecha até se acumular, pingar e se espalhar pelo chão...
A imagem da cena foi a gota-d'água.
Ele caiu de joelhos embaixo de uma das árvores desgrenhadas nos limites da floresta e
pôs tudo para fora, fazendo um esforço para vomitar enquanto tossia e expelia os últimos
vestígios da bile ácida e desagradável do estômago. Seu corpo todo sacudia e parecia que o
vômito não acabaria nunca. E então, conto se o seu cérebro estivesse caçoando dele, tentando
deixá-lo pior, ocorreu-lhe um pensamento.
Já estava na Clareira havia vinte e quatro horas. Um dia inteiro. Era isso. E vira todas as
coisas que tinham acontecido. Todas as coisas terríveis.
Com certeza só podia melhorar.
Naquela noite, Thomas deitou-se olhando para o céu cintilante, imaginando se conseguiria
dormir de novo. Toda vez que fechava os olhos, a imagem monstruosa de Ben saltava sobre
ele, o rosto do garoto tonado pela demência, invadindo a sua mente. De olhos abertos ou não,
ele poderia jurar que continuava ouvindo o golpe amortecido da flecha atingindo o rosto de
Ben.
Thomas sabia que nunca se esqueceria daqueles minutos terríveis no cemitério.
- Diga alguma coisa - falou Chuck pela quinta vez desde que haviam estendido os sacos de
dormir.
- Não - respondeu Thomas, exatamente como fizera antes.
- Todo mundo sabe o que aconteceu. Aconteceu uma ou duas vezes... Algum trolho picado
por um Verdugo escapa e ataca alguém. Não pense que você é especial.
Pela primeira vez, Thomas pensou que a personalidade de Chuck passara de um pouco
irritante para intolerável.
- Chuck, agradeça por eu não estar com o arco do Alby agora.
- Só estou sendo...
- Cale a boca, Chuck. Vá dormir. - Thomas simplesmente não conseguia lidar com a
situação no momento.
Por fim, o seu "colega" adormeceu, e, a julgar pelos sonoros roncos por toda a Clareira,
todo mundo fizera o mesmo. Horas mais tarde, no meio da noite, Thomas ainda era o único
acordado. Queria chorar, mas não o fez. Queria encontrar Alby e esmurrá-lo, sem nenhuma
razão aparente, mas não o fez. Queria gritar e chutar e cuspir e abrir a Caixa e saltar na
escuridão lá de dentro. Mas não fez nada disso. Fechou os olhos e forçou os pensamentos e as
imagens sombrias a saírem, e, a certa altura, caiu no sono.
De manhã cedo, Chuck precisou arrastar Thomas para fora do saco de dormir, arrastá-lo
até os chuveiros e arrastá-lo até os vestiários. O tempo todo, Thomas sentia-se mole e
indiferente, a cabeça doendo, o corpo querendo dormir mais. Tomou o café da manhã num
torpor, e uma hora depois não conseguia se lembrar do que comera. Estava muito cansado, era
como se alguém tivesse entrado no seu cérebro e o grampeado no crânio em uma dezena de
lugares. A azia queimava o seu peito.
No entanto, pelo que pudera entender, os cochilos eram mal recebidos na gigantesca
fazenda da Clareira.
Permaneceu ao lado de Newt em frente ao celeiro do Sangradouro, pronto para a sua
primeira aula com um Encarregado. Apesar da manhã difícil, na verdade estava empolgado
com a ideia de aprender mais e com a oportunidade de afastar os pensamentos de Ben e do
cemitério. As vacas mugiam, as ovelhas baliam, os porcos grunhiam por toda parte. Em algum
lugar ali perto, um cachorro latiu, e Thomas esperou que Caçarola não desse um novo
significado a cachorro-quente. "Cachorro quente", ele pensou. "Qual foi a última vez que comi
um cachorro quente? Com quem eu comi?"
- Tommy, por acaso está ouvindo o que estou falando?
Thomas reagiu, saindo da sua confusão mental, e concentrou-se em Newt, que há um bom
tempo devia estar falando com ele; Thomas não ouvira uma palavra do que dissera.
- Certo, desculpe. Não dormi bem esta noite.
Newt esboçou um sorriso sem graça.
- Normal. Depois de tudo o que você passou. Deve estar pensando que eu sou um trolho
cabeçudo por exigir que esteja pronto para começar a trabalhar hoje, depois de uma cena
daquelas.
Thomas encolheu os ombros.
- Trabalhar talvez seja a melhor coisa que eu possa fazer. Qualquer coisa para desligar
minha mente daquilo.
Newt inclinou a cabeça concordando e seu sorriso tornou-se mais verdadeiro.
- Você é tão esperto quanto parece, Tommy. Esse é um dos motivos pelos quais cuidamos
deste lugar com tanto cuidado e muito trabalho. Se ficar preguiçoso, você fica triste. Começa a
entregar os pontos. Simples assim.
Thomas concordou com um movimento de cabeça, chutando distraidamente uma pedra
solta no chão rochoso e empoeirado da Clareira.
- E aí, qual é a última sobre a garota de ontem? - Se havia alguma coisa que penetrara a
névoa dos seus pensamentos fora a lembrança dela. Queria saber mais a seu respeito, entender
a estranha ligação que sentia em relação a ela.
- Continua em coma, dormindo. Os Socorristas vão lhe dando de colher a sopa que o
Caçarola prepara, verificando os seus sinais vitais e essas coisas. Ela parece bem, apenas
morta para o mundo por enquanto.
- Isso é muito estranho. - Se não tivesse passado pelo incidente com Ben no cemitério,
Thomas estava certo de que ela teria ocupado todos os seus pensamentos na noite anterior.
Talvez não fosse capaz de dormir por outra razão completamente diferente. Queria saber quem
ela era e se ele a conhecia de algum modo.
- É isso - falou Newt. - Estranho é a melhor palavra no caso, acho.
Thomas olhou por cima do ombro de Newt para o grande celeiro vermelho desbotado,
pondo de lado os pensamentos sobre a garota.
- E aí, o que fazemos primeiro? Tiramos leite das vacas ou retalhamos alguns pobres
leitõezinhos?
Newt riu, e Thomas percebeu que não tinha ouvido muito aquele tipo de som desde que
chegara.
- A gente sempre faz os Calouros começarem com os Retalhadores. Não se preocupe,
cortar os alimentos que o Caçarola vai usar é só uma parte do trabalho. Os Retalhadores
fazem tudo o que tenha a ver com os animais.
- Pena não conseguir me lembrar de toda a minha vida. Talvez eu adorasse matar animais.
Ele estava apenas brincando, mas Newt não pareceu entender assim.
Newt indicou o celeiro com um movimento de cabeça.
- Ah, você vai saber muito bem isso até o pôr do sol. Vamos lá conversar com o Winston...
ele é o Encarregado.
Winston era um garoto cheio de espinhas, baixo mas musculoso, e pareceu a Thomas que o
Encarregado gostava demais do seu trabalho. "Talvez ele tenha sido mandado aqui por ser um
serial killer", pensou.
Durante a primeira hora, Winston mostrou todo o lugar a Thomas, indicando quais eram os
cercados onde ficavam os diversos animais, onde ficavam as galinhas e os perus, o que ia
para o celeiro. O cachorro, um labrador preto, agitado, chamado Tagarela, rapidamente
adotou Thomas, seguindo os seus passos durante toda a visita. Imaginando de onde teria vindo
o cachorro, Thomas perguntou a Winston, que disse que Tagarela sempre estivera ali. Parecia
que seu nome fora dado como uma brincadeira, já que o cão era bem silencioso.
A segunda hora transcorreu em meio ao trabalho de verdade com os animais de criação -
alimentando-os, limpando, consertando a cerca, dando um jeito no plong todo. Plong. Thomas
surpreendia-se cada vez mais empregando as expressões da Clareira.
A terceira hora foi a mais difícil para Thomas. Ele precisou observar enquanto Winston
abatia um porco e começava a preparar as suas diversas partes para o consumo futuro.
Thomas jurou duas coisas para si mesmo enquanto saía para o almoço. Primeiro, a sua
carreira não seria entre os animais; segundo, nunca mais comeria nada que viesse de um
porco.
Winston dissera para ele continuar sozinho, para andar pelo Sangradouro, o que para
Thomas foi ótimo. Enquanto caminhava na direção da Porta Leste, não conseguia parar de
imaginar Winston em um canto escuro do celeiro, mastigando pés de porco crus. O sujeito lhe
dava calafrios.
Thomas estava passando exatamente pela Caixa quando se surpreendeu ao ver alguém
entrar na Clareira vindo do Labirinto, através da Porta Oeste, à sua esquerda - um garoto de
origem asiática com braços fortes e cabelo preto cortado curto, que parecia um pouco mais
velho do que ele. O Corredor parou, deu três passos para dentro, depois se curvou e apoiou-se
nas mãos sobre os joelhos, respirando com dificuldade. Parecia que tinha acabado de correr
trinta quilômetros, o rosto vermelho, a pele coberta de suor, as roupas ensopadas.
Thomas ficou olhando, dominado pela curiosidade - era a chance de ver um Corredor de
perto ou conversar com um deles. Além disso, com base nos últimos dias, o Corredor tinha
voltado algumas horas mais cedo. Thomas adiantou-se, ansioso por conhecê-lo e fazer-lhe
perguntas.
No entanto, antes que Thomas pudesse articular uma frase, o garoto desmoronou no chão.
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Então resolvi criar esse blog porque, muita gente não tem dinheiro(tipo eu) ,vou postar livro de qualquer estilo,porque eu qualquer estilos amo ler,quer um livro que eu poste basta pedir na embaixo no meu ask,ok meu nome João Paulo ,comente para eu interagir com vocês.

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